Ouro e toras da Amazônia foram escondidas até que as coisas esfriem – por Carlos Wagner
Donos de garimpos e madeireiros ilegais recuam quando ‘as coisas esquentam’
Os donos dos garimpos e os madeireiros ilegais que operam na Floresta Amazônica não são amadores. Muito pelo contrário. Eles têm um modo de operar que vem sendo aperfeiçoado ano a ano e nos dias atuais está no seu auge. O sistema é simples. Eles fazem alianças com governos municipais, estaduais e federal e ficam de olho no quadro político. Em anos eleitorais, aceleram o seu trabalho, porque não têm certeza de que o seu aliado será eleito.
Não foi por outro motivo que no último ano do governo do ex-presidente da República Jair Bolsonaro (PL) o desmatamento da floresta se acelerou. Segundo o monitoramento por satélite do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), em 2022 o desmatamento atingiu quinto recorde anual, uma área de 10.573 quilômetros quadrados. E os garimpos instalados nas reservas indígenas se alastraram e aumentaram o ritmo de trabalho, como aconteceu da terra yanomami, uma vasta área no estado de Roraima, na fronteira com a Venezuela.
Os garimpos levaram a fome para área indígena, reduzindo homens, mulheres e crianças a pele e ossos. As fotos dos yanomami desnutridos foram manchete nos jornais ao redor do mundo. No meio da floresta existe ouro garimpado e madeira estocada esperando as coisas esfriarem para serem vendidos. É assim que as coisas funcionam naquele pedaço do Brasil. Aprendi isso durante os últimos 30 anos, fazendo reportagens sobre garimpeiros e madeireiros na Floresta Amazônica. É sobre isso que vamos falar.
Lembro que, no primeiro ano do mandato do governo Bolsonaro, escrevi que eram intensas as negociações entre donos de garimpo, madeireiros ilegais e cabos eleitorais bolsonaristas. Foi o que notei em 2019, quando andei pela região. O ex-presidente demorou mais ou menos um ano para estruturar o seu círculo íntimo de líderes, entre eles os chamados Generais do Bolsonaro, como foram apelidados pela imprensa os militares (ativa, reserva e reformados) que ocupavam postos estratégicos na administração federal.
Foram eles que desmontaram dois órgãos federais de fiscalização, facilitando a vida dos garimpeiros e madeireiros: o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai).
No ano passado, quando as pesquisas eleitorais apontavam Luiz Inácio Lula da Silva (PT) como candidato preferencial a presidente da República, os garimpeiros e madeireiros intensificaram o trabalho na floresta. E, depois das eleições, apostaram na ideia dos bolsonaristas que poderiam reverter o resultado das urnas. Mas deu tudo errado.
A tentativa contra a eleição de Lula entrou para a história como os atos terroristas de 8 de janeiro, quando bolsonaristas radicalizados quebraram tudo que encontraram pela frente no Congresso, no Palácio do Planalto e no Supremo Tribunal Federal (STF), na Praça dos Três Poderes, em Brasília (DF). No final, 1.028 foram presos preventivamente, 637 homens, que estão no Complexo da Papuda, e 391 mulheres, detidas na Penitenciária Feminina.
Logo nas primeiras semanas do novo governo veio a público a situação miserável dos yanomami. Imediatamente, a Força Aérea Brasileira (FAB) fechou o espaço aéreo da terra yanomami, como tinha feito em 1993, quando um grupo de indígenas foi morto por garimpeiros na fronteira com a Venezuela.
Meses depois do massacre estive lá fazendo reportagens. Soldados dos pelotões de selva do Exército montaram vigilância na área. Aqui vale uma observação. Esses soldados geralmente são filhos de índios e de ribeirinhos da região. Portanto, conhecedores dos caminhos dos garimpeiros. Agentes da Polícia Federal (PF) começaram a investigar o caminho seguido pelo ouro depois que é garimpado. E o Ministério Público Federal (MPF) começou a agir.
Somando tudo que escrevi, significa que se formou um ambiente muito hostil para os garimpeiros e madeireiros ilegais. Como acontece nessas ocasiões, eles suspenderam o comércio do ouro e da madeira até que a “situação esfrie” para voltar aos negócios. Parte dessa madeira está estocada no meio das toras extraídas legalmente pelas madeireiras e outra parte armazenada no meio da floresta.
Vi essa situação no interior do Acre, no começo da década de 90, quando trabalhei no caso da morte do seringueiro, sindicalista e ecologista Chico Mendes, morto a tiros na porta da sua casa, em Xapuri (AC). Em 2021, o delegado da PF Alexandre Saraiva fez um inquérito policial sobre o envolvimento do então ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles com o contrabando de madeira. Esse inquérito é uma boa leitura sobre como as coisas acontecem na Amazônia.
O ouro garimpado simplesmente está parado nos cofres aguardando dias melhores para ser comercializado. Os donos dos garimpos, em especial os da terra yanomami, já deixaram a região há um bom tempo. E abandonaram à própria sorte os garimpeiros que haviam levado para trabalhar na reserva. Todo trabalhador de garimpo sabe que é assim que as coisas funcionam. O dono vai embora e ele precisa sair de lá por sua conta.
O senador Chico Rodrigues (PSB-RR), que é presidente da Comissão Temporária Externa na Terra Yanomami do Senado, também sabe como as coisas funcionam no garimpo. Tanto que, por sua conta e risco, na segunda-feira (20/02) foi de avião até a reserva indígena. O que o senador foi fazer lá? É o que os seus colegas de comissão estão tentando descobrir.
A ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, também é conhecedora de como as coisas acontecem nos garimpos. Ela nasceu no Acre e trabalhou com Chico Mendes. Conheci-a em Xapuri, durante o julgamento dos matadores de Chico, assassinado por Darci Alves a mando do pai, Darly Alves da Silva.
Todos sabem como as coisas funcionam por lá. Os donos dos garimpos e madeireiros ilegais recuam na hora que “as coisas esquentam” e voltam a operar quando “as coisas esfriam”. Vai continuar sendo assim?
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(*) O texto acima, reproduzido com autorização do autor, foi publicado originalmente no blog “Histórias Mal Contadas”, do jornalista Carlos Wagner.
SOBRE O AUTOR: Carlos Wagner é repórter, graduado em Comunicação Social – habilitação em Jornalismo, pela UFRGS. Trabalhou como repórter investigativo no jornal Zero Hora de 1983 a 2014. Recebeu 38 prêmios de Jornalismo, entre eles, sete Prêmios Esso regionais. Tem 17 livros publicados, como “País Bandido”. Aos 67 anos, foi homenageado no 12º encontro da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (ABRAJI), em 2017, SP.
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