Por Alice Santos / Da revista Arco/UFSM (com ilustração de Renata Costa)
Formada em Direito pela UFSM em 1989, Deisy Ventura atua desde 2008 como professora da USP, inicialmente no Instituto de Relações Internacionais e, desde 2018, na Faculdade de Saúde Pública, onde coordena, atualmente, o doutorado em Saúde Global e Sustentabilidade. Vanguardista nas pesquisas sobre a relação entre as pandemias e o direito internacional, a jurista tornou-se referência quando se trata de direitos humanos durante a crise sanitária da Covid-19 no Brasil. Em fevereiro deste ano, a Revista Arco realizou uma entrevista com a pesquisadora sobre a UFSM, sua carreira e seu estudo sobre as pandemias. Confira a seguir:
Graduação na UFSM
A UFSM foi decisiva na minha vida. Eu entrei na faculdade de Direito com 16 anos, então é difícil dizer exatamente o que faz a gente escolher um curso. Eu lembro que tinha vontade de fazer Artes Cênicas – porque fiz teatro durante a época do colégio – e tinha também vontade de fazer Jornalismo, mas acabei fazendo Direito. Acho que o que me influenciou muito foi o fato do meu avô ter sido advogado, embora eu não o tenha conhecido, porque ele faleceu quando eu tinha nove meses. Mas ouvir falar sobre ele e sobre sua carreira e história como advogado com certeza me influenciou.
Não tenho nenhuma dúvida de que a experiência da universidade no seu conjunto mudou a minha vida. O movimento estudantil foi muito importante pra mim. Fui a primeira mulher presidente do Diretório Livre do Direito, depois fui secretária geral do DCE e depois presidente do DCE. Me envolvi muito com o movimento estudantil naquela época que acompanhava a elaboração da Constituição Federal (porque estudei na UFSM entre 1984 e 1989). Então era uma época extraordinária -em que acabava o regime militar e começava a democracia – e a universidade se envolveu muito nesse momento, aconteceram também nesse período as primeiras eleições diretas para reitor.
Foi muito lindo o meu tempo de estudante na UFSM e ele não somente me deu a profissão – me deu conhecimentos técnicos que são fundamentais até hoje na graduação em Direito e para a minha atuação – mas também me fez conviver com um grupo de professores, de funcionários e de estudantes que lutavam pela democracia, pela redemocratização do Brasil e que me ensinaram muito sobre o mundo, sobre o Brasil, sobre a vida. Foi realmente uma experiência extraordinária e decisiva na minha vida.
Mestrado em Integração Latino-Americana
Eu fiz o mestrado entre 1993 e 1996. Nessa época, a gente estava preparando o Brasil para a integração regional, porque havia começado o Mercosul em 1991 e ele teria muito sucesso inicial – representaria uma intensificação nas trocas comerciais, diversas iniciativas de cooperação, inclusive cooperação nas fronteiras. Uma de suas heranças maravilhosas é o Acordo de Residência, que permitiu a regularização da situação migratória de muitos brasileiros que viviam na Argentina, no Uruguai e em outros países também, porque ele vai além dos países do Mercosul, atinge quase em totalidade a América do Sul. Então, o Acordo de Residência é o exemplo de algo muito bom que ficou para a nossa região graças ao Mercosul.
O Mercosul tem fases de sucesso e de declínio, mas naquela época a gente estava começando, se preparando para ele, e esse mestrado em Integração Latino-Americana foi criado muito para isso: era um mestrado multidisciplinar que envolvia principalmente as áreas de direito, de economia e de história. E foi uma descoberta para mim, uma descoberta desse mundo de integração regional no qual eu me envolvi muito, porque depois o meu mestrado e meu doutorado em Direito na Universidade Paris 1 Panthéon-Sorbonne foi sobre integração regional.
O trabalho na saúde na área das Ciências Sociais e Humanas
Terminei meu doutorado na Sorbonne em 2002 e, logo em seguida, fiz o concurso para trabalhar no Mercosul e passei. Foram mais de 400 candidatos e apenas quatro aprovados, eu fui uma dessas pessoas aprovadas e a única mulher. Então trabalhei três anos no Uruguai com as negociações do Mercosul em diversas áreas, e foi ali que conheci os negociadores da saúde. Naquela época, que era um período de bastante sucesso do Mercosul, a gente tinha mais de 150 negociadores de normas de saúde, porque há um impacto grande nas normas sanitárias quando a gente tenta uniformizar as regras sobre a circulação de produtos. Tinha gente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), do Instituto Nacional de Câncer (INCA), da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), do Ministério da Saúde, assessores do Congresso Nacional, tanto da Câmara quanto do Senado, era um verdadeiro time que vinha de diversos outros países também – dos países membros do Mercosul e de associados que se interessavam por negociar determinadas regras de saúde, justamente para favorecer o comércio desses bens. Então lá eu conheci os negociadores de saúde e comecei a escrever sobre saúde, comecei a publicar sobre saúde.
Já faz 20 anos que escrevo sobre saúde, mas isso começou a ser meu objeto principal de trabalho quando vim para São Paulo, passei a ser professora do Instituto de Relações Internacionais da USP e, como eu já estava há mais de 15 anos trabalhando com integração regional, achei que já tinha dito tudo que eu tinha pra dizer sobre esse assunto, já tinha publicado muito, diversos livros, artigos, já tinha trabalhado no Mercosul e achei que a minha contribuição já estava dada. Então quando vim para São Paulo em 2008 eu já queria trocar de tema e passei a me dedicar à saúde.
Primeiro comecei a trabalhar com temas de integração regional e saúde, com o princípio da precaução – essas crises sanitárias relacionadas à integração regional – e aí veio a pandemia de Gripe H1N1. Eu me envolvi muito com os aspectos jurídicos do estudo da gripe e escrevi meu primeiro artigo sobre pandemia em 2008, que foi publicado em 2009. Então, provavelmente sou uma das primeiras pessoas da área de Ciências Sociais e Humanas que resolveu se dedicar ao estudo das pandemias. Na época, isso era muito estranho.
As pessoas diziam ‘nossa, por que alguém que é professora da USP, doutora da Sorbonne, etc, por que trabalhar com uma coisa tão estranha que é a pandemia?’, porque a Gripe H1N1 não teve a dimensão que teve a Covid-19 hoje, mas quando a gente estuda o assunto, a gente se dá conta que era absolutamente previsível o que aconteceria, e uma dessas gripes ou outro tipo de doença infectocontagiosa, com o nosso modo de vida, era evidente que isso ia acontecer. Não aconteceu com a gripe H1N1, que foi controlada, mas saberíamos que ia acontecer. Eu fiquei absolutamente fascinada com esses estudos, com os estudos de HIV e Aids também, que foram um tema muito importante no cenário internacional e aí comecei a trabalhar com o que a gente chama de Estudos Críticos da Saúde Global e essas emergências internacionais…”
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Estudos Críticos da Saúde Global. ‘vanguarda dessas pessoas que são capazes de antecipar temas importantes’. ‘pra nós não tem nenhuma novidade na pandemia de Covid-19 – não somente a gente previu,[…]’.
A ‘humildade’ intelectual da esquerda é comovente. Pessoal do jurídico nem se fala. Kuakuakuakuakua!