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O garçom feio – por Marcelo Arigony

Sem a gentileza dele e o cronista, com os seus, não iria àquele restaurante

Tem um restaurante aonde vou aos domingos que tem um garçom engraçado. Aliás, ele é feio mesmo! Nada de simetria, pouco cabelo; olho meio caído, abre só metade da boca ao falar, puxa um pouco uma perna… acho até que ele faz meio que um personagem…

Já batizei o local de restaurante do “feio”. Sempre vou lá. Um ritual domingueiro. Acordo tarde, tomo uns mates com as cabritas, e saio para almoçar no feio. Chegando lá, quase inconscientemente, me posiciono em algum lugar no setor do feio. Há outros garçons muito mais bonitos. Há garçonetes elegantes e perfumosas. Mas faço questão de ser atendido pelo feio. Feio, mas elegante.

Aos domingos, a tarde é toda minha. Sem pressa. O almoço é como um brunch por volta das duas da tarde. A família já assimilou. A gente chega, o feio nos enxerga e vem radiante com uma caipirinha e uma porção de polenta frita. Nem precisa pedir. Ele vem sempre altivo e sorridente, desfilando elegantemente entre as mesas, com aquela meia boca engraçada. Todos lá em casa adoram o feio.

Eu sempre converso alguma amenidade com o feio, e depois vou até o chapista visitar a carne. O churrasco lá é feito no espeto, depois é deitado al punto na chapa, onde eu pesco um entrecot e umas tiras de costelão 12 horas, largo um molho de queijo quente por cima, e faço um tira-gosto picado, para todos na mesa.

Essa entrada já valeria a refeição. É uma festa! E de brinde o feio nos visita a cada cinco ou dez minutos, sempre agradável e gentil. A essa altura a pequena já virou, por cima dela e por cima da mesa, um copo de suco de morango com gelo que ela pediu ao feio sem a gente perceber, enquanto estávamos entretidos com a caipirinha. Depois as cabritas servem alguma coisinha mais no buffet, apenas pra esfregar nos olhos.

Tudo é bom lá. Inclusive preço justo. Mas não iríamos todos os domingos se não fosse a gentileza daquele feio. O cara nasceu pra lidar com gente: soft skill.

Dia desses fui com uma equipe de policiais a Porto Alegre cumprir mais de uma dezena de mandados de busca e prisão. A investigação iniciou aqui em Santa Maria. Acordamos lá antes das cinco da manhã. Reunião às cinco e meia no auditório do Palácio da Polícia. Farda, colete, arma, faca, bala e pingo de solda. Seis da manhã pé na porta. Sem moleza. Muita gente presa. Objetos apreendidos. Apresentações dos materiais e objetos apreendidos em cinco delegacias diferentes na região metropolitana. Reunião no auditório do palácio da polícia no final de tudo, por volta do meio dia.

Serviço feito, saímos do auditório rumo às viaturas para regressar a Santa Maria quando fui interpelado aos gritos (!) por um advogado vestido de festa, tom sobre tom.

– vocês entraram na casa da minha cliente! (bradava de forma agressiva).

A essas alturas do campeonato a gente já aprendeu com o garçom feio que elegância é tudo; que gentileza gera gentileza. Eu olhei para ele com um olhar daqueles que diz tudo – também sou feio – e perguntei se era eu quem tinha entrado na casa dele. Ele gaguejou e disse que não sabia. Baixou o tom e perguntou se estávamos com uma operação policial em andamento. Eu disse que sim. Perguntei o que ele precisava. Agora calmamente, disse que precisava de acesso aos documentos do inquérito. Eu prontamente encaminhei ao escrivão que trata disso. Eles combinaram que os documentos seriam encaminhados por e-mail, já que estávamos retornando para Santa Maria e estava tudo encaixotado.

Na outra cena ele entra no seu carro a meia quadra dali, onde um grupo de policiais almoçava um cachorro quente com duas salsichas, na calçada, e ouviu quando ele falava ao telefone que havia se espantado da gentileza com que fora atendido por nós. E todos ficamos felizes como o garçom feio!

(*) Marcelo Mendes Arigony é titular da 2ª Delegacia de Polícia Civil em Santa Maria, professor de Direito Penal na Ulbra/SM e Doutor em Administração pela UFSM. Ele escreve no site às quartas-feiras.

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