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O fim da Era Merkel – por Leonardo da Rocha Botega

Ao longo de 16 anos, Angela Merkel virou ‘liderança de fato’ da União Europeia

Berlim, 21 de julho de 2005 – o presidente alemão, Horst Köhler, em pronunciamento na televisão anuncia a dissolução do Bundestag (Parlamento) e a antecipação das eleições para 18 de setembro. A medida prevista na Lei Fundamental do país respondia aos interesses do então primeiro-ministro Gerhard Schröder que, para forçar tal decisão, submeteu ao próprio Bundestag um pedido de voto de confiança diante das dificuldades que o seu governo vinha enfrentado para a aprovação de iniciativas no Bundesrat (Conselho Federal).

Schröder ocupava o cargo de chanceler desde 27 de outubro de 1998, quando o seu partido, o SPD (Partido Social Democrata Alemão), vitorioso nas eleições, passou a liderar a coalização governamental que compôs junto com o Grünen/Bündnis 90 (Verdes). Juntamente com o inglês Tony Blair e o italiano Maximo D’alema, Schröder foi um dos grandes propagadores da chamada Terceira Via, que propunha uma social democracia que absorvesse as ideologias mercadológicas-neoliberais.

A guinada neoliberal fez com que a Era Schröder fosse marcada pela implantação da Agenda 2010, um programa que visava reformar o Estado de bem-estar e as leis trabalhistas alemãs. Ao mesmo tempo, distanciou o SPD de suas tradicionais bases sindicais e trabalhistas, levando o governo a ser entendido como uma continuidade reformada do governo neoliberal do democrata cristão, Helmut Kohl.

Fragilizado com a perda da tradicional base eleitoral da social democracia e as dificuldades em manter a coalizão governamental diante de um SPD dividido e das constantes críticas que vinha sofrendo dos verdes, Schröder apostava em uma provável vitória eleitoral como forma de fortalecimento do governo. Ledo engano! Os resultados das eleições parlamentares de 2005 não permitiram a nenhum dos dois maiores partidos as condições de formação de um governo de maioria.

O SDP teve 34,30%, enquanto que a coalização CDU-CSU (União Democrata-Cristã – União Social Cristã) teve 35,2%. Diante do impasse, após três semanas de intensas negociações, a alternativa foi a formação de uma coalização entre o CDU-CSU e o SDP. Pela segunda vez na História da Alemanha, a “grande coalizão” era formada. A frente da coalizão coube à líder do CDU-CSU no bundestag, Angela Merkel.

Merkel era uma liderança política consolidada de seu partido. Havia sido Ministra do Meio Ambiente, Proteção da Natureza e Segurança Nuclear durante o governo Helmut Kohl e desde perda do governo pelo CDU tornou-se Secretária Geral do partido. Assumiu o governo em 22 de novembro de 2005 como a primeira mulher a ocupar o cargo de chanceler na Alemanha. A chamada Era Merkel durou 16 anos. As eleições realizadas no último domingo (26/09) encaminharam o seu término.

Ao longo de seus 16 anos de governo, Angela Merkel se tornou a “liderança de fato” da União Europeia, consolidando a Alemanha como o principal país do continente. Sem sombra de dúvidas, a Alemanha hoje é mais poderosa do que era em 2005. Obviamente, a emergência desta condição teve um custo: o equilíbrio na integração europeia. O crescimento alemão, conforme escreveu o economista Yanis Varoufakis, foi possível por causa do seu superávit comercial, do superávit estrutural do governo federal e dos fluxos de dinheiro para os bancos de Frankfurt, sobretudo, por conta da crise do Euro.

Tal realidade faz com que a Alemanha tenha um bom acúmulo de capitais. Porém, tal acúmulo, ao invés de ser utilizado nas estruturas produtivas do país ou nos parceiros de integração, é utilizado para a compra de ativos improdutivos dentro e fora do país. Dessa forma, o país vive o paradoxo de ter uma economia forte, mas com pouco investimento produtivo, pois, não pode deixar de ser o garantidor dos lucros do financismo europeu.

Foi como garantidora do financismo europeu que Merkel atuou na crise de 2008, sobretudo, nas negociações com as economias europeias mais frágeis. Com o objetivo de garantir a solvência dos banqueiros causadores da crise, liderou junto à Troika (Comissão Europeia, Banco Central Europeu e Fundo Monetário Internacional) as imposições que levaram a capitulação do governo grego e o abandono de seu programa de saída da crise a partir de medidas de proteção social.

Em meio à ânsia de consolidar um modelo único de austeridade para toda a Europa, Merkel assistiu a quebra do encantamento do ideal de Comunidade Europeia. Nas fronteiras com a Alemanha viu ressurgirem governos neofascitas na Polônia e na Hungria. Viu o Reino Unido aprovar o Brexit. Viu, dentro de seu próprio país, os neonazistas da AfD (Aliança pela Alemanha) conseguirem pela primeira vez acento no parlamento e consolidarem sua base eleitoral em dois pontos percentuais.

É inegável que, em meio a um mundo carente de lideranças políticas, Angela Merkel se destacou (e muito!). Porém, um balanço de sua Era seria incompleto sem a devida criticidade. Sem o olhar da construção das incertezas de um contexto histórico onde valores até então consagrados como parte do ethos europeu, como a democracia e os direitos humanos, são atacados por crescentes grupos xenófobos. É preciso ver o todo da floresta para não ficarmos encantados com a aparente beleza de uma única árvore.   

(*) Leonardo da Rocha Botega, que escreve no site às quintas-feiras, é formado em História e mestre em Integração Latino-Americana pela UFSM, Doutor em História pela UFRGS e Professor do Colégio Politécnico da UFSM. É também autor do livro “Quando a independência faz a união: Brasil, Argentina e a Questão Cubana (1959-1964).

Nota do Editor. A foto de Angela Merkel, que ilustra este artigo, é uma reprodução obtida em reportagem da EBC.

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3 Comentários

  1. Alemanha no imaginário popular tupiniquim é diferente, como não poderia deixar de ser, da realidade. Aeroporto Bradenburg em Berlim começou a ser construido em 2006. Previsão de inicio de operações 2011. Começou a operar em 2020. Era para custar 2,8 bilhões de euros. Custou mais de 7 bilhões. Hamburg Elbphilharmonie, uma sala de concertos. Era para custar 200 milhões de euros. Atrasos, etc. Custou 870 milhões. Tunel de Leipzig era para terminar em 2009 custando 572 milhões de euros. Terminou em 2013 custando mais de um bilhão. Stuttgard 21, uma nova estação de trem. Era para custar 2,5 bilhões de euros. Deve começar a funcionar em 2025, custo até agora é perto de 8 bilhões. Lista é maior. Tudo isto sem Odebrecht e PT (alás, quase sai um trem bala entre RJ e SP, quem não trabalha acha que dinheiro publico é capim). Detalhe: lá fora tudo é perfeito porque com a exceção dos desastres de lá só é noticiado o que funciona.
    Resumo da ópera, as pessoas não vivem em construções teóricas.

  2. Merkel é queridinha da midia. Em 2011 acabou com a industria nuclear da Alemanha para importar energia gerada em usinas nucleares francesas. Um quarto da energia do pais é produzida via carvão, emissões são as maiores da Europa. Arrecadou muito e investiu mal. Previdencia alemã não foi reformada e vai ter problemas. Recebeu entre refugiados e asilados algo entre um milhão e meio e dois milhões. Bem estar social cambaleante ganhou mais um empurrão com as consequencias sociais e politicas correspondentes, não sai de graça.

  3. Toda ‘guinada neoliberal’ sucede um amontoado de ‘cagadas socialistas’. Merkel vem da Alemanha Oriental. Na época da reunificação aumentaram os impostos na parte Ocidental, algo como 10%, para financiar a bagaça. Mesmo assim o desemprego na parte Oriental ainda é 2% (na media) superior ao da parte Ocidental e o salário medio é 4 mil euros inferior. Diferenças de produtividade. Mais de 30 anos depois.

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