A crônica do Carlão Ponto e Vírgula – por Marcelo Arigony
A impressão é de que “há 27 estilos de crônicas; se mais, não passam de 39”
O Carlão Ponto e Vírgula recebeu esse apelido lá nas sextas de boate no DCE. Grandão do queixo quadrado, pescoçudo igual um ganso, o PV botava banca e impressionava a mulherada. Seu xaveco matador incluía um zóinho e uma pescoceada de longe, em cadência, erguendo e oferecendo um copo de Polar. Era match certo: o mulherio se derretia.
Mas no lance seguinte sempre dava Rubinho. Ficava ansioso, tartamelava, dava umas freadas na conversa, ficava em pause, e não saía absolutamente nada… Chegava a dar medo. Então flunk: o PV morria na praia. Quem não o conhecia achava até que era abobado; ou tava de brincadeira.
Numa única vez o PV chegou a arrastar uma colega pra casa, a Odete. Mas no outro dia ela disse que o Carlão era como pepino graúdo; bom de ter na prateleira da cozinha dentro de um pote de vidro, à mostra, pra ficar cobiçando com água na boca; nada mais.
Tenho a impressão de que há 27 estilos de crônicas; se houver mais, não passam de 39. Mas poucas usam o ponto e vírgula. O cara do ponto e vírgula me encanta porque ele é um estilista. Ele é diferente do cara do ponto; e é diferente do cara da vírgula. Ele é Machado de Assis.
Há crônicas que trazem referências interessantes; tem aquelas rebuscadas, cheias de juridiquês; tem as que tratam de religião; tem as que trazem fatos históricos; tem as que trazem política e nos deixam coléricos de raiva.
Também tem crônicas Mona Lisa, onde a argúcia de Leonardo inclui símbolos e códigos que apenas ele e alguns poucos entendem; como aquela piada engenhosa que nos deixa com ar de bobo, ao ser compreendida só no dia seguinte.
E, entre tantas outras, tem a crônica despretensiosa que nos faz viajar e rir daquele que parece estar escrevendo para os outros, mas na verdade escreve para si próprio.
A mundrunga funciona bem quando a crônica junta coisas simples, como a sobra do almoço, e sai um belo arroz de forno para a janta; regado a azeite de oliva, pimenta e esmero.
Gosto da crônica que faz uso daquela frivolidade que – como o ponto e vírgula – enseja um pause; dobra o tempo e o espaço e pá (!): transporta o leitor para algum lugar – longe ou perto -– e o traz de volta; uma pessoa refletida, melhor.
Aliás, o próprio Veríssimo admitiu que não usava o ponto e vírgula; mas que se usasse, mesmo em lugar errado, poucos teriam autoridade para desafiar o mau uso. Ufa, me absolveu; como também me absolve Machado de Assis, ao usar o ponto e vírgula em Memórias Póstumas de Brás Cubas:
“Talvez espante o leitor a franqueza com que lhe exponho e realço a minha mediocridade; advirto que a franqueza é a primeira virtude de um defunto.”
Ah, quase me esqueço de dizer que encontrei o Carlão PV semana passada. Casou com uma fonoaudióloga bonitona, adotaram um casal de gêmeos e estão muito felizes.
(*) Marcelo Mendes Arigony é titular da 2ª Delegacia de Polícia Civil em Santa Maria, professor de Direito Penal na Ulbra/SM e Doutor em Administração pela UFSM. Ele escreve no site às quartas-feiras.
Bras Cubas, personagem ficticio, mostra que era consciente. Algo impensavel na aldeia.