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Fechado para balanço – por Marta Tocchetto

“O legado ambiental maldito deixado por Bolsonaro será de difícil concertação”

O custo total da destruição ambiental é praticamente inimaginável e impagável financeiramente.

O Brasil está fechado para balanço contabilizando o rombo ambiental deixado pelo governo Bolsonaro. Os quatro anos foram marcados por todo o tipo de desgraça ambiental. O propósito sempre foi de terra arrasada. Não deixar pedra sobre pedra!

A legislação ambiental foi questionada, desautorizada e cancelada sob a justificativa inaceitável de impedir o desenvolvimento e o progresso. A impunidade aumentou. Garimpo em terras indígenas, envenenamento dos rios, derrubada da floresta, queimadas, invasão de terras, práticas que receberam o carimbo oficial e autorização para ocorrem livremente.

A liberação de agrotóxicos nunca foi tão expressiva. Venenos banidos em outras partes do mundo aqui ganharam espaço e mercado no agronegócio, sob a justificativa de aumentar a produção de alimentos. A realidade é bem outra – aumentar os lucros estratosféricos do setor ampliando a destruição dos biomas e o envenenamento da biodiversidade e de bens naturais essenciais.

Os órgãos ambientais e de controle não ficaram fora do esquartejamento – desestruturação, desaparelhamento, redução e apagão do corpo técnico, cortes de verbas, cargos com critérios político-ideológicos. A morte dos defensores e protetores do meio ambiente foi uma prática crescente deixando os povos da floresta, ribeirinhos e comunidades tradicionais à mercê da sorte e dos matadores de aluguel.

Manipulação de números e estatísticas, descrédito aos dados científicos, aos cientistas e às pesquisas para distorcer a realidade e maquiar cenários – “a floresta se mantém intocada como em 1500”, afirmou o presidente em diversos fóruns internacionais contradizendo satélites e programas de monitoramento. O processo de reconstrução a ser enfrentado pelo futuro governo exigirá investimentos financeiros vultuosos, recomposição dos quadros técnicos e muita articulação nacional e internacional.

Tomando como base o estudo “Valoração Espacialmente Explícita dos Serviços Ecossistêmicos da Floresta Amazônica Brasileira”, de 2018, promovido pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), se a taxa de desmatamento se mantivesse constante durante doze meses do ano, chegaríamos aos astronômicos 7 bilhões de reais em perdas ecossistêmicas anuais. O custo total da destruição é praticamente inimaginável e impagável financeiramente. Há efeitos irreversíveis, cuja recuperação será impossível.

O Observatório do Clima, que reúne 65 organizações não governamentais ambientalistas, avalia que entre 80 e 100 legislações e normas antiambientais precisam ser reavaliadas e revogadas nos primeiros dias. São medidas que provocaram o desmonte da política ambiental nacional. Com elas em vigor, avanços serão quase impossíveis. Uma das prioridades deverá ser a reestruturação do Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA), desestruturado e exaurido no governo Bolsonaro.

A imagem do Brasil também exigirá um resgate habilidoso e diplomático, pois o país caiu em descrédito passando de referência a pária negacionista. O Brasil está desacreditado perante o mundo no combate ao desmatamento ilegal, na proteção da floresta e das comunidades originais, assim como na transição para uma economia de baixo carbono enfrentando o domínio dos combustíveis fósseis que necessitam ser substituídos urgentemente por alternativas mais limpas.

Somam-se medidas que combatam a fome, a pobreza, as desigualdades socioambientais, o garimpo ilegal, a grilagem de terras e tantas outras mazelas deixadas pelo período Bolsonaro. Atualmente, o país guarda a imagem de uma terra sem lei, sob o domínio de grupos que acima de tudo defendem a impunidade, o estado autoritário e o descrédito às instituições democráticas espalhando o medo, o terror e o ódio.

A eleição de Luiz Inácio Lula da Silva é um sopro de esperança na reversão de todo esse cenário de destruição socioambiental. A participação na COP 27, Conferência do Clima, no Egito, teve gosto de saudade, pois o mundo estava ansioso pela volta do Brasil à pauta climática. O mundo vibrou com o retorno aos compromissos para zerar o desmatamento ilegal e para implantar políticas de transição para um novo modelo econômico.

A repercussão do discurso de Lula, mesmo ainda não tendo sido empossado, foi de vibração e de enfrentamento ao maior problema ambiental mundial, as catástrofes climáticas. Representa, quem sabe, passos mais lentos em direção ao inferno climático, como afirmou o Secretário Geral da ONU, Antônio Guterres, na abertura da conferência. Infelizmente, a COP 27 teve resultados bastante tímidos e incipientes considerando o cenário altamente preocupante projetado pelos cientistas.

O legado ambiental maldito deixado pelo governo Bolsonaro será de difícil concertação. A nova ministra, seja Marina Silva ou outro escolhido, terá um trabalho árduo a partir de janeiro de 2023. Meio ambiente no atual governo ganhou contornos político ideológicos, enquanto deveria ser tratado como uma política transversal do estado brasileiro, pois afeta todas as áreas.

É insustentável afirmar que a legislação ambiental que visa proteger o principal capital de uma nação, o capital natural, seja uma barreira para o crescimento econômico, desenvolvimento e para a produtividade. Sensibilizar um Brasil polarizado, onde o ódio e o golpismo foram espalhados como produtos de primeira necessidade, demandará a reunião de forças de todos aqueles que acreditam que não há vida em meio a destruição ambiental, a desigualdade social e a injustiça climática. 

(*) Marta Tocchetto é Professora Titular aposentada do Departamento de Química da UFSM. É Doutora em Engenharia, na área de Ciência dos Materiais. Foi responsável pela implantação da Coleta Seletiva Solidária na UFSM e ganhadora do Prêmio Pioneiras da Ecologia 2017, concedido pela Assembleia Legislativa gaúcha. Marta Tocchetto, que também é palestrante em diversos eventos nacionais e internacionais, escreve neste espaço às terças-feiras.

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Um Comentário

  1. Hummmm…..Necessario dar um banho de sal grosso no ‘Legado Ambiental do Cavalão’ então. Uns 10 bilhões deve pagar. 3 bilhões de comissão, 6,5 bilhão para ONG’s e uns 500 milhões para publicidade.

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