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Memória – por Elen Biguelini

A transformação em história e o exemplo do Museu do Holocausto

Antes de podermos falar de patrimônio em si, é preciso discutir o conceito de memória.

Existe, claro, uma memória pessoal; guardada pelos indivíduos dos acontecimentos que foram relevantes ao seu passado: uma caminhada pela praia com os pais, um aniversário, uma brincadeira, a formatura, o casamento, etc…

Mas existe também uma memória coletiva, que importa especialmente quando se fala de patrimônio, pois é aquela que se refere aos acontecimentos e sentimentos de um grupo como um todo. Há, por exemplo, a memória do Holocausto e do sofrimento daqueles que sobreviveram aos campos de concentração, que precisa ser preservada.

O Museu do Holocausto em Curitiba faz este trabalho muito bem, tendo gravado relatos em vídeo de alguns sobreviventes. A visita (que deve ser agendada) marca os turistas e estudantes pela força destes relatos que descrevem desde a fuga de suas casas e os movimentos de reação ao regime nazista, até a fome e as experiências nos campos de concentração.

A visita a este museu é uma boa forma de compreender que a memória sobrevive também em objetos, desenhos e peças de arte e não apenas na mente dos sobreviventes. Logo à entrada do local, seu visitante se depara com uma instalação de malas que pertenceram aos judeus falecidos nos campos de trabalho e extermínio em frente a uma foto em preto e branco do local onde estavam estes objetos.

A sala causa choque, mas – e mais importante que isso – cria um ambiente de reflexão. As vidas daquelas pessoas que não sobreviveram ao regime de terror nazista resistem naquelas pequenas peças. Um brinquedo de criança, uma carta entregue a um conhecido para ser entregue a um ente querido que pode ou não ter sobrevivido… Todos estes objetos fazem parte de uma memória que não pertence somente à figura que os guardou até ser entregue ao museu, mas também a todas as pessoas do mundo.

Segundo Maria Leticia Mazzucchi Ferreira, “[a] construção de um passado legítimo passa por mecanismos de institucionalização que formalizam a interação entre as políticas de memória e os grupos sociais que serão, em última instância, aqueles que o reelaboram para transmiti-lo às gerações futuras” (Ferreira; 2012, 9).

E é exatamente isto que é feito pelo museu aqui mencionado. A existência de um local que guarda a memória coletiva de um povo e de uma circunstância permite que aqueles acontecimentos sejam conhecidos pelas netos e bisnetos daqueles que puderam ouvir os relatos contados pelos sobreviventes.

A memória se torna, então, história.

Outro momento que gerou uma memória coletiva marcante e que sobreviverá por meio dos objetos e memoriais futuros é, infelizmente, lembrada nesta data em especial pelos santa-marienses. Aos 10 anos do Incêndio da Boate Kiss é ainda por meio de documentários, imagens e relatos que guardamos os acontecimentos. As futuras gerações terão locais de memória para relembrar este infeliz acontecimento, que já se tornou parte da História de Santa Maria, do Rio Grande do Sul e de todo o Brasil.

Deixamos aqui nossos sentimentos a todos os familiares e amigos dos falecidos. Que seus rostos e vidas nunca sejam esquecidos!

Para quem tiver interesse, o Museu do Holocausto em Curitiba funciona segundas, terças e quartas durante as manhas e as tardes, e nas sextas e domingos pela manhã. Toda visita é gratuita, mas deve ser agendada pelo site https://www.museudoholocausto.org.br/

Referências:

Ferreira, Maria Leticia Mazzucchi (2012), “Entre memória e patrimônio. A difícil gestão do passado”. In. Historiæ, número 3. Rio Grande, pp. 09-26.

(*) Elen Biguelini é doutora em História (Universidade de Coimbra, 2017) e Mestre em Estudos Feministas (Universidade de Coimbra, 2012), tendo como foco a pesquisa na história das mulheres e da autoria feminina durante o século XIX. Ela escreve semanalmente aos domingos, no Site.

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3 Comentários

  1. ‘Polemica’ na aldeia na ultima semana foi concluir que não existe uma regra geral para lidar com o acontecido. Tem gente que não consegue assimilar o ‘tenho minha opinão, quem não gostar que se lasque’. Não significa desrespeito aos mortos ou seus familiares (argumento de pressão mais utilizado). O busilis todo é a utilização de dinheiro publico para construção do memorial (alás, os estudantes de SM serão condenados a frequentar o local querendo ou não, tudo muito ‘democratico’). Iniciativa de um alcaide sem prioridades, marketeiro que só pensa em votos. As bolhas das patotinhas da aldeia fazem discursos e escrevem textos para ‘convencer’ a população que é ‘correto e justo’. Assumem que convenceram (afinal foram os ‘bonitos’ e ‘bonitas’ da urb que discursaram e escreveram). Grande maioria não está ai, não liga para o assunto. A construção sai e os divergentes que passem maionese e engulam. Depois é ‘posto de saude tal só esta marcando consultas presencialmente porque roubaram os fios telefonicos’ (nesta hora não existe celular). Daqui 50 anos nada impede que o memorial esteja como a Casa de Cultura esta hoje (e na da impede que mesma tenha desmoronado). Sem stress, é assim mesmo que ‘funciona’.

  2. Curitiba tem muitas coisas para visitar. Opera de Arame, Jardim Botanico, gastronomia na Santa Felicidade. É um outro Brasil, povo é diferente. Há quem goste de subir morro a pé no fds, outros atravancam a BR101 descendo para Camburiu. Ou seja, há facilidade de acesso, cultura é outra, maior chance de visitarem museus. Curitiba tinha as vantagens de SP e não era tão populosa. Agora quem vai entrar na aeroporto da cidade pela Avenida das Torres (fica em S. Jose dos Pinhais) sabe que errar o caminho não é bom negocio.

  3. É nesta hora que o pessoal ‘dãããã dãããã’ larga um ‘quem não concordar não tem empatia’. É o que sobrou do ‘ facista, misogino, racista, homofobico’. Ha quem diga que a empatia pode degenerar em simpatia ou antipatia. Simpatizo com a apatia. Dois erros, comparar aldeia com Curitiba e o Holocausto com a Kiss. Faz parte das hiperboles interioranas. Holocausto foi exterminio em escala industrial com organização burocratica. Numero mais citado são 6 milhões. Geralmente os outros 5 milhões são deixados de lado. LGBT’s, pessoas com defeitos fisicos, opositores, ciganos, maçons (falam em 150 mil). Estes quase nunca são citados. Interessante que os numeros não são tão diferentes assim.

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