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Os esquemas tóxicos da polarização política (e a nossa preguiça de pensar) – por Amarildo Luiz Trevisan

“Pensar diferente é motivo para crescer, não para romper uma boa amizade”

Outro dia postei um vídeo que fazia uma crítica à euforia coletiva em torno do show da Lady Gaga no Brasil. O vídeo comentava como muitas pessoas têm dificuldade em valorizar uma boa leitura, em se dedicar de fato à formação acadêmica, mas não medem esforços para passar horas em filas gigantescas, debaixo de sol, até usando fraldas, para ver a musa pop de perto.

Logo um colega me chamou atenção. Disse que eu estava sendo injusto, afinal, Lady Gaga defende causas importantes – como a saúde mental, o combate ao etarismo, a autoaceitação, a liberdade de expressão e os direitos LGBTQIA+. E que já foi até alvo de discursos de ódio por se posicionar dessa forma.

Na hora, rebati. Disse que hoje em dia a gente não pode mais fazer uma crítica sem ser arrastado para dentro da polarização política tóxica que engoliu o Brasil na última década. Mas depois fiquei pensando melhor. Talvez ele tivesse razão em parte. E talvez eu também. O problema não é concordar ou discordar. É que estamos presos demais a esquemas prontos de pensamento. Tudo vira rótulo, torcida, guerra. Quem pensa diferente vira inimigo. E qualquer crítica vira traição.

Enfim, dá pra dizer alguma coisa sem ser colocado automaticamente em um “time”? Será que tudo precisa ser polarizado? E mais: será que a gente ainda consegue pensar fora da caixa e desses esquemas prontos? O que está faltando quando sobra divisão e carecemos de união?

Talvez falta uma visão mais ampla. Falta pensar o todo. Não dá mais pra viver de fragmentos, de slogans, de respostas rápidas. E nisso, a Filosofia ainda tem muito a oferecer. Porque ela não separa a vida do pensamento, nem a técnica da ética. Ela pergunta: o que estamos fazendo com tudo isso? Que ser humano estamos construindo com nossas posições radicalizadas? Com que finalidade? A serviço de quais ideias de mundo?

A gente começa cedo, ensinando às crianças uma visão de educação compartimentada em disciplinas isoladas. Vai dividindo o saber em partes, formando especialistas que conhecem muito de um pedaço, mas têm dificuldade de conectar os pontos. A consequência são pessoas que se formam sem visão de conjunto, sem horizonte, sem criticidade – e ainda dispostas a abraçar ideias prontas, como se fossem um prato feito (PF) servido à la carte em um restaurante.

Enquanto a sociologia, a psicologia e a história da educação ajudam a entender aspectos importantes do processo educativo, a filosofia tenta religar o que foi separado. Ela pergunta pelo sentido. E essa pergunta, hoje, parece esquecida.

Voltando à Lady Gaga: minha crítica não era às causas que ela defende – até porque também apoio muitas delas. Ela também levanta bandeiras importantes como a educação, a igualdade racial e a luta contra a violência. Mas o que me incomodou foi o contraste: a disposição em se sacrificar pela idolatria de um ícone da cultura pop e, ao mesmo tempo, a dificuldade em dedicar tempo e energia para a própria formação, para o próprio crescimento.

Talvez caiba à musa, em algum próximo refrão, lembrar que a teoria também merece palco. Que a liberdade que tanto celebramos passa, necessariamente, pela liberdade de pensar – e de não se deixar capturar por nenhuma idolatria, seja ela política, ideológica ou pop. E que eu e meu amigo possamos continuar discordando sem problema algum – porque pensar diferente é motivo para crescer, não para romper uma boa amizade.

(*) Amarildo Luiz Trevisan é Licenciado em Filosofia no Seminário Maior de Viamão, tem o curso de Teologia, é Mestre em Filosofia pela UFSM, Doutor em Educação pela UFRGS e Pós-doutor em Humanidades pela Universidade Carlos III de Madri. Desde 1998 é docente da UFSM. É professor de Ciências da Religião e vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE/UFSM).

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7 Comentários

  1. Resumo da opera II. ‘ […]’porque pensar diferente é motivo para crescer, não para romper uma boa amizade.’ Não quando o objetivo é ‘voce tem que pensar igual a mim e com o tempo vou convece-lo disto’.

  2. Resumo da opera. Polarização não é novidade no Brasil. Vermelhos sempre se definiram como ‘a negação do que esta ai e destes que ai estão’. Foi assim com os ‘cumpanheros’ tucanos. Depois largaram as pautas identitarias. Têm a idéia burra e mecanicista de que todas as consequencias são todas previsiveis. Identidade se relaciona com existencia. E ameaça existencial não é algo a ser tolerado.

  3. Voltando a Lady Gaga. Prefeitura patrocinou o show. Depois chutou um numero para o ‘retorno financeiro’. Redondo ainda por cima. O dinheiro que falta na saúde da cidade do RJ é gasto em ‘investimentos’. Só que a doença não espera o dinheiro retornar.

  4. ‘Enquanto a sociologia, a psicologia e a história da educação ajudam a entender aspectos importantes do processo educativo, a filosofia tenta religar o que foi separado.’ Escolas estão formando analfabetos funcionais que não sabem as 4 operações basicas de matematica. Pais precisa de médicos, cientistas da computação, engenheiros, quimicos, biologos. Vermelhos acham que tudo se resolve com politica. E muito mimimi. Sem problema, teremos inteligencia artificial fornecida pelos paises desenvolvidos.

  5. ‘A gente começa cedo, ensinando às crianças uma visão de educação compartimentada em disciplinas isoladas. Vai dividindo o saber em partes, formando especialistas que conhecem muito de um pedaço, mas têm dificuldade de conectar os pontos.’ Os ‘genios’ da educação no Brasil tentaram corrigir isto. Misturando tudo. Para embutir ideologia no meio. Vide Enem. Pais despencou nos rankings mundiais de educação. É um envelope de KiSuco para cada 1000 litros. Um pista. Se despencou é porque antes estava menos ruim.

  6. Lady Gaga, como qualquer artista, tem ascenção, auge e decadencia rumo ao nicho. Ja aconteceu com a Kate Perry, em breve com a Taylor Swift. Os mais antigos vão lembrar de Alanis Morrissette e Avril Lavigne. Sem demerito, Gaga tem talento, sabe cantar. Alem do mais a idade não perdoa ninguém, a voz perde.

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