Artigos

O dever do antirracismo em uma sociedade racista – por Valdeci Oliveira

"Ser antirracista é incorporar a luta contra o racismo como princípio ético”

Na véspera do Dia Nacional da Consciência Negra, data que será comemorada neste domingo, 20 de novembro, dia da morte de Zumbi dos Palmares, nunca é demais lembrar que não basta ser (ou se posicionar) contra o racismo. Dia após dia, a realidade posta-se diante dos nossos olhos, faz-se ouvir e insiste em nos mostrar que ser contra o racismo é pouco. Em última análise, no geral, ser contra algo que a legislação brasileira tipifica como crime é até esperado, óbvio e confortável para aquele e aquela que assim se posiciona. Ir além é construir um pensamento antirracista – necessário e urgente -, uma consciência crítica tanto de quem sofre como de quem perpetra e reproduz atitudes e conceitos abjetos como o racismo.

É preciso reconhecer que a valorosa e aguerrida luta dos nossos irmãos e irmãs, pretos e pretas, digna de exemplo a ser seguido, é e continuará sendo necessária. Importante ver que esse combate, independentemente do apoio da sociedade e das suas organizações não-governamentais, tem dono, nome, cara e CPF e que não precisa da autorização, pena ou caridade dos brancos. Muito menos carece do favor de governos ou da chancela alheia. Aliás, reconhecer tal protagonismo talvez seja um dos primeiros passos nesse “beabá” formado por uma história entremeada de injustiça, covardia e supressão daquilo que é o mais básico: enxergar o outro como outro e não como algo.

A historiografia brasileira, mesmo marcada – a depender da época e de poucos autores e autoras – com algumas grossas pitadas de relativismos, minimizações ou negacionismos aqui e acolá, é rica em mostrar que as revoltas dos negros e negras foram inúmeras, que a consciência acerca das arbitrariedades sofridas era presente e que a resistência se mostrou de várias formas e graus desde que para cá foram arrastados involuntariamente e comercializados a partir de anos 1500 em “substituição” aos nossos povos indígenas.

Destacar os nomes dos homens e mulheres que organizaram, lideraram e provocaram rebeliões nos séculos que se seguiram resultaria, a partir da não citação de alguém, em prováveis injustiças. E se acrescentar a estas linhas aqueles e aquelas que se destacaram em seus respectivos campos do fazer e saber da cultura nacional tornaria a lista infindável.

Ser antirracista é não se calar diante das posturas de superioridade racial, seja de quem for e mesmo – principalmente – não sendo conosco. É denunciar e cobrar das autoridades legalmente constituídas. É não normalizar casos como o de Genivaldo de Jesus, do pedreiro Amarildo Souza ou da vereadora Marielle Franco.

Ser antirracista é incorporar a luta contra o racismo como princípio ético, tê-la como prática diária e natural enquanto seres humanos, categoria que nos coloca como animais racionais, sociais e políticos – não apenas no caráter partidário, mas no sentido amplo do termo.

Ser antirracista é não tolerar alguém se referindo à medida de peso de um negro em arroba e, pior, achar graça em tamanha boçalidade. Ser antirracista é não tolerar a intolerância, é não fazer eco à discursos raciais que se dizem pretensamente inclusivos contra as cotas, é não adotar posturas de exclusão, é não rir da piada que rebaixa aquele que tem pigmentação de pele diferente.

Como bem formulou a professora e ativista estadunidense Ângela Davis, numa sociedade de passado escravocrata como a nossa, não basta não ser racista: é preciso ser antirracista.

Pode não parecer, mas lutar por isso e interiorizar esse pensamento em nossas estruturas sociais não é pedir demais. Longe disso, é o mínimo que devemos fazer.

(*) Valdeci Oliveira, que escreve sempre as sextas-feiras, é deputado estadual pelo PT e foi vereador, deputado federal e prefeito de Santa Maria. É também o atual presidente da Assembleia Legislativa gaúcha.

Artigos relacionados

ATENÇÃO


1) Sua opinião é importante. Opine! Mas, atenção: respeite as opiniões dos outros, quaisquer que sejam.

2) Fique no tema proposto pelo post, e argumente em torno dele.

3) Ofensas são terminantemente proibidas. Inclusive em relação aos autores do texto comentado, o que inclui o editor.

4) Não se utilize de letras maiúsculas (CAIXA ALTA). No mundo virtual, isso é grito. E grito não é argumento. Nunca.

5) Não esqueça: você tem responsabilidade legal pelo que escrever. Mesmo anônimo (o que o editor aceita), seu IP é identificado. E, portanto, uma ordem JUDICIAL pode obrigar o editor a divulgá-lo. Assim, comentários considerados inadequados serão vetados.


OBSERVAÇÃO FINAL:


A CP & S Comunicações Ltda é a proprietária do site. É uma empresa privada. Não é, portanto, concessão pública e, assim, tem direito legal e absoluto para aceitar ou rejeitar comentários.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Botão Voltar ao topo