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Filosofando sobre a educação – por Vitor Biasoli

Na crônica de estreia, o tema é o livro mais recente de Ronai Pires da Rocha

Na última Feira do Livro de Santa Maria, Ronai Rocha (professor da UFSM, recentemente aposentado), lançou Filosofia da Educação (Editora Contexto, 158 pág.), uma das cinco obras mais vendidas no evento. Livro constituído por dez capítulos densos sobre o espinhoso tema da educação e escrito com as ferramentas da filosofia. Aristóteles, Kant, Rousseau e Hannah Arendt são citados diversas vezes, constituindo-se em referências constantes.

Tema difícil, como o próprio autor indica e que ele procura amenizar desenvolvendo suas reflexões na forma de uma conversa com o leitor. Mas uma conversa na qual todos os pontos abordados são destrinchados conceitualmente e, aos poucos, vão se articulando e evidenciando um complexo entendimento do que o autor considera o essencial na educação, na pedagogia, na didática, no currículo e, especialmente, na escola.

Haja fôlego para segurar o rojão. Conversa aparentemente amena, na qual não faltam provocações. Afinal o autor sabe que está em terreno minado e não deixa de encarar algumas bombas. Mas faz isso sem explicitá-las. O leitor que tiver algum trânsito nos debates sobre educação certamente perceberá.

Ao iniciar o livro, Ronai indica que, no seu entendimento, educação diz respeito às relações entre uma geração de adultos e uma geração de crianças, relações que tratam da transmissão dos conhecimentos, habilidades e valores acumulados pela Humanidade. Com isso, desloca uma questão que muitos consideram o ponto de partida para pensar a educação, isto é, a de responder qual homem e sociedade queremos construir.

O autor não ignora essa abordagem, mas, como se propõe a olhar as coisas a partir da “torre mais elevada no terreno”, vai conduzir o leitor por outro caminho. Assim, ao longo de uma abordagem minuciosa, vai refinando, capítulo a capítulo, uma compreensão da educação que enfatiza a experiência formativa das crianças e as tarefas que cada geração precisa dar conta se pretende a continuidade da vida humana.

Apenas no último capítulo, o autor retoma o tema das relações entre educação e política, muito cara à pedagogia contemporânea. No quadro dos debates educacionais e da formação de professores, arrisco afirmar que o autor vira o jogo. Mesmo que seja, como ele próprio diz, apenas recolocando o que, desde séculos, os filósofos entenderam como essencial na educação: a transmissão dos saberes acumulados e a preocupação com o cuidado e a formação das crianças. A escola pensada como um local privilegiado da formação e socialização das crianças, no qual elas se encontram numa relação assimétrica com os adultos, devido ao fato de não serem (ainda) pessoas completamente desenvolvidas.

Contrapondo-se aos pensadores da educação que privilegiam as ações educativas como políticas, o autor estabelece uma compreensão da escola como pré-política, afinal as crianças ainda não estão habilitadas para o jogo da política, uma atividade do mundo dos adultos. A política consta do acervo de conhecimentos que devem ser transmitidos na sala de aula, mas o tema deve chegar pelas mãos da didática, tal qual a língua portuguesa e a matemática.

As professoras formadas nas décadas de 1940, 50 e 60, certamente diriam que autor não afirma nada de novo. “Crianças são crianças, ora bolas!” – escuto minhas antigas mestras falarem – “elas não podem ser tratadas de igual para igual pelos adultos, pelo simples fato de que ainda não estão suficientemente crescidas”. Muito menos serem abaladas pelas paixões político-partidárias dos adultos, acrescentariam, concordando com o autor a respeito da escola como um lugar diferenciado da sociedade.

Um livro escrito para professores e estudantes dos cursos de licenciatura, recolocando questões essenciais da educação, especialmente da educação escolar, que precisam ser reafirmadas para a roda da escola funcionar de modo mais eficaz. Livro de linguagem descomplicada (se pensarmos em livros de Filosofia), aparentemente simples – uma conversa, diz o autor repetidas vezes -, mas que é nitroglicerina pura, não tenho dúvidas. Eu, ao menos, li desse jeito e creio que aqueles que estão no front da educação o perceberão dessa forma.

(*) Vitor Biasoli é professor aposentado da UFSM e escritor. Sua obra mais recente – “Itália, Café e Trilhos” – foi lançada na Feira do Livro 2022. É também autor, dentre outros, dos livros “Uisque sem gelo”, “O fundo escuro da hora” e “Paisagem Marinha”. Biasoli passa a colaborar regularmente com o site a partir deste sábado.

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Um Comentário

  1. Diria que filosofia é a tentativa de responder algumas questões fundamentais, não receitas de bolo. Embora a ciencia tenha sido chamada de filosofia natural numa determinada epoca a separação já aconteceu há tempos. Muita gente tenta confundir (com objetivos bem claros) filosofia e até ideologia com ciencia. Daí o pano de fundo para o antiterraplanismo, etc. Falando em ideologia ‘ educação -qual homem e sociedade queremos construir’, num pais atrasado e terceiromundista (haverão objeções semanticas que levam ao nada) além de ser uma utopia é justificativa para atraso, conservadorismo, vagabundagem academica e todos outros tipos de mazelas. Vide pandemia e o que aconteceu com o ensino superior. Universidades famosas pela qualidade de ensino mundo afora começaram a ofertar MOOCs (Cursos Abertos Online e massivos) desde 2008, popularizando-se lá por 2012. Na terra brasilis torcia-se o nariz para ensino online, coisa, por aqui, de insituições de segunda (ou terceira ou quarta) linha. Deu no que deu, colapso das aulas presenciais e adoção de novas tecnologias a moda miguelão. Desculpa é a ‘socialização’, na linha de montagem que produz ‘cidadãos’ os alunos são ‘envolvidos num casulo’, não ‘socializam’ em nenhum outro lugar. Resta saber o nome de cinco outros paises onde a teoria pode ser vista aplicada com sucesso. Resumo da ópera: muita gente fala em educação por aqui, comparando com o que falam la fora da impressão de que ate os ‘especialistas’ tupiniquins não sabem do que estão falando. Bom lembrar, a referencia mais recente citada, Arendt, morreu há mais de 45 anos atras. Outro planeta.

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