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Fascismo eterno – por Orlando Fonseca

“É preciso estar atento aos sinais, que são muito claros na nossa realidade”

O escritor e especialista em semiologia Umberto Eco obteve reconhecimento mundial não apenas por romances como O nome da Rosa, mas também por formular conceitos ainda hoje vigentes nos estudos culturais e midiáticos. Tornou-se familiar entre os estudantes e profissionais de Comunicação, sociologia e antropologia, desde a segunda metade do século passado, por formular teses geniais que produziu ao longo da vida. Dele, e em especial do seu livro que tem o nome do título desta crônica, tomo emprestado alguns conceitos que, a meu juízo (ou falta de, tanto faz nesta hora da república), são urgentes.

Eco chama de “Ur-Fascismo”, ou fascismo eterno, as características que, junto, ou em partes, vigoram em sociedades totalitárias ou não. Para ele, aliás, o fascismo não é, necessariamente, totalitário, eis aí uma armadilha para os menos avisados. Muitos desses conceitos podem ser encontrados em despotismos ou fanatismos, mas que, facilmente redundam no modelo de regime fascista.

1. “A primeira característica é o culto à tradição. O tradicionalismo é mais antigo que o fascismo.” Dentre as várias implicações que isso traz, a mais grave, eu considero, é que “não pode existir avanço do saber”. Quem quiser pode enxergar aí o “negacionismo”, o terraplanismo, a antivacina.

2. “Recusa da modernidade” – o que podemos ver, em realidade, não é exatamente uma condenação ao modo de vida capitalista, mas de um irracionalismo.

3. “O culto à ação pela ação”, a qual deve ser realizada antes de e sem nenhuma reflexão: a emergência dos “sem-noção” e a explosão das fake news nas redes sociais é só um detalhe.

4. “Não aceitação do espírito crítico – para o fascismo eterno, o desacordo é traição”, nesse caso, liberdade de expressão só para quem concorda com as atividades do governo atual.

5. “Não à diversidade, busca de consenso utilizando e exacerbando o natural medo da diferença” – daí a percepção de misoginia, homofobia e racismo, por exemplo.

6. “O apelo às classes médias frustradas – desvalorizadas por alguma crise econômica”, no caso do nosso país, os que se acham ricos só consideram a sua situação percebendo que existem pobres ao seu redor.

7. “Nacionalismo, xenofobia” – no Brasil, uma permanente rejeição dos nordestinos.

8. “Os adeptos devem se sentir humilhados pela riqueza ostensiva e pela força do inimigo” Para Eco, isso gera uma contradição na propaganda oficial: os inimigos são ao mesmo tempo, fortes demais e fracos demais.

9. “Vida é luta”, o que significa “o pacifismo é conluio com o inimigo”: a vida é uma guerra permanente, em busca da solução final, para tanto é preciso armar a população.

10. “Elitismo”, e seu correspondente desprezo pelos fracos.

11. “Educação para o heroísmo, o herói passa ser uma norma e não uma excepcionalidade.”

12. “Vontade de poder associada a questões sexuais”: machismo, imbroxável, pintou um clima.

13. “Populismo qualitativo”: em uma democracia, o direito cidadão é exercido pelo conjunto; mas no fascismo, o povo é concebido como massa, exprimindo a vontade comum, expressa pelo Líder, o antigo caudilho, ou o atual messias.

Fica a dica: é preciso estar atento aos sinais, que são muito claros na nossa realidade, que continua após as eleições sejam quais forem os resultados (escrevo na tarde do domingo). Não estou inventando, os conceitos estão no livro citado, do escritor italiano, que conheceu ainda criança o que Mussolini e seus milicianos de Camisas Pretas fizeram em seu país. Ou seja, Umberto Eco não conheceu o que afirma no livro por ter estudado, mas principalmente por ter vivenciado. Procure se informar, pois a verdade pode significar liberdade (de fato).

(*) Orlando Fonseca é professor titular da UFSM – aposentado, Doutor em Teoria da Literatura e Mestre em Literatura Brasileira. Foi Secretário de Cultura na Prefeitura de Santa Maria e Pró-Reitor de Graduação da UFSM. Escritor, tem vários livros publicados e prêmios literários, entre eles o Adolfo Aizen, da União Brasileira de Escritores, pela novela Da noite para o dia.

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10 Comentários

  1. Discurso da midia engajada agora é ‘sempre fomos neutros, só estavamos fiscalizando’. Um grande site juridico afirmou a mesma coisa, mas cometeu um ato falho, logo em seguido largou um ‘é hora de largar as armas’. Finalmente, algo a ser observado, há um otimismo exacerbado de alguns. Vamos ver no que dá.

  2. Semana passada Um maluco membro do Partido Verde invadiu a casa da ‘presidente da Camara dos Deputados’ ianque. Armado com um martelo. Ela não estava, mas o marido estava. Acabou com um fratura no cranio, muitas nas mãos e num braço. Ou seja, há espaço para piorar.

  3. O decimo quarto ponto, convenientemente, ‘sumiu’. Trata-se da ‘novilingua’, a promoção de um vocabulario empobrecido para limitar o raciocinio critico. Quem não lembra do ‘preconceito linguistico’?

  4. Pulando para não ser extenso. Decimo. no original é ‘superioridade dos membros do grupo em relação aos de fora devido a pertencerem ao grupo’. Hierarquia dos grupos fascistas levando os lideres a desprezarem os subordinados. Decimo segundo, no original, tem mais a ver com a condenação de habitos sexuais não convencionais. Incluindo a abstinencia sexual. Decimo terceiro, aqui o pino quadrado foi encaixado no triangular, Vermelhos defendem o coletivismo, Cavalismo defende as liberdades individuais, da vacina as armas.

  5. Recusa da modernidade. Pos-modernidade é uma realidade. Alas, ignorantes e pessoas com problemas cognitivos defendendo a ‘racionalidade’ é sempre engraçado. Fake News existem dos dois lados. Negação do espirito critico: segurança das urnas, segurança das vacinas, lockdowns. Quinto no original é só ‘medo da diferença’, racismo e apelo contra imigrantes e estrangeiros. Ou seja, houve ‘acrescimo’. Sexto, medo da pressão economica da classe media devido as necessidades dos menos favorecidos. Obvio, a conta sempre estoura na classe media. Setimo no original é obsessão com uma conspiração, exacerbação do inimigo externo. Ha declarações atualmente contra os nordestinos porque elegeram o Rato Rouco, mas passa, é frustação com a derrota.

  6. Raciocinemos. O que tem a ver culto a tradição com “negacionismo”, o terraplanismo, a antivacina que são fatos relativamente recentes? Nada. Refinamento e interpretação de uma verdade já revelada tem mais a ver com religião, não com ciencia.

  7. Umberto Eco era semiologo e medievalista. De esquerda bem entendido. Também por isto os vermelhos infiltram a academia, facilitar o ‘Argumentum ad verecundiam’. Não parece ser o caso aqui. O ‘livro’ originalmente era um ensaio publicado em 1997, o que leva a conclusão de um ‘requentamento’ oportuno’ feito com o talento habitual.

  8. Barroso, ministro daqui, tem o costume de postar sugerindo um livro ou uma musica no final de semana. Não basta se achar a ultima bolachinha do pacote, há que se mostrar bagagem cultural para mostrar que se é melhor que os outros. Logo antes do segundo turno sugeriu ‘Ja vai tarde’. “Quem brinca com fogo um dia aparece queimado. Pra quem já foi rei é difícil ficar sem reinado. Não chora. Você quis pagar para ver. É tarde para se arrepender”. Ou seja, um ato politico e uma provocação. Respeito não é automatico, tem que ser merecido.

  9. Em junho deste ano um suspeito foi detido perto da casa de um ministro da Suprema Corte americana portando uma arma e uma faca. Apos a prisão declarou a intenção de assassinar o ministro. O mesmo personagem foi alvo de um ‘escracho’, ou seja, manifestantes foram até a casa do ministro ‘protestar’. Algo que já aconteceu com Yeda na epoca que era governadora. Ou seja, a historia que a população ianque não sabe os nomes dos ministros é coisa do passado faz tempo. Ao menos, como no Brasil, nas bolhas mais barulhentas.

  10. Rescaldo da eleição. Gente falando nas brigas entre amigos, entre familiares e depois metendo o pau num dos candidatos a governador. Hipocrita, defende ‘paz’ provocando. Outra, criatura causidica, ‘é necessario identificar o nucleo duro do Cavalismo, revogar o sigilo dos documentos e investigar possiveis casos de corrupção dos ultimos 4 anos’. Ou seja, Lawfare, buscar motivos para destruir reputação para acabar com um movimento politico. Burrice ou mau carater, mistura dos dois não se sabe, mas coisas como estas não se esquece.

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