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A experiência de governar o Rio Grande por dois dias – por Valdeci Oliveira

Os pensamentos do político ao ocupar o principal cargo de comando do Estado

Com uma caminhada de quase meio século de militância política, experimentando tanto vitórias quanto dissabores, articulando e buscando construir consensos, lutando pela construção de um mundo mais justo e igualitário, muito aprendi nessa trajetória ao lado de companheiras e companheiros de jornada. Mas as 48 horas em que estive à frente do executivo estadual como governador em exercício do Rio Grande do Sul, entre o último domingo (11) e a última terça-feira (13), me presentearam com uma experiência que levarei para o resto da minha vida.

Sim, muitos podem dizer que se tratou de algo simbólico, protocolar, uma situação que deve ser avaliada a partir de uma visão republicana. De fato, o foi, pois para mim a política é algo sério e deve ser encarada de forma respeitosa sem que abdiquemos de nossas convicções.

Por estar na condição de presidente da Assembleia Legislativa gaúcha, coube a mim, conforme previsto em nossa Constituição, substituir o governador de fato, Ranolfo Vieira Júnior, que estava cumprindo compromissos fora do estado. E procurei exercer esse rápido mandato da forma mais transparente e reta possível. E acredito ter conseguido.

Esse exercício a que fui chamado a cumprir me proporcionou sentir, mesmo que de forma diminuta, o peso da responsabilidade. Tivesse acontecido algum imprevisto, uma situação mais crítica do ponto de vista administrativo ou de governabilidade, não poderia fugir da minha obrigação enquanto chefe do executivo e buscar dar uma resposta resolutiva à questão. Não foi preciso. Mas se tivesse sido, não me furtaria.

Durante a transmissão do cargo, cheguei a dizer ao governador que aquele ato era o símbolo da harmonia existente entre os poderes executivo e legislativo gaúchos, situação que contrastava com o cenário de polarização exagerada que vivemos enquanto país nos últimos anos. E se fosse necessário, na sua ausência, ter de tomar alguma decisão não o faria sem antes informá-lo e consultá-lo. Estar na oposição por conta da escolha do povo não me conferiu o direito de quebrar a confiança de quem quer que seja.

Nessas poucas mais de 48 horas, realizei, no Palácio Piratini, uma série de encontros, reuniões, audiências e conversas com várias e diferentes forças políticas, empresariais e sociais da sociedade gaúcha. Com a Federação de Entidades Empresariais do RS (Federasul) e a Federação das Apaes do RS, formalizamos o ingresso dessas entidades ao Movimento Rio Grande Contra a Fome.

Com a CUT, discutimos pautas de interesse dos trabalhadores, como a necessidade de valorização dos salários e criação de oportunidades de emprego e renda. E com lideranças da Região Central do estado, muitos com pensamento político oposto ao meu, convergimos para a união de esforços em torno dos interesses em infraestrutura, saúde e educação da população de Santa Maria e municípios do entorno.

Nesses pouco mais de dois dias, abrimos a agenda para uma infinidade de conversas que, tenho certeza, irão gerar frutos logo mais adiante. Nesses pouco mais de dois dias, fortaleci minha convicção de que não podemos mudar o que somos por conta dos cargos que ocupamos. Que não devemos fechar os olhos nem os ouvidos por estarmos num Palácio de beleza arquitetônica inebriante e cujos murais de Aldo Locatelli nos convidam à sua apreciação permanente tamanho é o impacto visual que nos proporciona.

Entre um compromisso e outro – principalmente tarde da noite, depois do expediente encerrado – me pegava pensando o que faria se de fato tivesse o poder da caneta e os destinos no Rio Grande em minhas mãos. Impossível não conjecturar a respeito, principalmente para quem atua na política, acredita piamente que as transformações sociais passam por ela e que naquele momento ocupava o cargo máximo de chefia do estado.

Imaginava eu fazendo das tripas coração para garantir pelo menos três refeições diárias a quem tem fome, um emprego digno a quem vive na informalidade, saúde plena a quem depende do sistema público, escolas bonitas e agradáveis a quem precisa de formação e conhecimento.

A cada desejo, outros tantos surgiam como necessários para que os primeiros se concretizassem, num complexo jogo de ação e reação em que cada movimento resulta em uma infinidade de conceitos, convencimentos, maioria de votos e orçamentos condizentes. Foi assim quando fui prefeito por oito anos da minha querida Santa Maria e certamente assim seria, em maior grau, se governador fosse.

Nessas poucas mais de 48 horas como governador, aprendi um pouco mais sobre aquilo que molda a nossa existência: a vida é uma contínua estrada em que as experiências a que somos expostos são a pavimentação que garantem, sob nossos pés, o caminho a ser trilhado e os desejos a serem compartilhados. E que fora dela, pouco ou quase nada pode ser feito, pouco ou quase nada evoluímos. E aproveitar esses momentos é tirar deles as melhores partes que nos transformam enquanto sujeitos do nosso destino.

(*) Valdeci Oliveira, que escreve sempre as sextas-feiras, é deputado estadual pelo PT e foi vereador, deputado federal e prefeito de Santa Maria. É também o atual presidente da Assembleia Legislativa gaúcha.

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