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Violência doméstica como uma das causas da violência urbana – por Débora Dias

As definições que tínhamos até a entrada em vigor da Lei n. 11.340/06 sobre do que se tratava violência doméstica eram conceitos muito mais sociológicos do que jurídicos. Embora os tipos penais fizessem parte do problema, não havia um conceito jurídico de violência doméstica

A violência doméstica é fenômeno multifacetado, complexo e extremamente democrático, à medida que atinge todas as camadas sociais.  Contrario sensu, encontram-se as estatísticas policiais infladas de casos envolvendo as classes menos favorecidas, mas esta constatação não são garantia de que o problema seja tão mais freqüente nestas parcelas da sociedade. Entretanto, a população mais pobre encontra na polícia único expediente para tentar resolver seus problemas; já as classes mais abastadas, diante do problema, podem procurar um advogado, um psicólogo, etc. e somente procurando fazer o registro de ocorrência policial, de regra,  em casos mais graves e que não puderam ser resolvidos de outra forma.

Inserida nesta discussão confundem-se muitas vezes os conceitos da chamada “violência de gênero (violência contra a mulher em razão do sexo, em razão do papel social que lhe seria destinado na sociedade, gerada pelas desigualdades sócio-culturais entre homens e mulheres), a violência intrafamiliar (decorrente da violência entre os membros da família com ou sem laços de consangüinidade) e a violência doméstica, esta podendo abranger ou não as outras duas.  Entretanto, a miscelânea em torno dos conceitos tem sua razão de ser, já que inúmeros estudos demonstram que a mulher é ainda a maior vítima dos casos de violência doméstica e intra-familiar; portanto, a violência contra mulher estaria ocupando espaço dentro dos dois primeiros conceitos.

Com o advento da Lei n. 11.340 de 2006 o Brasil teve o primeiro diploma legal que trouxe uma definição jurídica de violência doméstica, definição aliás bastante ampla e abrangente, com evidentes influências de conceitos sociológicos e de militâncias feministas.  Assim, dispõe o artigo 5 da lei:

Art. 5o  Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial: I – no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas;II – no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa;III – em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação.Parágrafo único.  As relações pessoais enunciadas neste artigo independem de orientação sexual.

Além da vasta variedade de condutas, a lei ressalva que os incisos não se auto-exaurem, deixando margem à interpretação do operador jurídico. Esta técnica legislativa, por vezes fastidiosa, demonstra que o espírito da lei é o de abranger o maior número possível de condutas, não deixando lacunas que pudessem ensejar a sua não aplicabilidade.

A violência urbana, independentemente de qualquer conceito científico, tem em sua gênese diversas causas, é um fenômeno que causa grande preocupação não somente entre a população de um modo geral, mas também a juristas, especialistas em segurança pública e governantes.

Saliente-se que a preocupação com os altos índices de criminalidade, com a avalanche da violência urbana, geralmente vem dissociada da preocupação com a violência doméstica e intrafamiliar, não fazendo com esta nenhuma associação ou correlação. São problemas apresentados e questionados de forma compartida para grande a massa populacional e inexplicavelmente para os governantes e responsáveis pela segurança pública também.

No que tange ao aspecto jurídico da violência urbana ela se traduz na prática de inúmeros tipos penais, mas principalmente em homicídios, latrocínios, roubos, estupros, tráfico de drogas, etc. Delitos estes graves que causam clamor à população e fazem com que legisladores editem leis e lancem mão do direito penal como única e exclusiva medida de política criminal e não como uma das medidas necessárias.  A violência urbana é uma das grandes preocupações do século.

A própria Lei n. 11.340/06,  que é um pequeno estatuto, não cria nenhum tipo penal novo, entretanto faz algumas alterações dentro do direito processual penal( exs.. artigo 313, IV, do Código de Processo Penal, tira do âmbito de competência dos Juizados Especiais Criminais a competência para processar e julgar os crimes ocorridos em âmbito familiar, etc), aumenta a pena da lesão corporal nos casos de violência doméstica( 129, parágrafo 9º, do Código Penal);  mas a grande inovação está  nos dispositivos que têm a intenção de coibir e prevenir a violência doméstica, incluindo desde a inserção nos currículos escolares da discussão das questões de gênero até o tratamento do agressor e o atendimento das famílias vítimas da violência doméstica por uma equipe multidisciplinar.

O ataque da Lei Maria da Penha a diversos aspectos da questão da violência doméstica, clamando pelos poderes públicos municipais, federais e estaduais denota a amplitude da questão e a diversidade de suas causas.

Os estudos sobre o problema constatam que a questão cultural é prevalente na violência contra a mulher e consequentemente na violência doméstica, considerando esta gênero daquela. A mulher ainda é tratada com desrespeito e agredida pelo fato de ser mulher e que muitas vezes a própria mulher acaba entendendo a violência como natural, como demonstrou estudo feito em 2003 em Porto Alegre referente à dissertação de mestrado do médico José Fernando Dresch Koronbauer, quando afirma: “Outro achado foi a invisibilização dos eventos violentos pelas próprias mulheres, que naturalizam, banalizam e relativizam as violências que sofrem, e o que é pior, não as percebem como tal.”

Não se pode deixar de constatar que violência doméstica e violência urbana são fenômenos que estão intimamente interligados e, portanto, não podem ser estudados e combatidos isoladamente. 

No combate à criminalidade e especificamente à violência urbana tem-se que avaliar e ponderar como sendo uma de suas causas a violência doméstica que não fica cingida às paredes da residência familiar, seus membros fazem parte da sociedade e com ela se relacionam devendo para ambos os fenômenos serem coibidos e também prevenidos, serem estudados em toda sua amplitude, com suas causas, conseqüências e reflexos.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CAVALCANTI, Stela Valéria Soares de Farias. A Violência Doméstica como Violação dos Direitos Humanos. Disponível em: www.jusnavigandi/com/rbr/doutrina/texto.asp.?id=77538p=3.

CURY, GARRIDO Emarçura. Estatuto da Criança e do Adolescente Anotado. 3ªed., Ed. Revistas dos Tribunais, 2002.

DICIONÁRIO ON-LINE. Disponível em: www.priberan.pt/dlpo/dlpo/asp.

KRONABAUER, José Fernando Dresch. E MENGHEL, Stela Nazareth. Perfil da Violência de Gênero perpetrada por companheiro. Revista de Saúde Pública, 2005, SCIELO, Brasil. Disponível em: www.scielo.br.

Violência contra a Mulher , Gênero e Cidadania, artigo publicado em  2005.

SANTOS, Cecília MacDowel, IZUMINO, Vânia. Violência contra as Mulheres, Gênero e Cidadania. Disponível em: www.patriciagalvao.org.br/apc-aa-patriciagalvao/home/noticias.shtml/?x=193.

SAFFIOTI, Heleith I. B. Gênero, Patriarcado, Violência.  Ed. Fundação Perseu Abramo, São Paulo, 2004.

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