A culpa não é da natureza – por Marta Tocchetto
Crise hídrica do País, suas causas e consequências, na avaliação da articulista
O baixo nível dos reservatórios das hidrelétricas não é culpa da natureza. É fruto da falta de gestão, do negacionismo, do desmonte dos órgãos ambientais e da impunidade.
As crises hídrica e energética que assolam o país estão no rol das 17 pragas lançadas sobre o Brasil. A redução do volume de água nos reservatórios das hidrelétricas não é um fenômeno natural, como disse o Ministro de Minas e Energia em cadeia nacional.
As crises são frutos do negacionismo, da falta de gestão, do desmonte da Agência Nacional de Água e dos Comitês de Bacias Hidrográficas, da flexibilização e não aplicação da legislação ambiental e da impunidade.
A falta de políticas, ações e estratégias para o enfrentamento da crise climática contribui grandemente para o cenário desolador que nos aguarda. A única ação efetiva transmitida pelo porta-voz do governo foi a criação da bandeira de escassez hídrica em substituição a vermelha para justificar mais um aumento da tarifa energética.
O aumento da energia se soma aos sucessivos avanços dos preços da gasolina, do gás de cozinha e dos alimentos. A inflação dispara. Tudo pela hora da morte! Maior repercussão ainda virá ao longo dos próximos meses.
A aproximação do verão e as altas temperaturas agravarão ainda mais o cenário. Serão tempos duros, de mais dificuldades e fome crescentes. As fracassadas políticas econômica, hídrica e energética terão efeito dominó sobre os preços de uma maneira geral.
O enfrentamento da crise hídrica se faz com restauração das áreas degradadas, com redução do desmatamento e das queimadas, com controle das invasões de terra e garimpo ilegal, com aplicação da legislação para punir infratores, com proteção e preservação da mata ciliar e das nascentes, com políticas públicas que incentivem o reuso de água reduzindo perdas e desperdícios, com investimento público em saneamento, com a recuperação dos mananciais, dentre outras ações.
A crise hídrica impacta diretamente na crise energética, tendo em vista que a matriz do país se concentra nas hidrelétricas. O enfrentamento exige mudança de postura do atual governo. Há mais desesperança do que esperança. Os praticamente três anos testemunham que meio ambiente não está na pauta, ao contrário, ações deliberadas e criminosas somam-se dia após dia.
Transparência e enfrentamento efetivo não fazem parte da postura governamental. A culpa pela falta de chuvas é exclusiva de São Pedro, declarou o ministro. O desmatamento e as queimadas que destroem diversos biomas são crescentes.
O governo ora finge que não vê, ora nega e manipula números. Não é de surpreender que medidas primárias tenham sido anunciadas para o enfrentamento: apagar a luz ao sair de um recinto; aproveitar mais a luz natural; usar menos condicionador de ar, ferro de passar roupa e chuveiro elétrico; preferir a parte da manhã e fins de semana para usar equipamentos que mais consomem energia.
Não é possível que após tantos relatórios do IPCC mostrando o agravamento da questão climática, seja este o nível de enfrentamento proposto pelo governo brasileiro. Desmatamento, queimadas sequer foram mencionados. Não surpreende. Surpreendente seria se em vez de recompensa, fossem anunciadas construções de usinas solares, ampliação dos parques eólicos e outras fontes alternativas, investimento em desenvolvimento e tecnologia para reduzir o desperdício na agricultura, no entanto, é mais fácil manter a prática, jogar a culpa na natureza e nos consumidores.
Gestão é um sistema contínuo que consiste em avaliar cenários, identificar e ampliar medidas de enfrentamento, medir os resultados e realizar ajustes buscando o constante aprimoramento e a melhoria contínua.
Gestão requer prevenção e precaução. Reação é apagar incêndio. É correr atrás do prejuízo correndo o risco de nunca alcançá-lo. É neste movimento descoordenado que o Brasil segue o curso do atraso, da negação, da ineficiência, do racionamento e do apagão.
(*) Marta Tocchetto é Professora Titular aposentada do Departamento de Química da UFSM. É Doutora em Engenharia, na área de Ciência dos Materiais. Foi responsável pela implantação da Coleta Seletiva Solidária na UFSM e ganhadora do Prêmio Pioneiras da Ecologia 2017, concedido pela Assembleia Legislativa gaúcha. Marta Tocchetto, que também é palestrante em diversos eventos nacionais e internacionais, escreve neste espaço às terças-feiras.
Nota do Editor: A foto (Reprodução/TV Integração) é do reservatório da usina de Nova Ponte, no Triângulo Mineiro, que perdeu metade da água armazenada e hoje opera com apenas 11,57% de sua capacidade. É um dos exemplos da situação crítica dos recursos hídricos.
Problema do debate que se desenrola no pais, juntam um monte de problemas e tentam fazer colar a ‘narrativa’ que a culpa é do governo de plantão. Discute-se pessoas e não problemas. Funciona com gente portadora de graves problemas cognitivos.
Troca-se as pessoas e os problemas não são atacados no mundo real, somente no imagético.
Resumo da ópera: para fazer melhor não precisa doutorado.