Déjà vu na feira do livro. Ou epifania? – por Marcelo Arigony
Sob os olhos da Isabela que garatuja, a feira do livro, House e bem mais
Andei pela Feira do Livro em Santa Maria e tive um déjà vu. Convicção momentânea de que já tinha estado lá. Aquela obra em mãos, aquelas pessoas, o mesmo perfume no ar. Paramnésia!
Manuseava um livro que tem um médico como antagonista. Ou seria oponente… não sei, porque não o li. E já não lembro as aulas de literatura no Cilon Rosa. Mas tive um insight.
O livro fez-me lembrar do doutor House. Aquele seriado médico protagonizado por Hugh Laurie. Uma mescla de erudição e elegância, regadas a pontaços de mau-caratismo no limite do anti-herói. Mas salvando vidas! House é fantástico. Fosse mulher ia dar um beijo nele.
Gosto de tudo no seriado, mas o que me fascina é aquela técnica brainstorm que House usa com os discípulos, e as epifanias.
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Nesse momento sou interrompido pela Isabela, quase sete anos: – Pai, que tá fazendo aí?
– Tô gatafunhando um negócio pro Tio Claudemir.
– QuêêÊ?! Gatafu…quê?!
– Eu gatafunho, tu gatafunhas, ele rabisca. Pega papel aí e garatuja alguma coisa. A gente começa a escrever e as ideias vêm… Vamos pescar uma epifania. Ou não.
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Eu falava do brainstorm e da epifania do House. Ele reúne os alunos de medicina em frente a uma lousa e traz um caso escabroso, de um paciente que está ali, moribundo, no hospital-escola. Então pede que os pupilos sugiram possíveis diagnósticos, e as ideias vão sendo rabiscadas na lousa. Entre devaneios surge o diagnóstico, ou um insight, um ponto de partida para a cura do paciente.
Aí o brilhantismo. A partir de alguma daquelas ideias desconexas, House olha ao longe, faz uma cara abestalhada de paisagem, e sai correndo em direção leito do paciente. Fez-se a luz e alguém vai ser salvo. Aleluia.
E aí a importância do livro, da Feira do Livro. Diferentemente da epifania religiosa, o insight do House só ocorre porque ele já leu muito durante a vida, estudou muito, viu muito, ouviu muito. Nada surge sozinho. O conhecimento vem sendo construído a muitos olhos. Estudar, experienciar, para poder escrever. Mesmo nos livros de ficção, o escritor precisa ter estofo, bagagem de leitura para desenvolver a história.
Festejemos a Feira do Livro e seus escritores. Festejemos os bons e maus livros, até aqueles que têm erros de português como alguns de meus escritos. Não somos perfeitos. Mas escreveu tá valendo!
(*) Marcelo Mendes Arigony é titular da 2ª Delegacia de Polícia Civil em Santa Maria, professor de Direito Penal na Ulbra/SM e Doutor em Administração pela UFSM. Ele escreve no site às quartas-feiras.
Nota do Editor. Na foto de um pai obviamente coruja, Isabela na feira do livro.
Voltando a vaca fria. Santa Maria é uma cidade ‘cosmopolita’. Vem gente da Bossoroca, de Santaninha do Carrapato e de São Chico. Praticamente uma Londres ou NY. É um ‘polo educacional’ como tres decadas atras, outros lugares tem até mais faculdades, mas não importa. E, House é um personagem de ficção, porém na aldeia trabalharam profissionais que fariam o sujeito ‘parecer uma moça’. Parentes do paciente cheios de duvidas faziam perguntas que não eram respondidas. No maximo um olhar do tipo ‘não vou explicar poque não vai entender mesmo’. Alás, comunicação entre médicos(as) e pacientes era algo que precisava de atenção. Incerteza, insegurança, ansiedade. Do lado de cá obvio. Bueno, e feira? O que se vai dizer quando elogiam não pela qualidade dos livros, mas pela area a ceu aberto? Segue o baile.
House era Sherlock Holmes num hospital. Brainstorm é da administração, na medicina, ao menos no programa, o que acontecia era diagnostico diferencial. Um metodo é caotico, outro é sistematico. Curso de medicina é diferente nos EUA. É um doutorado profissional. Primeiro a criatura faz uma graduação de quatro anos. Depois faz uma prova de admissão especifica. Curso tem tres anos, com provas gerais sobre o conteudo ano a ano (varia de escola para escola). Tem que fazer no minimo um ano de internato antes de virar ‘medico’. Também tem que passar em uma prova (eram duas). Dai pode partir para a residencia. Interessante, anos atras o custo anual do curso na UFSM foi avalado em 52 mil reais por ano. Custo na John Hopkins era 50 mil dolares, ou seja, maioria começava a vida devendo 200 mil dolares. E, governo petista, óbvio, transformaram todos os cursos de graduação em ‘bacharelado’, não importando a duração. Mudaram o diploma, o que causou um monte de problemas para profissionais da saude que queriam continuar o estudo entre os ianques. Ideologia acéfala, ‘todo mundo é igual apesar de ser um tiro no pé’. Acabaram voltando atras. Outras areas não tiveram a mesma sorte. Bacharelado nas engenharias por lá é tres anos. Um ano a mais e, na maioria das escolas, ja sai com mestrado (na Europa é o ‘primeiro mestrado’). Se fizer dois anos a mais (ou seja, cinco anos) sai com titulo de ‘engenheiro’. Aqui a criatura estuda cinco anos e sai ‘bacharel’.
Falar mal da aldeia é chutar cachorro morto. Porém é divertido, cidade do interior, com mentalidade de cidade do interior e uma classe média alta ‘que se acha um monte’. Como uns passam ‘pelando saco’ um dos outros e elogiando o que não corre risco nenhum de merecer elogio torna-se engraçado. Longe demais das capitais fica ruim de trazer escritores de fora. Os daqui cometem textos gramaticalmente corretos que dizem absolutamente nada. Os destaques da literatura local só são lidos, fora dos nichos, porque são leitura obrigatoria. Não seria problema. Mas os submediocres, com alto conceito proprio, querem ‘dar sua contribuição’ e o primeiro contato das crianças com a literatura nas escolas acaba sendo uma experiencia ruim. Que é ‘boa’ porque em cidade do interior ‘bom’ é uma conveção social. Não conseguem editoras porque as mesmas são o primeiro filtro da qualidade do que é escrito. Mesmo assim publicam muita coisa que é ruim e, no entando, tem relativo sucesso comercial. Há, por exemplo, muitas copias descaradas de Harry Potter por aí.