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Agosto – por Orlando Fonseca

Para todos os gostos? É o que pensam alguns, que não temem os maus presságios deste mês. Tem agosto para todo mundo. Assim como há os que encontram motivos para temer, também existem os que preferem pensar no agosto como um mês de celebrações. Por motivos simples como aniversários, por exemplo. Em nossa cidade, este é o Mês da Cultura (tudo bem, um tanto apagado pelos protocolos da pandemia), em razão do nascimento de nossa maior expressão literária: Felipe D’Oliveira. Mas há os que não esquecem, este é o mês do cachorro louco, foi lançada uma bomba atômica sobre Hiroshima, Getúlio Vargas se suicidou, e o inverno no sul costumava ser rigoroso. Até mesmo os noticiários não nos deixam esquecer os maus agouros: terremoto no Haiti, enchente na Turquia, e aqui no Brasil – bem, agosto é pouco para tanta desgraça.

Lembro que meu pai falava, por vezes como chiste, em sobreviver ao agosto. Ele, com seus problemas respiratórios, sabia muito bem do que estava falando. Ainda mais, com o temperamento do clima de Santa Maria. Muita coisa mudou, claro, e para pior. As mudanças climáticas não são uma característica apenas de nossa cidade. Temos de nosso, o vento norte, mas o planeta tem sofrido com o aquecimento, o qual tem gerado catástrofes em muitos lugares. O inverno já não é mais como antigamente. Era comum, ao tempo em que não havia medicamentos específicos, em especial os antibióticos, um número expressivo de mortes em razão das doenças motivadas pelo clima inóspito, frio, umidade, mofo. O que gerou no imaginário geral a má impressão que o agosto passou a ter.

Além disso, em tempos idos, era comum que os cães apresentassem comportamentos agressivos em razão da hidrofobia, ou raiva, uma doença que podia ser fatal para quem fosse mordido por um animal naquele estado. Diziam que isso era típico do mês de agosto, eu não me recordo ser era ou não, embora lembre de animais tidos como dóceis, de repente aparecerem salivando, rosnando ameaçadores e com todos os seus dentes à mostra. Imagem da infância que preenche os requisitos para pensar com certo temor no mês aziago. Em especial por ter sido mordido por um cachorro (não era o mês de agosto), mas o medo maior não era o de contrair a raiva, e sim de ter de ir ao postinho tomar injeções ao redor do umbigo.

Os acontecimentos nacionais e mundiais levariam um tempo para invadir o meu repertório de má impressões agostinas, para além da rotina de casa e da infância nos arredores da nossa cidade. Foi na escola que soube, com uma década de atraso, do suicídio de nosso famoso conterrâneo. Também fiquei sabendo da renúncia de Jânio Quadros e o que isso impactou sobre a vida do país, cujas consequências tomariam toda a década de 60 do século passado. Mas a CPI Covid não deixa dúvidas de que ainda estamos em tempos de loucos, tão ou mais cachorros que os próprios animais. Que o Haiti pode não ser aqui, uma vez que não temos terremotos tão frequentes e tão devastadores como lá, mas temos uma população bem maior de famintos e doentes, pelas ruas das grandes cidades.

Apesar dos pesares, estamos no Mês da Cultura, minha mãe vai completar 91 anos, sobrevivendo incólume à sanha do Coronavírus – graças à vacina e aos protocolos. Portanto, afastando os resquícios arcaicos da má impressão que carrego contra o agosto, vou aprendendo com os amigos que o mais importante é celebrar a vida, e elevar o ânimo como na canção da MPB, pela expectativa da primavera: “quando entrar setembro/ e a boa nova andar nos campos”. Ao fim das contas, como saberíamos da alegria do sol voltando, sem os dias nublados de agosto?

*Orlando Fonseca é professor titular da UFSM – aposentado, Doutor em Teoria da Literatura e Mestre em Literatura Brasileira. Foi Secretário de Cultura na Prefeitura de Santa Maria e Pró-Reitor de Graduação da UFSM. Escritor, tem vários livros publicados e prêmios literários, entre eles o Adolfo Aizen, da União Brasileira de Escritores, pela novela Da noite para o dia.

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2 Comentários

  1. Agosto é mais ou menos o ‘mes fantasma’ nos paises asiaticos.
    Loucos acreditam em CPI da Covid. Loucos tem certeza que todos os problemas acabam com a saída do Cavalão (segundo Polonio há metodo naquela loucura) do cenário.
    Cultura da aldeia é na base do que a casa tem para oferecer. Mentalidade de cidade interiorana, ‘nossas quermesses são as melhores do mundo’.
    Casa de Cultura caindo. Cesma como está?

  2. Pessoas de planetas diferentes sempre espantam. Em SP governador faz ‘ato simbólico’ para marcar o final da imunização da população adulta. Quatro pessoas com nome ‘Esperança’. É o FEBIAPA, Festival da Imbecilidade que Assola o Pais.
    Felipe de Oliveira é mais um daqueles escritores obscuros que quase ninguém le. Nome de rua, Felipe Dau aliá, onde, se lembro bem, funcionava o antigo jornal ‘O Expresso’ e onde havia um pé de plátano.
    Escritor nasceu aqui, fez faculdade em POA, morava no RJ e acabou morrendo na França. Numa cidade que se vangloria de lagartos mortos há milhões de anos que viraram pedra nenhum espanto. Mentalidade de cidade interiorana, pouca coisa digna de nota, vangloria-se de qualquer coisa que tem.

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