Imprensa não detalhou como partidos calcularam o custo das eleições de 2022 – por Carlos Wagner
Na ausência de informações precisas, a mídia fica operando na periferia do fato
Não é só por se tratar de verbas públicas. Mas também para assegurar o mínimo de igualdade na disputa eleitoral entre os candidatos é necessário que a imprensa mergulhe na contabilidade dos partidos políticos para saber quanto custa eleger um parlamentar (federal e estadual), um governador e o presidente da República. A conta é difícil de fazer. Mas não é impossível. Hoje os jornalistas tratam do assunto no atacado.
Estamos discutindo o valor do Fundão Eleitoral, que inicialmente estava previsto ser de R$ 5,7 bilhões. O valor foi vetado pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e hoje (23/08) os jornais abriram manchetes relatando que a quantia a ser proposta pelos partidos pode baixar para R$ 4 bilhões, em número redondos, pouco mais de 100% acima do valor de 2018, que foi R$ 1,7 bilhão. A informação que nós jornalistas precisamos aprofundar é como os partidos chegam ao valor necessário para eleger os seus candidatos.
Comecemos fazendo uma comparação entre as eleições dos anos 1990 com a atual. Vejamos: lá na década de 90, os serviços de internet ainda eram incipientes no Brasil, raros e caros, com poucos usuários que acessavam à rede através de linhas discadas. Hoje, eles são abundantes e os preços diminuíram enormemente, tornando-se acessíveis a uma grande parcela da população.
Além disso, a internet chegou também ao celular (outra tecnologia ainda muito pouco disponível nos anos 90), onde o uso dos aplicativos como o WhatsApp facilitou a comunicação e diminui custos. Pergunta. Os partidos levam em conta a redução de custos que as novas tecnologias de comunicação trouxeram para as campanhas? Se algum colega sabe, ele ainda não publicou a matéria.
Essas novas tecnologias reduziram os gastos nas gráficas, que era um dos gargalos financeiros dos candidatos. Lembro-me que nos anos 90 a realização dos showmícios dava um aspecto cinematográfico para a campanha, mas era caríssimo, custava muito dinheiro. A legislação eleitoral limitou bastante os showmícios.
Há mais uma questão a se discutir. Qual é a diferença no custo da eleição de um candidato de primeira viagem para a reeleição de um antigo? Lembremos aqui que deputados e senadores que concorrem à reeleição têm verbas de seu gabinete destinadas a informar os eleitores sobre o seu trabalho parlamentar. E o tempo de propaganda gratuita que o partido tem à sua disposição nos meios de comunicação entra como no cálculo do custo do candidato?
Na ausência de informações precisas sobre como os partidos gastam o dinheiro com os seus candidatos, a imprensa fica operando na periferia do fato. Geralmente lembrando que o dinheiro seria melhor gasto com obras públicas, educação, saúde e por aí afora. Acho importante falar disso. Mas a nossa contribuição seria mais relevante se conseguíssemos informar ao leitor como os partidos calculam o custo da eleição dos seus candidatos.
Lembro que em muitos lugares no Brasil ainda existe o “voto de cabresto”, aquele que o eleitor recebe um benefício, como o pagamento de uma dívida, para votar em determinado candidato. Por ter trabalhando em redação de 1979 até 2014 sei que esmiuçar o funcionamento da contabilidade de um partido político não é uma pauta que se cumpre em um dia. Requer tempo, paciência e muita perseverança. E que hoje, depois das demissões em massa que aconteceram nas redações, restou um repórter jovem, mal pago e que trabalha muito cumprindo até três pautas por dia. Portanto, sem condições de realizar uma matéria mais trabalhada.
Por outro lado, o tempo que vivemos exige que se aprofunde o conhecimento do jornalista nas coisas que interessam ao leitor, como é o caso da contabilidade dos partidos, para assegurar a prática do bom jornalismo, essencial para a sobrevivência do nosso leitor.
Então, se precisamos fazer a matéria, mas não temos os meios para fazê-la, como vamos solucionar o problema. Como sempre fizemos. Usando as práticas do velho e bom jornalismo. Ora, a contabilidade do partido está na cabeça de quem lida com o assunto dentro da organização. Ele sabe das coisas. Sempre soube.
Nós temos que começar a conversar com as pessoas que controlam a parte econômica do partido. Essa personagem pode nos explicar os custos reais da eleição de um novo deputado em relação à reeleição de um dos antigos. Claro que esse assunto geralmente é falado em “off”, um direito que nós jornalistas temos garantido pela Constituição.
O importante é começarmos a rechear as nossas matérias de fatos que mostrem como as coisas funcionam. Sempre digo nas palestras que faço pelas redações dos jornais no interior do Brasil que a decisão em quem votar é do leitor. A de informá-lo sobre os fatos é uma obrigação nossa.
Pelo andar da carruagem, a cobertura das eleições de 2022 não será para amador. Tem muita coisa envolvida e a proliferação de fake news promete infernizar a vida dos repórteres. Bem como a existência das “milícias virtuais”. Como se dizia nas redações dos tempos das máquinas de escrever quando a gente se metia na cobertura de um conflito acirrado: “Não vai ter prisioneiro”.
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(*) O texto acima, reproduzido com autorização do autor, foi publicado originalmente no blog “Histórias Mal Contadas”, do jornalista Carlos Wagner.
SOBRE O AUTOR: Carlos Wagner é repórter, graduado em Comunicação Social – habilitação em Jornalismo, pela UFRGS. Trabalhou como repórter investigativo no jornal Zero Hora de 1983 a 2014. Recebeu 38 prêmios de Jornalismo, entre eles, sete Prêmios Esso regionais. Tem 17 livros publicados, como “País Bandido”. Aos 67 anos, foi homenageado no 12º encontro da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (ABRAJI), em 2017, SP.
Previsto não é bem o que a imprensa noticiou.. Fundo eleitoral seria segundo a Lei de Diretrizes Orçamentarias a soma de 25% das dotações para a Justiça Eleitoral para 2021 (quase 10 bilhões) com o valor previsto para o fundo no orçamento de 2022 acrescido ainda do valor previsto pela Justiça Eleitoral a cada eleição. O valor noticiado é uma estimativa que também é utilizada pelo governo. Ou seja, na pratica das tres parcelas somente uma caiu fora, salvo melhor juizo.