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Quando as “mulheres começaram a trabalhar”? – por Elen Biguelini

A articulista e a falácia de que a mulher só iniciou a trabalhar recentemente

O primeiro de maio marca o dia dos trabalhadores.

Levantamos nesta data, então, uma falácia histórica que tem sido muito difundida, de que o trabalho feminino iniciou apenas na década de 70.

Comecemos justamente com o século XX para provar o erro desta frase. Se elas começaram a trabalhar apenas nos anos 70, como pode existir a imagem de mulheres trabalhando durante a 2ª Guerra Mundial? A própria Rainha da Inglaterra teve uma função neste momento.

Mas é claro, esta falácia pode ser desmentida ainda antes. No século XIX, quando a Revolução Industrial emergia e crescia, tanto mulheres quanto crianças trabalhavam sob as mesmas situações precárias que os homens, em fábricas que não prezavam pela sua saúde ou bem estar.

Na idade média, as esposas do comerciantes trabalhavam junto com eles em seus afazeres. Fosse um padeiro, fosse um marceneiro. Cada um tinha a sua função.

E muito, muito antes disto, não trabalhavam as mulheres na terra?

Sim. Percebemos aqui que o suposto “não trabalho” feminino é, na verdade, uma estipulação social criada para reprimir mulheres de se estabelecerem em espaços públicos.

A concepção de trabalho que esta “estipulação” forma é restritiva: trabalho é apenas aquilo que era considerado atividade masculina.

Alimentar os filhos não era trabalho.

Lavar a roupa (de si e dos vizinhos, recebendo um soldo) não era trabalho.

Cuidar da casa não era trabalho.

Vender o que era produzido na fazenda familiar não era trabalho.

Nesta concepção é apenas trabalho aquilo que implica vestir trajes masculinos, se deslocar até um local público de maioria masculina, e exercer uma atividade ainda mais “masculina”.

Como pode a mulher só ter começado a trabalhar na década de 70, quando a primeira profissão conhecida pelo homem é exercida majoritariamente por mulheres (a prostituição ou, como é chamado atualmente, o trabalho do sexo)?

Finalmente nossa sociedade já intitula “do lar” como profissão. Pois o estar em casa significa um trabalho contínuo que merece ser valorizado. Mas para além de dar o devido reconhecimento a estas mulheres, precisamos reconhecer que nunca houve um momento em que TODAS as mulheres não trabalharam. Pelo contrário, as únicas a não trabalharem eram um grupo seleto, de brancas, de classe social superior, as vezes parte da aristocracia.

A sua volta encontravam-se inúmeras outras mulheres que tinham um labor diário (remunerado ou não) extremamente pesado. Algumas aristocratas, inclusive, queriam poder trabalhar, e outras tinham funções específicas à sua classe que também podemos chamar trabalho. 

Não incluímos também as mulheres negras escravizadas, que tinham, além do trabalho forçado, seu corpo como objeto de desejo, escarnio e brinquedo branco.

Como podemos afirmar que estas mulheres não trabalharam? Que o sustento das lavadeiras, cozinheiras, arrumadeiras não era um emprego?

Nesta data celebramos todas estas; cujo trabalho invisível ou visível faz e fez o mundo andar por muitos séculos. Sem estas trabalhadoras talvez não teríamos tido as mesmas descobertas, invenções ou, até mesmo, direitos. Foram todas trabalhadoras. As mulheres SEMPRE trabalharam.

(*) Elen Biguelini é doutora em História (Universidade de Coimbra, 2017) e Mestre em Estudos Feministas (Universidade de Coimbra, 2012), tendo como foco a pesquisa na história das mulheres e da autoria feminina durante o século XIX. Ela escreve semanalmente aos domingos, no Site.

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