Marquesa de Alorna (1750-1839), a Alcipe – por Elen Biguelini
A mais ilustre poeta portuguesa foi uma senhora que marcou a história de Portugal com seus textos e poesias, mas também com sua vida. Uma biografia conturbada e cheia de nuances e acontecimentos interessantes tornou-a inclusive tema de um Romance Histórico, o livro “As luzes de Leonor” de Maria Teresa Horta.
Pouco conhecida no Brasil, em Portugal é o nome mais importante de autoria feminina, junto à Florbela Espanca (1894-1930), uma poetisa da primeira metade do século XX, e as “Três Marias”, Maria Velho da Costa, Maria Teresa Horta e Maria Isabel Barreno que se uniram para escrever as “Novas Cartas Portuguesas” durante a década de 70, uma obra de grande importância para o feminismo português.
Seu nome completo é D. Leonor de Almeida Portugal, nascida em Lisboa em 18 de novembro de 1750, era filha de uma ilustre família portuguesa, os condes de Assumar e marqueses de Alorna. Seu pai foi D. João de Almeida Portugal (1726-1790) e sua mãe era filha de uma ainda mais eminente família portuguesa, os Távora: D. Leonor de Lorena e Távora (1729-1790).
A pequena Leonor tinha apenas 8 anos quando seus avós, os Távora, teriam participando em um atentado contra a família do rei. O que ficou conhecido como o “Processo dos Távora” teve uma grande importância na vida da jovem, visto que ela, sua mãe e sua irmã, Maria Rita de Almeida Portugal (1751-1786) foram então enclausuradas no Convento de Chelas, em Lisboa. Al[i a jovem ficou até sua maioridade, quando a então Rainha D. Maria I resolveu libertar aqueles que haviam sobrevivido ao processo (aqueles que eram mais diretamente ligados ao caso, tais como seus avós, foram assassinados em praça pública). Seu pai e seu irmão perderam seus títulos e foram presos na Torre de Belém.
Embora enclausurada, aquela que posteriormente retomou o título da família, tornando-se marquesa de Alorna, Leonor não parou com seus estudos de poesia e filosofia. A família da autora tinha uma tradição literária feminina muito grande, o que difere da grande maioria das mulheres da corte portuguesa. D. Leonor teve, apesar da clausura, contato com os mais conhecidos nomes da literatura da Arcádia Portuguesa e manteve uma correspondência (de certa forma clandestina) com seu pai enquanto ele estava preso na torre do Tombo. Estas missivas são famosas por terem sido escritas em uma tinta vermelha, que seu pai produzia ele próprio.
Assim, com o contato dos poetas que visitavam o convento (Notamos que o final do século XVIII é um momento no qual uma prática peculiar era muito comum em Portugal : os freiráticos eram figuras ilustres que visitavam as grades conventuais e mantinham relacionamentos emocionais, filosóficos e até mesmo físico com as freiras) era sua sala de aula. Ela recebia livros, transcrevia manuscritos de outros autores, e mantinha contato por meio de cartas com pessoas da elite cultural do país.
Para além das visitas de seus professores literatos, também vivia uma vida de festas, danças e teatro (por ela mesmo escrito, com temáticas religiosas ou gregas- seguindo a moda clássica de Arcádia). Tomou o nome de Alcipe e seus poemas mencionavam sua irmã, sua mãe, prima, pai e irmão, todos com seus respectivos nomes arcádios por ela escolhidos.
Sua poesia rodava por forma manuscrita entre aqueles que se correspondiam com ela, e ela já demonstrava um temor da fama, visto que a fama neste período era má vista para as mulheres.
Em 1779, dois anos após a saída do convento, se apaixonou por um jovem estrangeiro que estava em missão em Portugal. Se casou, a contragosto do pai, com Karl von Oyenhausen-Gravenbourg (1739-1793) e passou a ser conhecida pelo título do marido, como condessa de Oyehausen. Ela acompanhou o marido em suas viagens e viveu por muitos anos em Viena.
Poucos anos antes do falecimento de seu marido, em 1793, D. Leonor retornou a Portugal e iniciou, ainda no século XVIII, aquele que foi o Salão Literário mais conhecido de Lisboa. Tornou-se, então, uma importante ‘salonnière’ portuguesa. Mas a estada no país não foi longa, visto que a ida da família real ao Brasil, em 1808, e a conturbada guerra e situação política no qual Portugal se viu ao longo das duas primeiras décadas do oitocentos, a fizeram ter que fugir para Londres, onde ficou entre 1804 e 1814, razão pela qual algumas de suas obras podem ser encontradas até mesmo na Biblioteca da Chawton House, casa que pertencia a família de Jane Austen e que tem atualmente a maior quantidade de obras de autoria feminina em um só local (ao menos inglesa).
Nunca parou de escrever. Nem poesia, nem suas cartas. Assim como durante a prisão paterna, a jovem Leonor havia feito o possível por meio de suas epistolas para conseguir a soltura paterna, também -após sua liberação- fez de tudo para restituir a seu irmão os seus títulos. Conseguiu tardiamente e com o falecimento precoce de seu irmão, recebeu o título de marquesa de Alorna, que passou para uma de suas filhas. Esta, por sua vez, quando casou-se e, por consequência todos os seus descendentes, passaram a assinar com ambos o seu título e do marido, surgindo assim a família Fronteira e Alorna. O belo palacete desta família, no qual essa ilustre senhora passou seus últimos anos, pode ser visitado em Lisboa.
Faleceu idosa, em 11 de outubro de 1839, tendo recebido em seu salão todos os ilustres nomes da literatura portuguesa do XVIII e XIX.
Suas obras, que corriam por toda Portugal de forma manuscrita, só foram publicadas postumamente em quatro volumes por desejo de suas filhas. Outros poemas, bem como suas cartas, foram esporadicamente publicados ao longo dos anos. Sua obra é extremamente vasta, tanto em temática quanto em quantidade, variando de poesia, tradução, cartas políticas e até mesmo um interessante manuscrito que se encontra na Biblioteca Nacional de Portugal, onde a autora -em sua própria letra- elenca vegetais em francês.
Romance Histórico: Maria Teresa Horta, As Luzes de Leonor. Lisboa: Dom Quixote, 2011.
Onde encontrar suas obras:
Obras poéticas de D. Leonor D’Almeida Portugal Lorena e Lencastre, Marqueza d’ Alorna, Condessa d’Assumar, e d’ Oeynhausen, conhecida entre os poetas portugueses pelo nome de Alcipe. Lisboa: Impr. Nacional, 1844. Acesso via http://purl.pt/172.
Cidade, Hernâni, Poesias. Selecção, prefácio e notas do prof. Hernâni Cidade. Lisboa: Livraria Sá da Costa, 1960.
Musa feminina: Marqueza d’Alorna, A sua vida e a sua obra. Coleção Patrícia. Lisboa: Empreza do Diário de Notícias, 1925.
Diversas em Cardoso, Nuno Catharino. Poetisas portuguesas. Lisboa: Livraria Científica, 1917, 22-24. Reis, Carlos (coord). Obras poéticas. Lisboa: Imprensa Nacional Casa da Moeda, 2015. E Anastácio, Vanda. Uma Antologia Improvável: A escrita das mulheres (séculos XVII a XVIII). Lisboa: Relógio D’água, 2013.
Manuscritos:
Alorna, Marquesa de. Sonetos, Odes, elegias, apotegmas, máximas e receitas de cozinha, (s.l, 1788). Biblioteca Nacional de Portugal, manuscrito F.R.505.
Alorna, marquesa de. Ribeiro, António. Poezias da Ex.ma Senhora D. Leonor de Almeida e Lorena. Condessa de Oyenhausem [manuscrito] / copiadas de seus próprios originais por diligência do D.or António Ribeiro (sl. 1745). Biblioteca Nacional de Portugal, Código 322. Acesso via http://purl.pt/17374.
Diversos no Espólio da Casa da Fronteira e Alorna.
Sobre:
Anastácio, Vanda. A Marquesa de Alorna (1750-1839). Lisboa: Editora Prefácio, 2009).
Biguelini, Elen. “Tenho Escrevinhado Muito”. Tese de doutoramento da Universidade de Coimbra. 2017. Acesso em http://hdl.handle.net/10316/79402.
Castro, Zília Osório de; Esteves, João (dir.). Dicionário no feminino (séculos XIX-XX). Lisboa: Livros Horizonte, 2005, 503-506.
Cidade, Hernâni. A Marquesa de Alorna. Sua vida e obras. Reprodução de algumas cartas inéditas. Porto: Livraria Sá da Costa, 1930.
Flores, Conceição; Duarte, Constância Lima; Moreira, Zenóbia Collares. Dicionário de escritoras portuguesas. Florianópolis: Editora Mulheres, 2009, 267.
*Elen Biguelini é doutora em História (Universidade de Coimbra, 2017) e Mestre em Estudos Feministas (Universidade de Coimbra, 2012), tendo como foco a pesquisa na história das mulheres e da autoria feminina durante o século XIX. Ela escreve semanalmente aos domingos, no Site.
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