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“Olha quem morre, então, veja você quem mata” – por Leonardo da Rocha Botega

“Racismo que, mesmo negado, demonstra validade da frase dos Racionais MC’s”

Sábado, 4 de junho de 2022. Passeava calmamente pelo Parque Itaimbé com os meus cães, quando repentinamente surgem três policiais militares com suas motocicletas em uma velocidade não adequada para uma pista de caminhada. Próximo à Pracinha, esses policiais abordaram três rapazes que estavam entrando no parque sem nenhuma atitude que parecesse suspeita. Na frente de inúmeras pessoas, incluindo as crianças que estavam brincavam a poucos metros, os rapazes foram revistados. Não houve nenhuma ação de violência.

Após a saída dos polícias, nós, que estávamos com nossos cães, ficamos nos perguntando o porquê de não termos sido revistados também. A única explicação plausível era: não tínhamos o estereótipo do suspeito! Não havia nenhum negro entre nós. Entre os meninos revistados havia dois negros. Os três estavam de bonés. Eu estava de touca, mas minha branquitude não desperta suspeita na tal guerra contra a criminalidade e as drogas. Observando aquilo tudo, não pude deixar de pensar nos fatos ocorridos na semana anterior.

No último dia 24 de maio, a Polícia Militar do Rio de Janeiro realizou uma operação na Vila Cruzeiro, Zona Norte da capital fluminense. O resultado foram vinte e três mortos, destes, segundo a própria polícia, somente cinco tinham antecedentes criminais e uma moradora foi vítima de bala perdida, naquilo que foi descrito como um confronto. Um confronto um tanto quanto estranho, afinal só morreram civis. Um tipo de ação que, nas palavras do ouvidor-geral da Defensoria Pública do Rio de Janeiro, Guilherme Pimentel, “jamais seria tolerada em bairros nobres da cidade”.

No dia seguinte, 25 de maio, a já tradicional brutalidade ganhou ares de sadismo. Genivaldo de Jesus Santos foi abordado por três policiais rodoviários no km 180 da BR-101, em Umbaúba – Sergipe. Segundo os policiais, transitava em uma motocicleta sem capacete. Genivaldo, que era portador de doença mental, foi alvo de xingamentos, rasteira e chutes. Depois foi imobilizado, amarrado e colocado no porta-malas do carro da polícia. Se não bastasse isso, os policiais ainda jogaram gás e fecharam o compartimento traseiro do veículo. Tal como a polícia nazista fez décadas antes, os agentes de segurança transformaram a viatura em uma câmara de gás.

Genivaldo acabou morrendo por asfixia. Na ocorrência, os mesmos policiais que o mataram escreveram que fora vítima de um “mal súbito”. Tudo desmentido por inúmeros populares que assistiram à cena, alguns inclusive alertaram para a doença mental de Genivaldo. Os polícias fizeram pouco caso! Talvez estivessem inspirados em alguns de seus colegas, que não somente fazem pouco caso, como escoltam o presidente brasileiro em suas motociatas, sem capacete, sem uma multa sequer. Pau que bate em Genivaldo não bate em Jair. Não bate nos inúmeros playboys que circulam de motocicletas sem capacete nas Praias de Florianópolis ou na Zona Sul do Rio de Janeiro.

Genivaldo era caboclo, mestiço. Assim como a maioria dos mortos na Vila Cruzeiro, era parte do estereótipo do bandido construído nos cursos de formação dos agentes de segurança no Brasil. Cursos esses que vieram à tona dias após a sua morte, através de inúmeros vídeos tornados públicos nas Redes Sociais. Em um deles, o “instrutor” ensina como torturar um suspeito em uma viatura. Em outro, ensinam “a sair batendo geral na “negrada favelada” nos estádios de futebol.

No país onde alguns ainda insistem em vender a ideia de que se vive em uma “democracia racial” e que são os negros que fazem “racismo reverso”, a realidade bate em nossa cara. E bate forte! Bate mostrando um Estado capaz de permitir que alguns de seus agentes tenham o poder de definir quem vive e quem morre. Agentes que nos últimos anos, diante de um governo que cultua a crueldade, perderam completamente qualquer pudor. Agentes de um racismo institucional que, mesmo sendo negado, o tempo todo demonstra a validade da frase dos Racionais MC’s: “Olha quem morre, então, veja você quem mata”. Até quando?

(*) Leonardo da Rocha Botega, que escreve no site às quintas-feiras, é formado em História e mestre em Integração Latino-Americana pela UFSM, Doutor em História pela UFRGS e Professor do Colégio Politécnico da UFSM. É também autor do livro “Quando a independência faz a união: Brasil, Argentina e a Questão Cubana (1959-1964).

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3 Comentários

  1. O que aconteceu com Genivaldo e, como no caso da Vila Cruzeiro, haverá inquerito e os culpados responderão. Etnia da vitima não é bem definida. Porem de uma coisa pode-se ter certeza, a esquerda tentou imediatamente ligar o caso com outros acontecidos nos EUA. Tirar proveito politico da coisa. ‘Democracia racial’, ‘racismo reverso’, conceitos academicos não fazem parte da grande maioria da população. Fato é que existe muita coisa por aí. Patrice Khan Cullors, auto declarada marxista treinada, co-fundadora do Black Lives Matter (Vidas Negras Importam), pegou grana das doações (de posse da fundação) e comprou quatro casas nos EUA no valor de 3,2 milhões de dolares). Para ela foram 1,4 milhão de dolares em uma casa em Malibu, Los Angeles. Renunciou devido aos ‘ataques racistas’. Um ano depois a BLM comprou por algo perto de 6 milhões de dolares uma ‘casa’ na California com mais de 600 metros quadrados e 12 quartos. Noticiado fartamente inclusive na Europa, inclusive por jornais de esquerda (pleonasmo). Resumo da opera: há que se ter cuidado com gente muito ‘virtuosa’.
    https://www.youtube.com/watch?v=2O4Wn8b44yY

  2. Vila Cruzeiro. Não ter antecedentes criminais não significa inocencia, o fato de não ter passagem anterior pelo sistema não significa falta de envolvimento com o crime. Obvio. Policia (operação conjunta PRF, PM) foi cumprir mandados de prisão para lideranças do Comando Vermelho. Havia traficantes de outros estados e a informação dizia que iriam invadir a Rocinha (que é dos Amigos dos Amigos). Ninguém acordou de manha cedo e pensou ‘dia está bonito, bom para trocar tiros com traficantes’). Moradora atingida morava na Chatuba, comunidade vizinha. Confronto, felizmete, é assimetrico, os policiais recebem treinamento, principalmente os do BOPE, como é o caso. Nos bairros nobres da cidade a policia não é recebida a tiros de fuzil. Obvio. Nem os traficantes andam em bandos de 60 elementos armados. Obvio.

  3. Bueno, a historinha, real ou ficticia, não há obrigação em acreditar em quem quer que seja. caberia num livro texto de criminologia. Teoria do Etiquetamento Social, precedente da criminologia critica (Escola de Frankfurt, neomarxismo, é a inspiração). Se os policiais estavam em velocidade apreciavel é sinal de que procuravam alguém. Caso contrario estariam parados em alguma esquina jogando conversa fora. Mais, tanto a Policia Civil quanto a Brigada conhecem a ‘clientela’ deles. Fregues sempre retorna e fica conhecido. Mais, Parque Itaimbé é conhecido pelo consumo de drogas e pelo trafico. Não é de hoje. Quanto a revista, nos EUA com a Quarta Emenda as coisas seriam diferentes.

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