Vidas Indígenas Importam! – por Leonardo da Rocha Botega
O articulista e um conjunto de crimes brutais que têm indígenas como vítimas
No dia 5 de abril de 1997, por volta das 5h30, cinco jovens da classe média alta brasiliense, saídos de uma festa, estacionam o carro em uma parada de ônibus na avenida W3 Sul ao verem uma pessoa dormindo ao relento.
Antônio Novely Vilanova, Max Rogério Alves, Tomás Oliveira de Almeida, todos na época com 19 anos, Eron Chaves Oliveira, 18 anos, e G.A.J., 17 anos, traziam consigo fósforos e álcool. Com esses materiais e com uma crueldade brutal, atearam fogo no cacique Pataxó Hã-hã-Hãe Galdino Jesus dos Santos, 44 anos.
Galdino havia ido a Brasília, acompanhado de outras lideranças, para exigir a demarcação do território Pataxó, ameaçado pela violência de fazendeiros e madeireiros. Algumas horas antes de ter sido atacado, esteve reunido com o então presidente Fernando Henrique Cardoso. Teve 95% do corpo tomado por queimaduras e não resistiu.
Sua família já havia sido vitimada pelo assassinato de seu irmão. O cacique João Cravinho foi morto em uma emboscada por um fazendeiro que retaliou seu corpo com golpes de facão. Assim como o irmão, Cravinho também era uma liderança na luta pela demarcação das terras indígenas.
Em 2001, os assassinos de Galdino foram levados a julgamento e condenados a 14 anos de prisão. Em 2003, dois deles, Antônio Novely e Max Rogério, foram vistos livremente tomando cerveja em um bar. Max Rogério é enteado de um ex-ministro do TSE. Em 2004, os cinco assassinos já estavam em liberdade. Até hoje o povo Pataxó afirma que a justiça nunca foi feita.
Na tarde da última quarta-feira, 4 de agosto de 2021, Daiane Griá Sales, jovem indígena kaingang, de 14 anos, foi encontrada morta na Terra Indígena do Guarita, em Redentora (RS). Seu corpo foi encontrado nu com as partes da cintura para baixo arrancadas, dilaceradas e expostas ao lado.
Sua amiga e também moradora do Guarita, Milena Jynhpó, gravou um vídeo, divulgado nas Redes Sociais, pedindo justiça e segurança para as meninas e as mulheres indígenas que diariamente vivenciam “um sistema machista, cruel, brutal e assassino”. Ao final, afirmou que estão “cansadas de ser invisíveis”.
Apesar da brutalidade do assassinato de Daiane, a maioria das grandes empresas de comunicação levou alguns dias para noticiar o ocorrido. Tal silêncio é semelhante à grande omissão das autoridades neste e em outros casos de assassinatos de indígenas no Brasil.
Segundo o relatório anual “Violência Contra os Povos Indígenas”, publicado pelo Conselho Indigenista Missionário, os casos de violência contra os povos indígenas cresceram 150% em 2019, primeiro ano do governo da extrema-direita.
Ao todo, 113 indígenas foram mortos. Entre eles, o integrante do grupo de agentes florestais indígenas “Guardiões da Floresta”, Paulo Paulino Guajajara, morto em uma emboscada feita por madeireiros em Bom Jesus das Selvas (MA).
É em meio à violência e às injustiças contra os povos indígenas que o Supremo Tribunal Federal irá definir o futuro da demarcação de suas terras. Em julgamento adiado do dia 30 de junho e remarcado para o dia 25 de agosto, o STF deverá estabelecer a validade ou não do chamado Marco Temporal, mecanismo previsto no Projeto de Lei 490/2007 que restringe os direitos constitucionais dos indígenas somente às terras que estavam sobre sua posse no dia 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição. Uma tese que não leva em conta um histórico de 488 anos de expulsões, remoções forçadas e violências sofridas pelos povos indígenas antes da Constituição.
O Marco Temporal, bem como o silêncio midiático e as constantes violências e injustiças contra os povos indígenas são parte de uma concepção de nação que se constitui a partir do apagamento das identidades subalternas. Que considera ilegítima a luta social de indígenas e quilombolas, mas que mistifica e faz contorcionismos históricos para defender estátuas de genocidas como Borba Gato.
É contra esta concepção, que hipocritamente afirma que “Todas as vidas importam” e “finge paisagem” diante das mortes de João Cravinho, Galdino, Daiane e Paulino, que devemos levantar a voz e gritar fortemente: Vidas Indígenas Importam!
(*) Leonardo da Rocha Botega, que escreve no site às quintas-feiras, é formado em História e mestre em Integração Latino-Americana pela UFSM, Doutor em História pela UFRGS e Professor do Colégio Politécnico da UFSM. É também autor do livro “Quando a independência faz a união: Brasil, Argentina e a Questão Cubana (1959-1964).
Observação do Editor: A foto de Daiane Griá Sales, a jovem kaingang de 14 anos assassinada, é de Reprodução.
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