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ESTADO. Desde 2016, Rio Grande do Sul já perdeu 17,6% dos servidores públicos da ativa, diz o DIEESE

Servidores relatam motivos que os levaram a pedir a exoneração das funções

Serviço público estadual perdeu quase um quinto da sua força de trabalho nos últimos anos (Arte de Matheus Leal/Sul21 sobre fotos de Fernando Dias/Seapdr, Agência Brasil, Sinfarmig e Tony Winston/Ag. Brasília)

Reproduzido do jornal eletrônico SUL21 / Reportagem assinada por Luís Gomes

Servidor da Emater-RS (Associação Riograndense de Empreendimentos de Assistência Técnica e Extensão Rural), Carlos Humberto Oliveira Alves aderiu ao Programa de Desligamento Incentivado (PDI) promovido pelo governo estadual em julho de 2020. Morador de Bagé, ele conta que, durante 26 anos, locomovia-se diariamente para trabalhar na cidade de Candiota, uma distância de pouco mais de 60 km. Quando se aposentou, avaliando que ainda era “novo”, optou por continuar trabalhando. Contudo, quando o PDI apareceu, considerou uma oportunidade que não poderia desperdiçar.

“Tinha um clima muito forte na casa de redução do pessoal, um clima de insegurança que já vem de muito tempo. Aí, quando apareceu a proposta do PDI, eu disse: ‘tchê, vou aderir a esse troço, pegar o dinheiro e vou inventar algo para fazer’. Mas não saí contente, como nenhum colega talvez tenha saído”, diz.

De acordo com o Semapi, sindicato que representa trabalhadores de fundações estaduais, a Emater perdeu 700 funcionários nos últimos sete anos, entre exonerações e aposentadorias. Destes, 293 deixaram o órgão apenas no PDI realizado em 2020. A entidade, contudo, segue perdendo quadros. Após o PDI, em julho de 2021, havia 1.760 servidores. No início de março deste ano, eram 1.734, segundo dados do Semapi.

Segundo outro levantamento, realizado pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), a Administração Direta do Rio Grande do Sul possuía, em março de 2015, 153.040 servidores ativos. Incluindo os servidores dos demais poderes, eram 165.511.

Já em dezembro de 2021, os servidores ativos da administração somavam 126.079, variação negativa de 17,6% e que ainda leva em conta a variação positiva de 3.227 em 2021. Considerando todos os poderes, o Estado fechou 2021 com 140.925 servidores, queda de 14,9% ante março de 2015.

Carlos avalia que, com a redução expressiva no quadro de funcionários, o atendimento ao produtor rural vem caindo de nível a cada ano. Uma das dificuldades enfrentadas é que muito trabalho administrativo precisou ser assumido pelos servidores remanescentes, o que faz com que os técnicos permaneçam boa parte do dia em escritórios e tenham menos tempo para ir a campo visitar o produtor e realizar o trabalho de extensão rural.

Para piorar, ele diz que as metas assumidas nos últimos anos na Emater priorizam um maior número de visitas a diferentes produtores, o que, segundo ele, inviabiliza o acompanhamento adequado do produtor rural.

“Olha, faz um bom tempo que a Emater está deixando de fazer extensão. Se tem um faz de conta, porque se tu faz uma visita por mês a um produtor não dá possibilidade de engrenar trabalho nenhum. O produtor precisa de mais encaminhamento, mas se tu acompanhar ele mais de uma vez, aí tu não cumpre a tua meta. Isso é grave”, diz.

Carlos Humberto afirma que, o modelo atual, de uma visita ao mês, esbarra, por exemplo, na dificuldade de se construir uma relação entre técnico e produtor. “O acompanhamento com o produtor é uma coisa complexa. Primeiro, tu tem que te aproximar para pegar confiança. Eu sempre cito um exemplo: eu estou na minha casa, tenho um jeito de tocar as minhas coisas, aí um belo dia bate um cara na minha porta e me propõe um jeito novo de fazer as coisas, que vai mudar o meu estilo de vida. Pode ser do governo, pode ser de onde for, não é assim mudar a minha vida porque veio um cara na minha casa dizer que tenho que mudar. Ter uma relação de confiança demanda tempo, visitas, acompanhamento. E depois que o produtor decidiu adotar uma nova tecnologia, o técnico tem que fazer acompanhamento, ir lá e fazer junto com o cara”, diz.

Diretora colegiada do Semapi, Cecília Margarida Bernardi avalia que uma das consequências da redução do tamanho do Estado pôde ser sentida pela população gaúcha com a forte estiagem que atingiu o Rio Grande entre 2021 e 2022. “Na extensão rural, essa saída de muitos colegas sem a reposição de novos afeta diretamente a oferta de serviços. Agora na estiagem isso é visível. Os movimentos estão pedindo mais gente na Emater. O governo lança essa coisa do Avançar, que não é instantâneo. Não tem como o governo sair fazendo açudes de maneira instantânea, precisa de projeto, precisa ver se tem água.”

Cecília ressalta que os efeitos de um evento climático extremo, como foi a estiagem, não poderiam ser totalmente superados, mas pondera que poderiam, sim, ser minimizados. Contudo, ela avalia que, para isso, seria preciso uma preparação anterior de investimento em extensão rural combinado com políticas públicas permanentes, que seriam, por exemplo, a abertura de açudes e projetos de irrigação. “Eu penso sempre no governo Leite como aquela coisa asséptica de olhar uma planilha e dizer ‘aqui gasta R$ 100 mil, vamos cortar’. Mas por trás tem um atendimento a pessoas.”

Ela destaca, por exemplo, que a estiagem chegou a deixar 17 mil pessoas sem água em suas propriedades. “No passado, a gente tinha feito uma boa diminuição nesse tipo de problema, e ele voltou agora porque não continuou sendo feito, a nível de extensão rural, o mapeamento das famílias, onde tem falta de água. Querendo ou não, é a extensão que vai nos lugares onde ninguém vai. Quando aparece o problema, é porque alguém foi fazer o levantamento, que é feito por nós. O governo Leite não está aproveitando as pessoas que vão nos lugares para detectar”.

A diretora do Semapi pontua que, nos últimos seis anos, a Emater permaneceu com o mesmo orçamento, congelado em R$ 200 milhões. “Os agricultores sabem que nós não temos condições de tocar tudo. Nas pautas deles está que eles precisam de um melhor atendimento da Emater, mas eles mesmos dizem na mesa de negociação que precisa de mais gente, de mais orçamento. E aí, para disfarçar, o governo colocou R$ 17 milhões esse ano, só que a gente está há seis anos com orçamento congelado. Tu pega R$ 200 milhões há seis anos e 200 milhões agora, só cortando gente, cortando estrutura, não existe”, diz.

Em novembro passado, o governo Leite finalmente anunciou um evento substancial para o enfrentamento de novas estiagens, com a destinação de R$ 201,4 milhões para a construção de cisternas, microaçudes, poços, em subsídios de até R$ 15 mil para produtores instalarem sistemas de irrigação e para qualificação do sistema de monitoramento e alerta climático do Estado. Os investimentos fazem parte do programa Irriga + RS.

Cecília diz que há a informação de que o Estado planeja realizar um novo concurso para a Emater em 2022, mas, caso ocorra, as nomeações dificilmente seriam feitas neste ano em razão da vedação da lei eleitoral no período de três meses antes das eleições.

‘O Estado não quis ficar comigo’

“É sempre doloroso falar sobre isso”, diz a professora Iris de Carvalho. Aprovada em concurso para o magistério estadual do Rio Grande em 2012, Iris foi nomeada como professora de História e por oito anos deu aulas em escolas estaduais gaúchas. Em 2020, pediu exoneração por considerar que não seria possível conciliar o doutorado que estava começando a cursar com a permanência no Estado.

“Por muito tempo, eu só consegui falar para as pessoas mais próximas que eu tinha me exonerado, porque parecia que eu tinha abandonado a escola pública. Eu não queria me exonerar, queria só a licença interesse e depois de anos eu voltaria para a sala de aula”.

Vinculada à 28º Coordenadoria Regional de Educação, Iris atuou em municípios da Região Metropolitana, sendo a escola Farroupilha, de Viamão, sua última parada. Até 2019, sua carga horária era de 40 horas semanais, mas foi reduzida para 20 horas naquele ano. A ideia de Iris era pegar mais 20 horas em alguma escola de Porto Alegre, onde mora, mas acabou optando por focar no processo seletivo para o doutorado.

“Tu imagina, eu moro na zona sul de Porto Alegre. Pegava a carona do meu marido até a parada de ônibus, depois eu pegava o T4, depois fazia a transferência para os ônibus de Viamão. Eu ganhava mais ou menos R$ 1,2 mil e gastava uns R$ 650 em passagens”, conta.

Como obteve a melhor classificação em sua linha de pesquisa, Iris obteve bolsa da PUCRS para cursar o doutorado durante quatro anos. “A bolsa de pesquisa é maior que a remuneração de 40 horas do Estado.”

Iris diz que, após ser selecionada, tentou a transferência para uma escola estadual de Porto Alegre para conciliar o doutorado com a sala de aula. “Eu não fui nem recebida na coordenadora para fazer esse trâmite.”

Com a transferência negada pela 28ª CRE, Iris resolveu então tentar a licença interesse, que não é remunerada, e permite que o professor se afaste por até dois anos do serviço público sem perder o vínculo. A ideia dela era cursar as disciplinas do doutorado em 2020 e 2021 e retornar neste ano para a sala de aula. Mais uma vez, o pedido foi negado pela CRE. “O meu pedido nem chegou a ir para a Seduc”.

Sem conseguir transferência para Porto Alegre ou a licença, acabou se exonerando em fevereiro de 2020, quando o prazo para assinar o termo de compromisso do doutorado estava prestes a acabar. “Eu acabei decidindo abandonar o magistério. Não foi uma decisão fácil, eu quase entrei em depressão, porque eu gostava muito de trabalhar, especialmente na minha escola. Mas eu acabei fazendo uma avaliação pessoal de que o Estado não queria ficar comigo”, diz…”

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