Por Nathália Arantes / Acadêmica de Jornalismo da Universidade Franciscana (*)
A literatura como expressão artística da palavra permite ao leitor explorar outros mundos, contextos e épocas. Esses novos conhecimentos adquiridos através da palavra são capazes de constituir o sentimento de empatia, já que retiram o indivíduo da realidade e o aproximam do outro, até então desconhecido. Assim como qualquer outro, o hábito de ler muitas vezes surge da frequência e repetição do ato, permitindo ao leitor reconhecer seus interesses e preferências.
A literatura infantil é a porta de entrada ao universo literário, até mesmo àqueles que ainda não sabem ler. Seja com a leitura através de um familiar ou a interpretação da criança através das imagens, o livro passa a ser um objeto conhecido dos pequenos, assim como o seu poder de imaginação despertado. É o caso da servidora pública Daniela da Silveira, que desde cedo incentiva o hábito da literatura ao seu filho de dois anos e meio “(a presença do livro) vai despertando a curiosidade e o interesse dele em descobrir o que está escrito ali, não apenas olhar a imagem e ilustração do livro, mas também descobrir o que está escrito no livro”, afirma Daniela.
Esse hábito da literatura durante a infância está refletido na 5ª edição da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil. Os dados apontam que as faixas etárias entre 5 a 10 anos e entre 11 e 13 anos são as que mais têm o gosto pela leitura como sua motivação principal para ler. A pesquisa também revela que as maiores influências para o gosto pela literatura vem de figuras como professoras e as mães.
Porém, diante dos valores para aquisição de novos livros, alguns familiares buscam outras alternativas para compartilhar a literatura com as crianças. É o caso da diarista e estudante de Letras da Universidade Federal de Santa Maria, Sueli Mara Silva.
“Os livros que comprei para os meus filhos foram em sebos, onde encontrei preços mais acessíveis. Acredito que se os preços de livros novos fossem mais em conta, com certeza eu compraria com maior frequência”, constata Sueli.
Desde o ano passado os livros estão sob ameaça de taxação pela Receita Federal que defende que o artigo é consumido em grande parte por famílias com renda mensal superior a 10 salários mínimos. Essa proposta se baseia na unificação de atuais tributos como PIS e Cofins, que seriam substituídos por novo tributo de consumo, o Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS). Com o CBS surge uma alíquota única estimada em 12% que seria também aplicada aos livros, fazendo com que seu preço de mercado pese ainda mais no bolso do consumidor.
A acadêmica de Editoração da Universidade de São Paulo (USP), Mariana Fortes, discorda que a literatura pertença apenas às camadas mais ricas da sociedade. Para a estudante, essa informação não corresponde à realidade apresentada na pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, onde em números absolutos são exatamente as classes C,D, e E que consomem mais livros no país.
“Vamos supor que isso fosse verdade, não deveria ser o dever do governo mudar isso? Não deveria buscar dar acesso a cultura, a literatura e ao conhecimento para toda a sua população? Não é só rico que lê. Eu não sou rica, eu não cresci em uma família rica. Inclusive as pessoas que conheço que são de classes mais abastadas leem muito menos que eu”, reitera Marina.
A isenção tributária de livros se origina na proposta do escritor Jorge Amado, quando este ocupava o mandato de deputado federal pelo Partido Comunista Brasileiro, em 1946. Em proposta na Assembleia Nacional Constituinte, o escritor defendeu a imunidade de impostos para livros, revistas e jornais, com o intuito de democratizar o acesso à cultura e ao conhecimento. Aprovada na Constituição de 1946, a imunidade de impostos se manteve também com a promulgação da Carta Magna de 1988.
A taxação literária pode acarretar no que Jorge Amado previa, caso não houvesse a imunização tributária, ou seja, deficiência de acesso à informação para muitas pessoas. Para o historiador João Heitor Macedo, uma possível taxação também irá refletir nos livros didáticos e, consequentemente, agravar a precarização da educação pública. “A retirada dessa isenção de impostos e colocar 12% já de início, imediatamente vai redundar em um maior distanciamento das camadas mais pobres ao acesso ao livro didático, ao acesso à educação fora dos espaços físicos das escolas”, destaca.
A pandemia de Covid-19 tornou o acesso à literatura ainda mais difícil para uma parcela da população que não tem recursos financeiros para aquisição de livros, sejam didáticos ou literários. A escola costumava ser o local onde muitos estudantes do ensino público encontravam a oportunidade de conviver com livros, levar para casa e variar frequentemente as leituras. Diante desta realidade, a ONG Infância-Ação criou a campanha “Ler para crescer – Criança tem mais imaginação com um livro na mão”, com o intuito de arrecadar livros infantis a serem doados para escolas públicas de Santa Maria.
A Organização não governamental, criada em 2006, busca através de seus projetos trabalhar com crianças em situação de vulnerabilidade social da cidade. Júlia Goulart, diretora de comunicação da instituição, destaca a importância da literatura como forma de trabalhar questões lúdicas
“Achamos que a literatura, além de ajudar a criança a desenvolver a fala, a escrita e a leitura em si, existem muitas coisas que ajudam no desenvolvimento pessoal dela. Talvez não tenha nenhum outro mecanismo que seja tão didático e lúdico como o livro”, afirma Júlia.
A campanha Ler Para Crescer é um exemplo de ação que visa aumentar o alcance da literatura para diversas crianças, reconhecendo as dificuldades de acesso e trabalhando para mudar esta realidade. Para quem deseja contribuir com o projeto, basta deixar sua doação em algum dos pontos de coleta. A campanha vai até o dia 15 de julho e podem ser doados livros, gibis, revistas infantis (para 0 a 12 anos), novos ou usados.
(*) Com a contribuição, nas entrevistas, de Gianmarco de Vargas, acadêmico de jornalismo da Universidade Franciscana
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