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De Madres a Abuelas: 45 anos de luta por justiça e memória – por Leonardo da Rocha Botega

Elas nunca se ajoelharam, na sua luta por Justiça para seus filhos e netos

Buenos Aires – Argentina, 24 de março de 1976. O general Jorge Rafael Videla, o almirante Emílio Eduardo Massera e o brigadeiro Orlando Ramón Agosti, líderes das Forças Armadas Argentinas, assumiam o poder como uma Junta de Comandantes. Ali se concretiza o Golpe Civil-Militar contra a presidenta María Estela Martínez de Perón, a Isabelita Perón. De imediato, a Junta anunciou um conjunto de medidas que deram início ao “Processo de Reorganização Nacional”.

Anunciaram também que o principal posto da República Argentina ficaria a cargo do general Videla. Alguns meses antes, Videla havia proferido que “na Argentina deverão morrer todas as pessoas necessárias para que volte a reinar a paz”. Como primeiro homem da Ditadura, não teve dúvidas, estabeleceu o Terror de Estado.

Buenos Aires – Argentina, 30 de abril de 1977. Quatorze senhoras (Azucena Villaflor de De Vinci, Berta Braverman, Haydée García Buelas, María Adela Gard de Antokoletz, Julia, María Mercedes e Cándida Gard, Delicia González, Pepa Noia, Mirta Baravalle, Kety Neuhaus, Raquel Arcushin e Senora De Caimi) se reuniram na Plaza de Mayo, em frente à Casa Rosada, sede do governo, com o objetivo de buscar respostas oficiais sobre o paradeiro de seus filhos (as) desaparecidos (as).

Inicialmente dispersadas pela polícia que cumpria a norma estabelecida pela ditadura proibindo a reunião em via pública de mais de três pessoas, retornaram em duplas, de braços dados, e começaram a circular ao redor da Pirâmide de Mayo, monumento erguido no local em 1811 em comemoração ao primeiro ano da Revolução da Independência Argentina.

Com um lenço branco na cabeça feito com tecido de fraldas de bebês, simbolizando seus filhos e suas filhas, passaram a repetir periodicamente esse ato. O movimento gradativamente foi ganhando a adesão de outras senhoras, que além do lenço branco passaram a levar cartazes com os nomes e as fotos dos filhos e das filhas, chamando atenção da comunidade internacional. O governo ditatorial, que incialmente tentou ridicularizar o movimento chamando de “las locas de la Plaza de Mayo”, passou a ver aquelas senhoras como uma ameaça.

Diante da ameaça, o governo ditatorial de Videla “plantou” o oficial Alfredo Astiz junto as Madres de la Plaza de Mayo. O infiltrado, que posteriormente seria conhecido como o “Anjo da Morte”, foi um dos responsáveis por, entre 8 e 10 de dezembro de 1977, sequestrar doze pessoas, entre essas as “madres” Esther Ballestrino, Azucena Villaflor e María Bianca de Ponce. Ambas foram torturadas na ESMA (Escola de Mecânica da Armada), colocadas num avião e atiradas vivas na costa do litoral entre as cidades de Santa Teresina e Mar del Toyo. Foram vítimas, assim como muitos desaparecidos, dos “vôos da morte”.

Entre 1976 e 1983, período em que durou a Ditadura Civil-Militar, cerca de trinta mil argentinos e argentinas foram mortos ou desaparecidos. A maioria eram estudantes e sindicalistas que tinham menos de 35 anos. Além desses, cerca de 500 crianças nasceram nas prisões ou nos 364 campos de concentração e centros clandestinos de detenção e extermínio criados pelo Terror de Estado. A busca por esses netos levou as Madres a se tornarem as Abuelas de la Plaza de Mayo. Já são cento e trinta netos recuperados, entre esses Guido, o número cento e quatroze, neto da presidenta de las Abulas, Estela de Carlotto.

Foi justamente Estela de Carlotto que em uma de suas entrevistas afirmou: “Às vezes eu digo, para ilustrar o quanto temos andado pelo mundo, que vamos continuar andando enquanto tivermos mobilidade. Por isso usamos bengala, para que nunca nos ajoelhemos”.

Certa vez, em uma atividade do Forúm Social Mundial em Porto Alegre, Hebe de Bonafini, antiga presidenta das Madres, declarou que não queria a indenização do Estado pelo desparecimento do seu filho, mas sim, “queria a justiça social, por quem tanto seu filho lutou”. É por esses sentimentos e essas posturas que, ao longo de seus 45 anos de lutas, as Madres e Abuelas de la Plaza de Mayo nunca se ajoelharam. Suas trajetórias de luta pela memória e pela justiça são ventos fortes (espécies de Zondas) de esperança e dignidade em uma região historicamente marcada por injustiças e covardias.      

(*) Leonardo da Rocha Botega, que escreve no site às quintas-feiras, é formado em História e mestre em Integração Latino-Americana pela UFSM, Doutor em História pela UFRGS e Professor do Colégio Politécnico da UFSM. É também autor do livro “Quando a independência faz a união: Brasil, Argentina e a Questão Cubana (1959-1964).

Nota do Editor. A imagem das madres de la Plaza de Mayo, no algo do artigo, é uma reprodução obtida na internet.

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