Por Carlos Wagner (*)
Nos primeiros meses do ano 2000 eu estava trabalhando no meu livro País-Bandido e andava pelos países vizinhos do Brasil conversando com bandidos, policiais e outras autoridades sobre os crimes praticados nas zonas de fronteira. São regiões em que o número e a variedade de crimes são enormes. E entre todos os crimes, o contrabando é aquele que os bandidos consideram o mais lucrativo. Por quê? Se forem presos e condenados, a pena será mínima. Já o lucro, caso não forem apanhados, é enorme. Em muitos casos, maior do que o obtido com o tráfico de drogas, como é o caso, por exemplo, do contrabando de cigarros.
Na Tríplice Fronteira do Brasil (Foz do Iguaçu), Argentina (Puerto Iguazú) e Paraguai (Ciudad del Este), uma das minhas fontes é uma família que opera no contrabando desde os anos 60, inclusive o patriarca é citado no Dossier Paraguay – Los Dueños de Grandes Fortunas, do historiador Anibal Miranda (falecido), com quem tive grandes papos nos anos 90. A primeira vez que falei com o patriarca foi em 1984, e desde então sempre ando por lá de dois em dois anos. E foi em uma dessas ocasiões que ouvi dele a seguinte frase: “O crime é organizado porque as autoridades são desorganizadas”.
Mas não foi a minha fonte que inventou essa frase. Apenas repetiu aquilo que circula há bastante tempo entre bandidos, policiais e jornalistas. Nos meus 40 anos de profissão e 30 e tantos de redação, eu a ouvi de várias pessoas, inclusive de um hoje ilustre ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) com quem cruzei pelas estradas do Brasil. A frase é a síntese de uma realidade. É sobre isso que vamos conversar.
Antes de continuar contando a história, uma explicação que julgo necessária sobre o “nariz de cera” que fiz no primeiro parágrafo. Escrevi para dizer aos meus colegas repórteres que sei do que estou falando. Para quem não é jornalista. Nariz de cera se diz quando a abertura de um texto não vai direto ao assunto. Lembrando que os manuais de redação mandam que se diga logo na primeira linha do que se trata a matéria. No entanto, adotar uma ou outra maneira de iniciar um texto é uma escolha pessoal do repórter.
Continuando com a história. Em qualquer canto do mundo, o crime organizado funciona como uma empresa comum. Ele se expande na hora que surge a oportunidade e se encolhe na adversidade. Um exemplo são os contrabandistas de produtos de informática. Começaram com laptops e hoje estão operando com equipamentos industriais. Os tabacleiros, como são conhecidos os contrabandistas de cigarros pirateados do Paraguai, ganham mais dinheiro que os narcotraficantes.
As organizações de contrabandistas que operam com remédios são antigas e bem estruturadas no território nacional. Aliás, elas existem mesmo nos países desenvolvidos, como nos Estados Unidos, onde é contrabandeado um grande volume de medicamentos do México e do Canadá. O remédio mais desejado no mundo hoje são as vacinas contra a Covid-19. No Brasil, graças à lambança que o governo do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) tem feito em torno do assunto, a data em que os brasileiros terão acesso ao imunizante ainda é indefinida.
Enquanto isso, países ao redor do mundo, como a Grã-Bretanha e os Estados Unidos, já estão vacinando a população. E aqui, na América do Sul, vizinhos do Brasil, como a Argentina, estão em negociações adiantadas com os fornecedores das vacinas. A situação brasileira cria uma oportunidade de negócios para os contrabandistas. É assim que as coisas acontecem. Quem duvidar basta ler os inquéritos que tramitam na Polícia Federal (PF) e os processos na Justiça Federal.
A pergunta que se faz é a seguinte: os contrabandistas têm estrutura para armazenar, transportar e entregar a vacina? Eles dão um jeito, sempre deram. Claro que o consumidor não tem a garantia da qualidade do produto. Aliás, nunca há garantia para mercadorias obtidas no mercado paralelo. Mesmo as compradas de “contrabandistas de confiança.”
Hoje (15/12) é essa a realidade dos brasileiros. Caso o presidente Bolsonaro não pare de fazer lambança no caso das vacinas, a possibilidade do contrabando é real. O que escrevi não é opinião. São fatos que publicamos nos nossos noticiários. Alguma coisa precisa ser feita e urgentemente na questão das vacinas. O contrabando de remédios acontece porque o preço é bem mais barato que o do produto adquirido nas farmácias do Brasil. São comprados principalmente nos países vizinhos, Paraguai, Argentina e Uruguai.
O caso da vacina é diferente, ela não existe no Brasil. O que eleva o seu preço no mercado ilegal e a deixa disponível apenas para um público de poder aquisitivo médio. As indústrias, os laboratórios públicos (Fiocruz e Butantan) e o varejo de medicamentos no Brasil são um ramo organizado da economia. E teriam encaminhado o caso da vacina de uma maneira racional. A continuar o atual quadro restaram duas saídas para os brasileiros: comprar a vacina dos contrabandistas ou ir para a rua pressionar o governo federal pela solução do problema, que, aliás, foi criado por ele.
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(*) O texto acima, reproduzido com autorização do autor, foi publicado originalmente no blog “Histórias Mal Contadas”, do jornalista Carlos Wagner.
SOBRE O AUTOR: Carlos Wagner é repórter, graduado em Comunicação Social – habilitação em Jornalismo, pela UFRGS. Trabalhou como repórter investigativo no jornal Zero Hora de 1983 a 2014. Recebeu 38 prêmios de Jornalismo, entre eles, sete Prêmios Esso regionais. Tem 17 livros publicados, como “País Bandido”. Aos 67 anos, foi homenageado no 12º encontro da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (ABRAJI), em 2017, SP.
Duas coisas. Primeira: um texto caça-click. Se Bolsonaro não fosse presidente ou não estivesse fazendo lambança a chance de contrabando seria nula? No Brasil?
Resumo feliz da ópera: terminara o governo Cavalão, mas quem tem problemas cognitivos continuara com problemas cognitivos.