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UFSM. Os tempos dos senhores da Universidade. Entre 64 e 84, reitores eram indicados pelo governo

Reportagem especial mistura história e política na UFSM. Ah, e democracia

José Mariano da Rocha Filho, fundador da Universidade, esteve como reitor durante 14 anos, desde a fundação (foto DAG/UFSM)

Por Fritz R. Nunes / Da Assessoria de Imprensa da Seção Sindical dos Docentes da UFSM

O artigo 207 da Constituição Federal, que foi promulgada em 1988, com o objetivo de enterrar o entulho autoritário, prevê que “as universidades gozam, na forma da lei, de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial e obedecerão ao princípio da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão.”

Em que pese o fato de que há divergências sobre a amplitude dessa autonomia, especialmente no que se refere aos constantes cortes no repasse de recursos pelo governo federal, o fato é que, com o fim da ditadura civil-militar, que se estendeu de 1964 até o início de 1985, as universidades, depois de muita luta, vivenciaram anos de liberdade de organização e de manifestação política, que passaram a sofrer um grande retrocesso nos últimos anos, especialmente a partir da ascensão do bolsonarismo, na eleição de 2018.

Será que as experiências vividas a partir do início do governo Bolsonaro, em 1º de janeiro de 2019, podem ser comparadam com as do período ditatorial? Desde que assumiu, o governo atual já fez algum tipo de intervenção em pelo menos 25 universidades e Institutos Federais, conforme dados do ANDES-SN. Em algumas instituições, Bolsonaro nomeou o menos votado da lista enviada pelo Conselho Universitário (como é o caso da UFRGS), em outras chegou a indicar reitores pró-tempore, de fora da lista encaminhada, o que gerou uma ação no Supremo (STF), através da qual a Corte determinou que o nome precisa sair da lista encaminhada, sem garantir, no entanto, que deva ser o mais votado.

Mas, de que forma eram escolhidos os dirigentes das universidades federais no período da ditadura?

Segundo o professor Ricardo Rossato, aposentado do Centro de Educação da UFSM, e que foi eleito em votação direta para vice-reitor do professor Gilberto Aquino Benetti, tendo assumido em 1987 (Benetti assumiu em 1985, pois as nomeações eram em prazos distintos), na época, “a determinação era que as universidades enviassem uma lista sêxtupla elaborada pelos conselhos superiores das instituições. Dentro desta lista, o presidente poderia escolher qualquer nome”.

E quais os critérios para ser indicado dirigente da universidade?

Diz o professor que “o preenchimento da lista dependia de muitas composições internas e poderia ocorrer que houvessem nomes com posições políticas distintas, contudo, o alinhamento ao regime militar era fundamental”. E acrescenta: “Isto significava que quem efetivamente pleiteasse uma indicação, deveria representar um alinhamento à direita e um pensamento conservador”.

Mas, esse alinhamento não significava que inexistisse algum tipo de disputa, mesmo entre os simpatizantes do regime. “Ocorria com frequência que havia mais candidatos com este perfil (direita conservadora) e, então, se travava, uma luta de bastidores entre os mesmos, utilizando todos os meios para obter a indicação. Aconteceu muitas vezes que este critério levou pessoas medíocres a ocupar o mais alto posto numa universidade, mas que se mostravam subservientes ao regime. E isto tinha um peso decisivo”, analisa Ricardo Rossato (foto acima).

Em relação às qualidades necessárias ao dirigente máximo da universidade, o professor Edson Nunes de Morais, ex-diretor do Centro de Ciências da Saúde (1990-94), e diretor da Associação dos Professores (Apusm) entre os anos de 1985/86, corrobora a opinião de Rossato.

“Quem escolhia os reitores das federais era o Ministro da Educação. O principal critério para que fossem escolhidos era o de que precisavam ser filiados à Arena (Aliança Renovadora Nacional), antigo partido que dava sustentação política ao governo militar”. Morais lembra que “em 1981, quando Armando Vallandro foi o escolhido (a reitor), vi uma entrevista dada pelo professor na TV local, quando o repórter lhe perguntou ‘por que o senhor foi escolhido?’. Vallandro respondeu: ‘porque sou da Arena’. Provavelmente, outras experiências, como as administrativas, também contassem, mas não eram as mais importantes”, ressalta Edson Morais.

Quais os efeitos da indicação do reitor pelo governo?

Luiz Roberto Simon do Monte, mais conhecido como ‘Beto São Pedro’, cursou jornalismo na UFSM entre os anos de 1973 e 1978, e mais tarde, já nos anos 80, desempenhou o mandato de vereador (1983-88), pelo PT. Do tempo em que foi estudante, Beto São Pedro (foto ao lado) reconhece que, para a grande maioria, o “sistema de indicação dos dirigentes era normal, pois havia uma despolitização muito forte”.

Conforme o hoje servidor público municipal aposentado, “era muito temerário fazer oposição ao sistema naquele período. A oposição era reduzida e a esquerda mais ainda. Para se ter uma ideia, quando se conseguia fazer uma reunião do campo da oposição, sempre fora dos domínios da universidade, e conseguia mobilizar 30 a 40 pessoas, era tido como um sucesso. Essa situação só começa a se inverter no final dos anos 70, início dos anos 80”, destaca.

Na visão do professor Ricardo Rossato, “o principal efeito se refletia em medidas que visavam controlar ideologicamente a comunidade interna”. Segundo ele, “buscava-se um alinhamento de pensamento atendendo à linha política (do governo). Isto se irradiava nos conselhos e em todos os órgãos hierárquicos da universidade, nas diferentes chefias ou representações”. Em relação às universidades em geral, acrescenta o professor, “várias se apressavam em implantar rapidamente reformas propostas pelo sistema, que entendia, assim, conseguir desmantelar movimentos internos e enquadrar ideologicamente a comunidade universitária”.

Para Edson Morais (foto abaixo), o principal reflexo interno era que essa estrutura de indicação se espraiava na nomeação de diretores de unidades (centros), que eram, na prática, também cargos de confiança do governo ditatorial.

E com relação à questão das indicações dos reitores naquele período, Morais acrescenta algumas peculiaridades relacionadas à UFSM.

O golpe civil militar ocorreu em 1964, quando Edson Morais estava no primeiro ano da faculdade de Medicina, e, portanto, foi testemunha ocular dos fatos. O primeiro reitor da UFSM foi o fundador da instituição, professor José Mariano da Rocha Filho. Ele se manteve como dirigente máximo da universidade por 14 anos, quando, então, muda a legislação, e o reitor deveria ser nomeado a cada quatro anos. Normalmente, o então vice-reitor sucedia o reitor.

Segundo Morais, na época, os militares “granjeavam de alguma simpatia, especialmente no sul do país”, pois alguns presidentes eram de origem estadual ou haviam servido em organizações militares gaúchas. (Emílio Garrastazu) Médici era de Bagé, (Ernesto) Geisel de Estrela; (Artur da) Costa e Silva comandou a 3ª DE (Divisão de Exército) aqui em Santa Maria”. Sendo assim, analisa o docente, talvez por haver esses vínculos “afetivos” com o estado e com Santa Maria, a UFSM detinha alguns “privilégios” políticos, através de seus dirigentes, com membros do governo…”

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3 Comentários

  1. Resumo da ópera: maiores universidades do mundo não deixam a gestão na mão de um academico eleito. No máximo o cargo ocupado é honorifico, um(a) garoto(a) propaganda. O que se vê é um regime feudal, cabides para os ‘cumpanheros’ e a instituição sem rumo. Mas é razão para perder a paz. Comunitárias e particulares têm rumo. Com o mercado de trabalho piorando, publicas não absorve todos, corpo docente das mesmas melhorou. Basta ver a PUCRS ou a Unisinos. Dão de laço em muita federal por aí.
    Na Universidade Federal do Stalin e do Mao Tse Tung agora inventaram a chapa única com tres ‘ungidos’. Modo de contornar a legislação e obrigar o presidente de plantão (que foi democraticamente eleito, gostem ou não) a designar alguém do mesmo campo politico.
    No frigir dos ovos tem gente querendo bancar o ‘esperto’. Mesmo sendo extremamente burra.

  2. Com a instalação do democratismo (não passa disto) a universidade ficou parada por decadas. Foi necessário o mercado de trabalho ficar muito ruim aqui fora para que alunos começassem a percorrer a senda academica e voltar para que muitos cursos de pós-graduação fossem criados. Quanto tempo levou para que o curso de mestrado/doutorado em direito e odonto surgissem? Sim, porque no funcionalismo público a acomodação é muito comum. Para alguma coisa acontecer ‘tem que pingar alguma a coisa a mais no bolso’, geralmente bolsas.

  3. Não há divergencia nenhuma sobre a autonomia. Quem está dentro das IFES sonha que está dentro de um territorio autonomo. Basta ver o art. 99 ‘Ao Poder Judiciário é assegurada autonomia administrativa e financeira’. Qualquer pessoa razoavelmente alfabetizada reconhece a diferença entre ‘autonomia financeira’ e ‘autonomia de gestão financeira’.
    Doutor Mariano foi o primeiro Reitor e foi quando a instituição andou. Os convenios com a Alemanha asseguraram a qualidade do curso de Quimica, a Interamericana seria um centro de integração/pós-graduação, a vaca de acrilico veio, a UFSM teria equipes de remo facilitando o convenio com universidades dos paises desenvolvidos, havia salas com equipamento de tradução simultanea. Na época dos militares o Projeto Rondon transformou Santa Maria no maior Distrito Geoeducacional do pais criando a semente de outra universidade. Logo em seguida gente de fora veio lecionar aqui, Belgica, Tailandia, India, etc.

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