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Brumadinho, 1000 dias de espera – por Marta Tocchetto

“Mais uma vez, os únicos punidos são as vítimas”, se entristece a articulista

Não se pode esquecer que antes de Brumadinho, a Vale, juntamente com a Samarco, foi responsável pelo rompimento da barragem que soterrou a cidade de Bento Rodrigues.

O rompimento da barragem do Córrego do Feijão (MG) cobriu de lama o que encontrou pela frente. Casas, árvores, animais de estimação ou não, plantações foram reduzidos a nada. Inundou o rio, matou peixes, envenenou águas. Uma tragédia monocromática.

A paisagem arrasada foi pintada de marrom após ter sido tragada pelo tsunami de lama. Restaram escombros. Os fantasmas daquele dia ainda perambulam nos 1000 que se seguem, na memória encapsulada pela lama seca. Fantasmas que habitam as mentes de cada um que teve os sonhos soterrados e a vida interrompida antes do tempo.

Não foi apenas a morte que interrompeu a vida. A justiça, até hoje não concluída, decreta a paralisação do que resta de esperança. Para muitas famílias, a dor, o sofrimento e a impunidade são as companhias constantes, desde àquele 25 de janeiro de 2019. 262 vítimas foram encontradas e identificadas, porém 8 ainda seguem desaparecidas.

O sofrimento para as famílias que não conseguiram enterrar seus mortos é interminável. Não há previsão para a conclusão dos trabalhos de busca. O rompimento da barragem de rejeitos de mineração da Vale está distante de ser um acidente. As investigações apontam para um crime resultante de sucessivas negligências, afirma a Associação de familiares das vítimas.

Até agora ninguém foi preso ou punido, apesar de diversas autoridades terem sido denunciadas, incluindo o diretor-presidente à época, além da Vale e da empresa alemã, responsável pelo laudo que atestou a “segurança” da barragem.

A lentidão com que a justiça age, sufoca a esperança e torna a saudade mais dolorida. O inconsolável sentimento de que vidas pouco valem, ou quase nada valem, quando os responsáveis são empresas poderosas que contam com os malabarismos judiciais para se desviarem das culpas e das responsabilidades, é crescente.

Às vítimas e as suas famílias restam histórias, sonhos e planos destruídos. Não se pode esquecer que antes de Brumadinho, a Vale, juntamente com a Samarco, foi responsável pelo rompimento da barragem que soterrou a cidade de Bento Rodrigues, distrito de Mariana (MG), que envenenou as águas do Rio Doce e alcançou o mar.

Igualmente foram centenas de vítimas, mortos e intoxicados pelos metais pesados presentes no rejeito. Promessas, prorrogação de prazos alimentam a desesperança. Uma herança de destruição que só cresce. As sequelas do desastre de Mariana trouxeram doenças respiratórias, transtornos psíquicos e mentais, aumento do uso de drogas e álcool e de casos de câncer.

A Vale com toda a tragédia de Mariana resolveu pagar pra ver, no caso de Brumadinho. O centro administrativo engolido pela lama se localizava abaixo da barragem do Córrego do Feijão, a uma distância de apenas 1,5 km. Com todos estes riscos, a empresa optou por não deslocar a estrutura do caminho do rejeito tóxico, caso um rompimento acontecesse.

O pior aconteceu! Em apenas 34 segundos tudo foi levado a diante e devorado por um mar de lama. Um rastro de destruição que não deixou pedra sobre pedra. A estratégia da Vale, em ambos os casos, se mantém – empurrar indefinidamente os acordos com a interposição de recursos judiciais para que os casos caiam no esquecimento da opinião pública.

Mais uma vez, os únicos punidos são as vítimas que além das perdas materiais e pessoais, amargam a indiferença e o menosprezo dos responsáveis e das autoridades. Os casos protagonizados pela Vale ganharam a mídia pela grandeza dos desastres criminosos, porém há centenas de pequenas barragens de rejeitos de mineração no Brasil, abandonadas ou mal gerenciadas, se constituindo em um grande passivo com riscos ao meio ambiente e a toda a biodiversidade, sem falar às comunidades do entorno.

Não podemos esquecer também o crescimento do garimpo ilegal no país nos últimos anos, em especial na Amazônia, que destrói e envenena impunemente com os rejeitos da exploração criminosa, rios, águas subterrâneas e superficiais, solo, ar, populações ribeirinhas, peixes, aves, povos tradicionais e tudo mais.

O licenciamento ambiental, a exigência de novas tecnologias para a exploração mineral, além do repensar da atividade de mineração e a punição ágil dos infratores, são formas de coibir tragédias que destroem vidas que deixam rastros permanentes de dor e perdas. Ailton Krenak, em uma de suas entrevistas, afirmou: “Os combustíveis fósseis e a mineração são duas atividades primitivas e já deveriam ter sido encerradas no século 21”.

 (*) Marta Tocchetto é Professora Titular aposentada do Departamento de Química da UFSM. É Doutora em Engenharia, na área de Ciência dos Materiais. Foi responsável pela implantação da Coleta Seletiva Solidária na UFSM e ganhadora do Prêmio Pioneiras da Ecologia 2017, concedido pela Assembleia Legislativa gaúcha. Marta Tocchetto, que também é palestrante em diversos eventos nacionais e internacionais, escreve neste espaço às terças-feiras.

Nota do Editor: A foto (sem autoria determinada) é pós-rompimento da barrage de Brumadinho. Ela foi reproduzida da internet. Mais exatamente d’AQUI.

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