O Comissário Guevos – por Marcelo Arigony
Lá na metropolitana, em uma dessas caminhadas, trabalhei com o comissário Guevos. Homem grande, forte como o Tarzan, melenudo daqueles que não gostam de revelar a idade. A estampa denunciava a casa dos quase setenta, mas ainda garboso namorador, tipo raro como viúvo no Tinder. Ele próprio dizia-se o Diabo: antigo, mas não velho.
Chama-se Marçal, sobrenome Paz, eu acho. Gostava do apelido inusitado, de duplo sentido, que ganhou porque vendia ovos, queijo e uma mandioca espetacular. Se quisesse vê-lo injuriado, era esperar vir chegando e gritar que vinha entrando o homem da mandioca macia. Mas isso já é outra história… Ele trazia essa feira de um sítio que a família tem em Águas Claras, município de Viamão.
Radicado em Porto Alegre há muitos anos, Guevos é daqueles ratos cola fina que proseia em gíria, usa correntão de ouro e anel, dois botões de camisa aberta, sapato bicudo de matar barata no corner. Mas por vezes essa pinta toda ainda abria espaço para gestos que denunciavam a remota raiz. Não perdera a cisma do gaúcho da barranca do Ibicuí de Manoel Viana.
Os feitos do comissário – e sobre o comissário – eram lenda urbana nos botecos da noite porto-alegrense. Uma vida na segurança, já tinha feito quase tudo. Depois de umas cervejas tinha até sido pracinha. Sentou praça, mas prestes a desembarcar da belonave em uma tal Normandia foi selado o armistício… Se somar as idades e datas não fecha, mas como não chegou a desembarcar, o causo vale a medalha, de sobe…
Ainda firme na atividade policial, agarrado a um revolvão de faroeste, fazia a intimação sozinho em todas as bocas entaipadas da área, no Rubem Berta. E também em Alvorada e Viamão. Ia num VW Gol bolinha quebrado, de peito aberto. Mas a malandragem já conhecia o bolinha do comissário, e respeitava, talvez para manter o equilíbrio. Sabiam que ali só vinha papel. Se fosse cana dura não era ele que ia, nem essa viatura.
O Guevos era de uma psicologia incrível para lidar com bandido sem fazer força. Às vezes coelho, largava na frente sozinho, levando o mandado, pra ver se algum furioso se apresentava, e a gente poupava tempo. Aí logo em seguida ele aparecia naquele Gol, mais o malaco (e a mãe de carona), já de banho tomado, penteado, mochila e escova de dente, pronto pra puxar a cana de boa. O Diabo é poderoso porque é antigo mesmo…
Ele ficava magoado porque não ia nas quentes, preservado pela idade, e pra não queimar o filme. Chegava cedo e via o pessoal se fardando, colete e fuzil, e gritava:
– Hoje vou junto major. O senhor sabe que sou da conversa, mas se é pra dá pau, vamo dá pau! Aí vamo dimulí major! É difunto major! É difunto! (em portoalegrês nativo)
– Calma comissário. Ninguém vai dar pau. Fica aí pra não queimar o teu filme. A diplomacia é o melhor caminho. Temos que te poupar …
E ele franzia o cenho, meio cabreiro, mas aceitava e ficava na base.
– Então deixa comigo major. Fico aqui tomando conta do Distrito.
Naquele tranquinho de zurrilho, no gol bolinha, ele fazia mais que uma delegacia inteira faz com faca, bala e pingo de solda. Era o próprio general da diplomacia do Sun Tzu.
a ser continuado…
(*)Marcelo Mendes Arigony é titular da 2ª Delegacia de Polícia Civil em Santa Maria, professor de Direito Penal na Ulbra/SM e Doutor em Administração pela UFSM. Ele escreve no site às quartas-feiras.
O que lembra as cenas do domingo. Barreira. Meia duzia de Papa Mike. Numero indeterminado de manifestantes. Teor da conversa indeterminado. Dali a pouco uma criatura pega um ‘extintor de incendio’ de gas lacrimogeneo e ‘jateia’ os manifestantes. Bastante ‘esperto’. Alguns criticam a falta de ação. Sem coordenação, em menor numero, depois que a vaca foi pro brejo é, como disse Marta Suplicy, relaxa e goza. Cavalos? Numa situação daquelas até proteção para os olhos deveriam ter. Bagaça virou uma Operação Filhote de Avestruz.