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O capitão e sua narrativa delirante – por Michael Almeida Di Giacomo

‘O uso de imagem débil como instrumento de cooptação do imaginário popular’

O ano de 1985 foi marcado na história do Brasil pela eleição indireta de Tancredo Neves à presidência da república – o primeiro civil desde o início a ditadura militar, em 1964.Os meses que sucederam à eleição foram tensos e de muitas incertezas.

Impedido de assumir a presidência, devido ter sido acometido de uma doença, o presidente eleito deixou uma imagem icônica a marcar o cenário político da época, refiro-me à fotografia realizada por Gervásio Baptista, na qual Tancredo estava sentado em um sofá, entre seus médicos, no Hospital de Base de Brasília.

A foto teve como propósito tranquilizar a nação em relação à condição de saúde do eleito. Também buscava demonstrar a alguns militares – insatisfeitos com a redemocratização – que a transição aconteceria, mesmo com os rumores de que determinados grupos da caserna aproveitariam a delicada situação para romper a abertura democrática.

O fato é que em meio à população, a imagem teve efeito contrário, pois houve grande questionamento sobre a sua veracidade. Inúmeras teorias foram formuladas. Inclusive, vejam só, o questionamento se Tancredo realmente estaria vivo no momento da realização da foto.

O povo de uma nação espera e, certamente, deseja que o seu líder máximo esteja em plenas condições de saúde para que possa enfrentar os enormes desafios que a atividade lhe impõe. E não foi por nenhum outro motivo que Tancredo Neves pretendeu tranquilizar a todos e, em especial, as forças políticas.

A democracia foi instaurada. Os anos passaram. A imagem entrou para a história.

Hoje, em pleno século XXI, o “líder” máximo da nação quando acometido de alguma doença usa à exaustão a sua imagem debilitada, afim de construir uma verdadeira abstração política, no caso, de que ele sacrifica a própria condição de saúde em prol do “Brasil, da liberdade e na luta contra o comunismo”.

O uso político da sua condição de saúde, como forma de alimentar o imaginário psicopático da sua trupe, chega a ser aviltante a qualquer pessoa que tenha um pouco de bom senso sobre a realidade do Brasil sob seu governo.

O que mais impressiona é que esse mesmo personagem, ao criticar as medidas dos líderes políticos federados no combate à Covid-19, chegou a dizer que era para as pessoas pararem de “frescura e mimimi” e, ainda perguntou, “vão ficar chorando até quando”?

Esse mesmo político que – enquanto morriam milhares de brasileiros por dia – dizia que todos deveriam estar levando uma vida normal, sem máscara, sem vacina e fazendo uso de placebos, não perde a oportunidade de vender uma narrativa delirante e explorar a sua própria condição de saúde.

É a primeira vez, pelo menos na história recente da república, que vemos um presidente fazer uso de uma imagem débil como instrumento de cooptação do imaginário popular.

É Bolsonaro sendo ele mesmo. Esse é o presidente do Brasil.

(*) Michael Almeida Di Giacomo é advogado, especialista em Direito Constitucional e Mestre em Direito na Fundação Escola Superior do Ministério Público. O autor também está no twitter: @giacomo15.

Nota do Editor: a foto (de Gervásio Batista/Divulgação) foi reproduzida do site “Aventuras na História” (AQUI)

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