REFLEXÃO. No pós-pandemia, jornalistas voltam para as redações ou permanecem em home office?
Que jornalismo vem aí, avalia CARLOS WAGNER, que assina o texto abaixo
Por Carlos Wagner (*)
Sempre lembro aos meus colegas que no trabalho do repórter acontecem episódios que o acompanham pela vida afora, mesmo depois que ele deixa a redação. Guardo comigo muitos desses momentos. Um deles aconteceu em 1984, em Assunção, capital do Paraguai. Fui até lá fazer uma reportagem sobre o general Alfredo Stroessner, que comandou a mais longa ditadura da América do Sul, entre 1954 e 1989, e aproveitei para visitar a redação do ABC Color.
Fundado em 1967, o jornal fazia oposição a Stroessner e fora fechado pelos militares. E logo que abri a porta da redação deparei com uma cena impressionante: as luzes apagadas, as cadeiras em cima das mesas e as máquinas de escrever cobertas de poeira. O jornal reabriu em 1989, quando o general Andrés Rodrigues derrubou Stroessner, que se exilou em Brasília, onde morreu em 2006. Logo que pandemia causada pela Covid-19 se instalou e jornalistas no Brasil e em várias partes do mundo deixaram as redações e foram trabalhar em casa, me lembrei do que havia visto no ABC.
A noite de sexta-feira sempre foi a mais agitada nas redações, porque eram fechadas duas edições, a de sábado e a do domingo. Hoje, passar à noite na frente de um jornal dá um nó na garganta, como me descreveu um colega de São Paulo. Comecei a trabalhar em redação em 1979, creio que era o auge do jornal impresso.
Para quem não é do ramo, nós podemos dividir um jornal em três partes: redação, comercial e circulação (esta última, subdividida em impressão, distribuição e transporte). As décadas de 80 e 90 foram os anos das grandes mudanças tecnológicas nos jornais. Lembro que a cada mudança pessoas eram demitidas e substituídas por máquinas e o lugar onde trabalhavam ficava vazio, ou como se falava na época: virava moradia de fantasma. As maiores mudanças foram trazidas pela popularização da internet e do telefone celular. Os donos dos jornais enfiaram garganta abaixo dos leitores a substituição do jornal papel pelo online (site). Com isso eliminaram, ou diminuíram, a atividade a níveis mínimos, principalmente a circulação, que era justamente o maior custo, por envolver a impressão do jornal (papel, tinta e um parque gráfico) e o transporte (frotas de caminhões e outros veículos).
No final de 2014, eu saí da redação. Na época, o processo de decadência econômica dos jornais se acelerava porque estava acontecendo uma migração de anunciantes para outras plataformas de comunicação na internet e um êxodo de assinantes para as redes sociais. A resposta dos donos dos jornais à crise foi demitir centenas de jornalistas e fazer uma redação única, concentrando vários órgãos de comunicação, como jornal, rádio e TV. Dentro dessa nova estrutura, o repórter começou a fazer texto, foto, áudio e vídeo. E a receber um dos menores salários da história da categoria.
Esse processo começou pelos Estados Unidos e se espalhou pelo mundo. E foi detido em 2016, quando, contrariando todas as pesquisas, se elegeu presidente dos Estados Unidos Donald Trump (republicano). A eleição foi fortemente influenciada por uma máquina de disparar fake news montada por pessoas altamente qualificadas em comunicação social. O passatempo do presidente americano era chutar as canelas dos jornalistas e decretar o fim da imprensa tradicional e a nova era das redes sociais, onde publicava a sua versão dos fatos sem ser contrariado.
Ao se posicionar contra a globalização, Trump comprou briga “com os cachorros grandes” da economia americana. Esse fato, somado ao seu apoio público a racistas e outros extremistas, mais a sua política contra os imigrantes ilegais, acabaram ressuscitando a imprensa tradicional. O mesmo aconteceu aqui no Brasil com a eleição para a Presidência da República de Jair Bolsonaro, que segue a cartilha de Trump.
Muito embora as empresas continuassem demitindo jornalistas, 2018 e 2019 foram dois bons anos para o jornalismo. Daí veio a pandemia em 2020 e as redações fecharam e mandaram os repórteres trabalhar em casa. Bolsonaro usou a máquina de fake news para vender aos brasileiros a sua posição negacionista em relação ao vírus. A imprensa tradicional ficou do lado da ciência e se tornou relevante para os leitores.
Mesmo com os jornalistas trabalhando em casa, o que significou uma diminuição de custos para as empresas, os repórteres continuaram sendo demitidos. Já existe uma vacina contra a Covid e agora é uma questão de tempo para chegarmos ao pós-pandemia. Isso significará a volta dos jornalistas às redações? Ninguém sabe o que vai acontecer. E não é por outro motivo que essa questão é hoje motivo de uma grande discussão entre a categoria.
Uma coisa é certa: a era das grandes redações acabou. A redação que vai emergir no pós-pandemia será menor, formada por jovens com salários baixos que produzirão texto, áudio e vídeo. E as pautas deverão ser focadas no cotidiano, como trânsito, segurança pública e entretenimento.
Caso se confirme esse quadro, ele abrirá uma oportunidade para os jornalistas se organizarem em cooperativas, ou pequenas empresas, e venderem a sua produção para os jornais de matérias “pesadas”, principalmente reportagens investigativas. Também abre oportunidade para o surgimento de sites e blog especializados.
Tenho conversado muito com os colegas sobre o que vai acontecer com as redações no pós-pandemia. Não prego e não acredito na extinção do jornalismo por ser ele um dos esteios do nosso modo de vida. Tenho dito nas minhas palestras que quem está com problemas são as empresas, por terem tomado decisões estratégicas erradas, como contratar consultores que não entendem nada de jornal. Esses consultores encheram os bolsos e deixaram atrás de si prédios vazios e parques gráficos sucateados.
Alguém tem que escrever um livro sobre esses caras. O bom jornalismo nunca foi tão necessário como é atualmente no mundo, em especial no Brasil. E quem faz jornalismo somos nós. Portanto, o que vem por aí depende de nós. Recomendo aos jovens que pesquisem o que foi a imprensa alternativa que surgiu no Brasil durante a Ditadura Militar (1964 a 1985).
Abri o texto contando a história da minha visita à redação do ABC Color, no Paraguai. E vou fechá-la com outra história. Para escapar dos espiões de Stroessner, escolhi me hospedar em um hotel em uma cidadezinha próxima a Assunção. Estava acompanhado pelo motorista Miguel Cunha e pelo repórter fotográfico Valdir Friolin. No segundo dia de trabalho, os espiões do Stroessner começaram a nos vigiar e no fim da primeira semana começamos a encontrar as nossas malas reviradas no hotel.
Era uma questão de tempo para eles nos prenderem, tomarem os blocos de anotações, gravações e fotos e nos atirarem na cadeia. Não tinha como avisar a Embaixada brasileira porque o Brasil também era governado por uma ditadura militar. Então fiz o seguinte. Avisei o hotel que partiria em 48 horas. E pedi que me fizessem um mapa do roteiro mais rápido para sair de Assunção.
Um dia antes de fechar as 48 horas, no nascer do dia, eu avisei a portaria que estava indo embora. E estava acertando as contas com o hotel quando Miguel me pediu para ir lá na rua ligar o carro, porque ele estava ajudando o Friolin. Fui lá, liguei e encostei o carro na porta do hotel. Entreguei a chave para o Miguel, terminei de acertar as contas e avisei que seguiria o mapa feito por eles para sair da cidade.
Na saída, o Miguel me pediu para ligar o carro novamente. Achei estranho. Mas atendi o pedido sem perguntar o motivo. Claro que não saímos pelo roteiro que eles me deram. Saímos por outro. Foram cinco tensas horas de viagem até a fronteira, onde ficamos mais uma semana rodando pela região entre os dois países, fazendo uma matéria sobre os brasiguaios, agricultores brasileiros que emigraram para o Paraguai.
Em uma noite, quando estávamos jantando e enchendo a cara em restaurante de beira de estrada, eu perguntei para o Miguel porque ele me pediu para ligar duas vezes o carro. Ele respondeu: “Sonhei que tinham colocado uma bomba no carro. Como não explodiu na primeira vez, eu pedi mais uma por segurança”. Daí que me dei por conta que nas duas vezes que liguei o carro ele estava dentro do hotel. Para nós, repórteres, a redação não é um lugar físico, ela está dentro dos nossos corações. Podem apostar.
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(*) O texto acima, reproduzido com autorização do autor, foi publicado originalmente no blog “Histórias Mal Contadas”, do jornalista Carlos Wagner.
SOBRE O AUTOR: Carlos Wagner é repórter, graduado em Comunicação Social – habilitação em Jornalismo, pela UFRGS. Trabalhou como repórter investigativo no jornal Zero Hora de 1983 a 2014. Recebeu 38 prêmios de Jornalismo, entre eles, sete Prêmios Esso regionais. Tem 17 livros publicados, como “País Bandido”. Aos 67 anos, foi homenageado no 12º encontro da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (ABRAJI), em 2017, SP.
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