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Vale do Sinos é a versão gaúcha do Triângulo das Bermudas dos casos policiais – por Carlos Wagner

Os crimes esquisitos que seguem sem esclarecimento pelas autoridades

Roubo dos olhos do agricultor Olívio Correa, no final do ano de 1995, é um crime ainda sem solução (Foto Reprodução)

Tem alguma coisa a ver com os crimes esquisitos e sem solução o que tem ocorrido nos últimos meses em cidades do Vale do Sinos, no Rio Grande do Sul, como o episódio no final do ano passado envolvendo um jovem de 17 anos, na cidade de Lindolfo Collor?

Para ser aceito por um misterioso grupo de pessoas, ele aceitou o desafio de furtar o cachorro do vizinho e, usando uma faca e um martelo, torturar e esquartejar o animal. Toda a brutalidade foi transmitida ao vivo por um aplicativo na véspera do Natal (2021). Esse não é o primeiro crime esquisito que acontece no Vale do Sinos, que é formado por 14 municípios que também fazem parte da Região Metropolitana de Porto Alegre. Vamos conversar sobre o assunto.

Antes uma explicação que julgo necessária para os jovens repórteres e os leitores que não são jornalistas. Nos texto dos repórteres antigos é comum encontrar a designação geográfica do Triângulo das Bermudas como sinônimo de desaparecimentos misteriosos. Esta região do Oceano Atlântico, situada entre a ilha de Porto Rico, o arquipélago das Bermudas e a Flórida (EUA), se tornou famosa pelo sumiço, sem deixar vestígios, de navios e aviões com suas tripulações. Há dezenas de filmes, livros, teorias e estudos sérios sobre o assunto.

Sou um velho repórter estradeiro e usei essa ideia para lembrar os meus colegas jornalistas que existem, no Vale do Sinos, pelo menos dois crimes esquisitos que permanecem sem esclarecimento. Portanto, de tempos em tempos precisamos lembrar a polícia que os casos ainda não foram resolvidos. E essa é uma das oportunidades que precisamos lembrar as autoridades.
Voltemos ao caso do rapaz de 17 anos. O crime que ele cometeu foi investigado pela Polícia Civil, que descobriu que pelo menos 30 pessoas assistiram à live da tortura e morte do cachorro. Nas mensagens trocadas entre essas pessoas, os agentes encontraram ameaças aos policiais e seus familiares que trabalham no caso, a creches e outros delírios.

A Polícia Federal (PF) também está investigando o jovem de 17 anos por suspeita de ter ameaçado os funcionários da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) por terem liberado a vacina contra a Covid para crianças de cinco a 11 anos. E postado nas redes os seus documentos e uns esculachos aos agentes da PF.

O rapaz de 17 anos tem problemas psiquiátricos e a Justiça determinou que fosse internado na Fundação de Atendimento Socioeducativo (Fase) – há matérias na internet. Há uma ponta solta nessa história que dificilmente os policiais vão conseguir puxar. Quem propôs o desafio para o jovem? O que se sabe é que é um grupo de extrema direita.

Esses tipos de grupo circulam pelo Vale do Sinos há um bom tempo. Sendo que os mais organizados são os neonazistas. Tenho acompanhado o desenvolvimento dos nazistas no Sinos desde do início dos anos 90. Topei com eles em várias matérias investigativas que fiz na região. Não são um bando de saudosistas. São esclarecidos, organizados e não andam por aí desfilando com suástica no braço.

Essa história de fazer um desafio a uma pessoa com problemas mentais, exigindo uma demonstração de lealdade para entrar no grupo, é antiga e eficiente. E quando funciona, ela não deixa rastros que levem aos autores.

Lembro um caso de 1995. Eu fazia parte da força-tarefa do jornal que ficou mais de meio ano enterrada no assunto. No final daquele ano, o agricultor Olívio Correa (40 anos, na época) saiu de casa para comprar carne em um açougue em Estância Velha, cidade vizinha a Novo Hamburgo, o maior município da região. No dia seguinte, foi encontrado sem os dois olhos.

Todos os detalhes que levaram a pistas a serem seguidas foram verificados. Principalmente o furto de órgãos para transplante. No final, a investigação começou a avançar para o terreno pantanoso da especulação e a bronca foi atirada no colo dos seguidores de uma seita satânica. Não deu em nada. Só enormes processos por danos morais contra os jornais que publicaram a versão.

O agricultor faleceu em 2010 e o seu filho, Luiz Carlos Correa, em 2012, em uma entrevista sobre o que tinha acontecido com o seu pai, relatou uma última conversa que teve com ele: “Ofereceram carona para ele. Quando embarcou no carro, andaram uns 500 metros e disseram: ‘Não queremos nada mais do que os seus olhos’”.

O que aconteceu ao agricultor Olívio Corrêa é tão misterioso como os desaparecimentos no Triângulo das Bermudas. Em setembro de 2017 foram encontrados à beira da Estrada Lomba Grande, área rural de Novo Hamburgo, dois corpos esquartejados, de um menino e uma menina de oito e 10 anos, irmãos por parte de mãe, como foi constatado pelo exame de DNA.

O responsável pelo caso era o delegado Rogério Baggio, que entrou em férias e foi substituído pelo colega Moacir Fermino. Dizendo que teve uma revelação divina, depois que conversou com o seu informante e amigo Paulo Sérgio Lehmen (44 anos, na época), Fermino prendeu cinco pessoas que teriam matado e esquartejado as crianças em um ritual de uma seita satânica.

Na época, em 10 de fevereiro de 2018, eu fiz o post “Os suspeitos do caso de ritual satânico são vítimas de um erro policial ou de uma conspiração?” O caso era tão absurdo que se desmanchou ao natural com a volta das férias do delegado Baggio.

Fermino foi processado pela Corregedoria da Polícia Civil e o seu informante acusado de perjúrio. No dia que o informante iria depor na Corregedoria, em 14 de dezembro de 2020, foi morto por uma facada no pescoço.
O caso das crianças e da morte do informante seguem sem solução. Os restos das crianças estão enterrados em um cemitério de Novo Hamburgo. No lugar dos nomes, nas lápides está escrito apenas: “Ignorado”.

Para finalizar a nossa conversa cito uma frase de um delegado, cujo nome não lembro. Mas lembro o que ele disse: “Não existe crime sem solução. Existe investigação malfeita”. Não sei se é o caso do agricultor Olívio Correa e das duas crianças esquartejadas. Mas uma coisa eu sei porque trabalhei nos episódios. Muitas pistas falsas e acontecimentos esquisitos acabaram atrapalhando as investigações.

Foi tudo obra do destino? Ou essas falsas pistas foram plantadas intencionalmente para confundir a polícia? Como sempre acontece no Triângulo das Bermudas, não tem como saber. O fato é que há dois crimes sem solução no Vale do Sinos.

PARA LER A ÍNTEGRA, NO ORIGINAL, CLIQUE AQUI.

(*) O texto acima, reproduzido com autorização do autor, foi publicado originalmente no blog “Histórias Mal Contadas”, do jornalista Carlos Wagner.

SOBRE O AUTOR:  Carlos Wagner é repórter, graduado em Comunicação Social – habilitação em Jornalismo, pela UFRGS. Trabalhou como repórter investigativo no jornal Zero Hora de 1983 a 2014. Recebeu 38 prêmios de Jornalismo, entre eles, sete Prêmios Esso regionais. Tem 17 livros publicados, como “País Bandido”. Aos 67 anos, foi homenageado no 12º encontro da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (ABRAJI), em 2017, SP.

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