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Christine de Pizan, a primeira de muitas defensoras – por Elen Biguelini

Era o século XIV/XV – e ela passou a utilizar a escrita para sustentar a família

Começamos mais uma série, agora focada na história do movimento feminista. Falaremos primeiramente de algumas figuras importantes para o pensamento da valorização do feminino e dos direitos das mulheres.

Iniciaremos por aquela que foi a primeira, que se conhece ao menos, que deixou escritos referentes à forma como as mulheres eram tratadas pela sociedade.

Christine de Pizan é conhecida por feministas e historiadores, especialmente medievalistas, que se desdobram sobre sua vasta obra (pouco traduzida para o português). Ironicamente, a primeira tradução de sua obra principal foi justamente feita nesta língua, como veremos. Recentemente redescoberta, a autora tem aparecido com mais frequência em textos e conferências, assim como no grupo recém-criado por estudiosas de todo o país, o Grupo de Estudos Christine de Pizan, do qual esta articulista faz parte com muita honra.

Mas quem foi a autora e por que é tão citada e lembrada?

Christine de Pizan, ou Cristina de Pisano, foi uma senhora medieval italiana que viveu na França durante a primeira metade do século XV. Nascida em 11 de setembro de 1363, e falecida cerca de 1430, a filósofa foi a primeira mulher a viver de seu trabalho literário na França. Seu pai mudou-se de Veneza para Paris quando ela tinha apenas quatro anos de idade, e foi nesta cidade que Christine viveu a grande maioria de sua vida. A mudança ocorreu quando seu pai Tommasso de Pisano fora admitido como astrólogo da corte do Rei Carlos V, da França.

Aos 17 anos Cristina se casou com Ettiene de Castel, um funcionário nobre da coroa francesa, e teve com ele três filhos. Mas o casamento teve uma curta duração, visto que apenas nove anos após a união, seu marido veio a falecer. Não muito tempo antes, a autora também havia perdido seu pai. Assim, Pizan se viu em uma situação peculiar: não tinha como sustentar os filhos sem o marido ou sem o auxílio paterno. Ela utilizou como algo que era inédito até então, mas que posteriormente tornou-se o sustento de grande número de mulheres ao longo da história, em especial durante o século XIX. Ela passou a utilizar a escrita para sustentar sua família.

A partir deste momento, a autora passou a ter uma produtiva carreira literária, tendo escrito cerca de 40 obras – quase nenhuma traduzida para o português. Sua genialidade se expandia por diversos gêneros, sendo que escreveu poesia, tratados políticos, e outros. Mas é através de seus escritos sobre a feminilidade, nos quais respondia e conversava com autores e textos misóginos, que a autora é lembrada pelos movimentos feministas atuais. Afinal, foi uma mulher medieval que defendeu os direitos das mulheres.

Ela faleceu em um convento em cerca de 1430, tendo escrito como última obra um poema em homenagem a Joana D’arc e ao seu heroísmo. Felizmente não observou a morte desta grande heroína francesa, visto que faleceu um ano antes da inquisição julgar a jovem que protegia a França à morte.  

Notamos, é claro, que a prática da escrita não era habitual para as mulheres do período em que viveu Pizan. A posição de proximidade do rei e poder dentro da Corte lhe permitiam acesso a obras as mais variadas, e a posição social também lhe permitia uma educação imensamente superior a da grande maioria das mulheres do período. Vale lembrar, também, que a circulação de suas obras acontecia em um reduzido núcleo. Ainda não eram lidos em praça pública, como foram posteriormente os textos de Olympe de Gouges durante a Revolução Francesa.

Desta forma, o simples fato de ter escrito e ser lida por seus contemporâneos demonstra o valor da obra desta autora.

Infelizmente, a falta de traduções da grande maioria de sua obra impede discussões sobre cada um de seus textos. Na próxima semana nos debruçaremos sobre os textos com temáticas referentes ao feminino, mas abaixo encontra-se uma lista de algumas de suas obras;

Epistre au Dieu d’amours, (1399). Epistóla ao Deus dos amores (tradução livre)

Le Débat de deux amans, (c. 1400). O debate de dois amantes (tradução livre)

Le Livre des trois jugemens, (c. 1400). O livro dos três julgamentos (tradução livre)

Le Livre du dit de Poissy, (1400). O livro dos ditos de Poissy (tradução livre)

Epistres du Débat sur le Roman de la Rose, (1401). Epistóla do Debate sobre o Romance da Rosa (tradução livre)

Le Dit de la rose, (1402). O dito da Rosa (tradução livre)

Cent Ballades d’amant et de dame, (1402-1410). Cem baladas de amantes e de damas (tradução livre)

Les Complaintes amoureuses, (1402-1410). As reclamações amorosas (tradução livre)

Le Chemin de longe estude (1403). O caminho longo dos estudos (tradução livre)

Le Livre de la Mutation de fortune, (1403). O livro da mutação da fortuna (tradução livre)

Le Livre des Fais et bonnes meurs du sage roy Charles V, (1404). O livro dos feitos e da boa morte do rei Carlos V. (tradução livre)

*** Le Cité des dames, (1404-405). A cidade das damas

*** Le livre des trois vertus à l’enseignement des dames (1405). O livro das três virtudes.

L’Advision Christine, (1404). Os concelhos de Christine (tradução livre)

Le Livre du Corps de Policie, (1406-1407). O livro do corpo de polícia (tradução livre)

Le Livre des Faits d’armes et de chevalerie, (1410). O livro das armas e da cavalaria (tradução livre)

Le Livre de la Paix, (1412-1413). O livro da paz (tradução livre)

Le Ditié de Jehanne d’Arc, (1429).

Para ler mais: https://pt.wikipedia.org/wiki/Cristina_de_Pisano

– A obra de Lucimara Leite. Em especial LEITE, Lucimara. Christine de Pizan: uma resistência. 2015.

– A tradução de Cidade das Damas, de Luciana Calado Deplagne. Bem como a obra desta autora.

– PIZAN, Christine; DEPLAGNE, Luciana. Cidade das Damas. Florianópolis: Editora Mulheres, 2012.

– A obra de Stephanie Sander.

– O canal Christine de Pizan, no youtube: AQUI

(*) Elen Biguelini é doutora em História (Universidade de Coimbra, 2017) e Mestre em Estudos Feministas (Universidade de Coimbra, 2012), tendo como foco a pesquisa na história das mulheres e da autoria feminina durante o século XIX. Ela escreve semanalmente aos domingos, no Site.

Nota do Editor: a imagem de Christine de Pizan, que ilustra este artigo, é uma reprodução obtida na Wikipédia.

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