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Cadê o resíduo que tava aqui? – por Marta Tocchetto

“Não basta a colocação de contêineres coloridos em algumas ruas da cidade”

Os resíduos estão indo, inadequadamente, para aterros, lixões e até ao meio ambiente. Na contramão do uso curto está o tempo de decomposição dos plásticos, centenas de anos.

Participei de uma live com o Deputado Valdeci Oliveira e a coordenadora da ASMAR, Margarete Vidal, parceiros de lutas ambientais. Ela revelou na ocasião que a Associação passa por dificuldades, pois o resíduo reciclável diminuiu drasticamente nos tempos de pandemia. Se não tem resíduo, não tem venda, não tem renda.

A ABELPRE (Associação Brasileira das Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais) identificou exatamente o contrário – crescimento de 30%, em especial embalagens plásticas de uso único. A pergunta que não quer calar: Cadê o resíduo que tava aqui? A própria ABELPRE traz a resposta. Os resíduos estão indo, inadequadamente, para aterros, lixões e até ao meio ambiente.

Na contramão do uso curto está o tempo de decomposição dos plásticos, centenas de anos. A solução para o problema é usar menos e, se descartar, enviar para a reciclagem. Os índices de reciclagem de resíduos plásticos no Brasil são vergonhosos – menos de 2%, segundo a WWF Brasil.

Para aumentar este percentual é necessário um conjunto de estratégias. Enumero algumas que considero essenciais: a) campanhas informativas maciças e contínuas sobre os riscos do descarte inadequado; b) concessão de algum tipo de bônus para incentivar o encaminhamento à reciclagem; c) implantação da coleta seletiva solidária na qual os grandes geradores dividam com o poder público parte dos custos, o qual pode ser deduzido de taxas e/ou impostos municipais; c) organização de um programa local de logística reversa, tendo como destino às associações de catadores e, por fim as recicladoras.

A logística reversa está contemplada na Política Nacional de Resíduos Sólidos. Apesar dos mais de 10 anos, não sai do papel e apresenta muitos gargalos. A ideia de uma organização local é quebrar esta inércia e formar uma rede conectando todos os envolvidos – poder público; indústria; comércio e distribuidores; consumidores incluindo diferentes associações e instituições; associações de catadores; empresas coletoras e indústrias recicladoras.

Acredito que só assim haverá o retorno tão desejado dos materiais para o ciclo produtivo. Não basta a colocação de contêineres coloridos em algumas ruas da cidade. O abismo existente entre o resíduo gerado e a reciclagem também é um grave problema social.

As associações de catadores realizam um trabalho essencial, mesmo assim ainda são tratadas de forma discriminatória e, muitas vezes não são contempladas por políticas públicas que lhes possibilite a subsistência e lhes devolva a dignidade. A desvalorização e a falta de incentivo têm levado muitas ao encerramento das atividades.

O abandono do trabalho associativo tem conduzido ao aumento da coleta informal. É essencial que se encontrem formas para fortalecer as associações de catadores, sem as quais a coleta seletiva nas cidades fica ameaçada.

A união do poder público para catalisar todos os elos desta cadeia é essencial. Comprometendo todos rumo ao estabelecimento de uma política socioambiental que contemple a gestão adequada de resíduos, assim como ações de cidadania e de inclusão.  

(*) Marta Tocchetto é Professora Titular aposentada do Departamento de Química da UFSM. É Doutora em Engenharia, na área de Ciência dos Materiais. Foi responsável pela implantação da Coleta Seletiva Solidária na UFSM e ganhadora do Prêmio Pioneiras da Ecologia 2017, concedido pela Assembleia Legislativa gaúcha. Marta Tocchetto, que também é palestrante em diversos eventos nacionais e internacionais, escreve neste espaço às terças-feiras.

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3 Comentários

  1. Sem entrar na controversia ‘plastico no aterro sanitario é carbono capturado, ajuda no problema climatico’.
    Coleta seletiva solidária. Grandes geradores dividindo com o poder publico, ou seja, empresas aumentando custo que vai acabar no bolso do consumidor. Poder publico que já recebe tem que ser ajudado com mais dinheiro ainda. Trabalho associativo. Cidadania e inclusão.
    Logo são três problemas. O social, o ambiental e o ideologico. Querem resolver usar o problema ambiental para solucionar o social, com aumento de tributos e aumento de custos das empresas. Tudo ‘coletivamente’. O que pode dar errado?

  2. Campanhas informativas funcionam até o paragrafo dois, depois é dinheiro jogado na industria de publicidade a troco de nada.
    Tentar copiar paises europeus geralmente é besteira, mas na Alemanha quem devolve embalagem ganha um crédito. Nas bebidas praticamente só é pago o liquido.
    ‘ implantação da coleta seletiva solidária na qual os grandes geradores dividam com o poder público parte dos custos, o qual pode ser deduzido de taxas e/ou impostos municipais’, sem pé nem cabeça, junto com o IPTU é cobrado uma taxa de recolhimento do lixo. Divisão de custos com ressarcimento via tributação idem.
    Logistica reversa depende do consumidor final. Nesta hora aparece o imbecil do ‘consumidor final tem que se conscientizar’.

  3. Microplastico passou longe. Em Oxford deve ter alguém pesquisando isto, não na melhor universidade do bairro Camobi. Total zero. Também nunca vi alguém comentar da ‘luminária’ que inventaram por ai, criatura faz um buraco no teto e espeta uma PET cheia de água. Obviamente o ultravioleta ataca o ‘plastico’ e uma hora tem que trocar. Total zero.
    Problema das associações de catadores, ouvi de mais de um, é que a criatura entra, trabalha a mesma coisa e acaba ganhando menos. Simples assim.
    Residuo diminui na associação? Muitos catadores continuaram trabalhando apesar das restrições. Madrugada ou muito cedo. Pessoal passou a utilizar muito delivery, em certos lugares resíduo até aumentou.

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