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As joias da Arábia são parte de todos os escândalos de Bolsonaro – por Carlos Wagner

Mídia do país 'não tem como não colocar um caso desse quilate nas manchetes'

Fora do governo, Jair Bolsonaro continua pautando a imprensa (Foto Reprodução)

Não ficou 24 horas nas manchetes dos jornais e noticiários a polêmica decisão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) de manter no cargo, em nome da governabilidade, o ministro das Comunicações Juscelino Filho, que é acusado de usar um avião da Força Aérea Brasileira (FAB) para ir a um leilão de cavalos em São Paulo – há matéria na internet.

A decisão de Lula foi tomada no final da tarde de segunda-feira (6/03) e imediatamente foi atacada pelos jornalistas, ganhando espaços nobres nos noticiários. Na manhã seguinte, ela começou a perder o lugar para o resultado da evolução das investigações a respeito do escândalo das joias presenteadas, em 2021, pelo governo da Arábia Saudita ao então presidente Jair Bolsonaro (PL) e à primeira-dama Michelle Bolsonaro.

No início do mês, sexta-feira (3/03), o jornal Estadão deu um furo nacional contando toda essa história. Em outubro de 2021, Bento Albuquerque, ministro das Minas e Energia, foi em uma missão à Arábia Saudita.

Voltou ao Brasil com dois pacotes de joias de presente, um para Michelle (valor de R$ 16,5 milhões), e outro para Bolsonaro (valor não foi avaliado). O da primeira-dama foi pego pelos fiscais da Receita Federal no Aeroporto Internacional de Guarulhos (SP). E o do presidente passou sem ser descoberto.

Essa história das joias parece uma novela. Cada dia há um episódio mais emocionante do que o outro. Há vídeos, textos, fotos e documentos publicados nos jornais e em todas as outras plataformas de comunicação à disposição dos colegas jornalistas e dos leitores.

A última novidade é que um ano depois do pacote do presidente entrar ilegalmente no país ele foi entregue a Bolsonaro, como comprovam documentos. Ele diz que não recebeu. Não vou entrar nos detalhes desse caso, porque as novidades aparecem a toda hora. Vou usá-lo para conversar com os colegas e leitores sobre o fato de Bolsonaro ter terminado o seu governo há dois meses e algumas semanas e continuar pautando a imprensa nacional e a de muitos países.

Não fiz as contas e não lembro de ter lido em qualquer parte o que vou dizer. Mas não é exagero falar que o ex-presidente ocupa na imprensa espaço igual ou superior ao do atual presidente Lula. Eu me perfilo entre os jornalistas que acreditam que Lula e seus aliados precisam focar o seu trabalho no dia a dia do governo e deixar os rolos do ex-presidente para serem tratados pelo ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino.

Inclusive, em novembro do ano passado (15/11), publiquei o post Esqueletos nos armários vão contar a história do governo Bolsonaro. Mas o que a realidade está mostrando é que por mais importante que seja o assunto tratado por Lula, ele não tem como competir por espaço nos noticiários com os escândalos do ex-presidente. Por exemplo: o caso das joias sauditas. Não tem como não colocar um caso desse quilate nas manchetes.

O caso das joias substituiu nas manchetes a história dos índios yanomami, outro assunto que não tem como deixar fora da primeira página. Com o desmanche da fiscalização de órgãos como o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), o governo Bolsonaro facilitou a entrada ilegal dos garimpeiros nas áreas indígenas, em especial na terra yanomami, uma extensa área de 92 milhões de hectares em Roraima, na fronteira com a Venezuela.

A imprensa já vinha noticiando a invasão da área yanomami. Mas o que se descobriu no início do ano deixou todo mundo perplexo: homens, mulheres e crianças reduzidos a pele e ossos pela fome trazida pelo garimpo ilegal em suas terras. As imagens dos índios esqueléticos percorreu o mundo e foi notícia de capa nos mais importantes jornais e noticiários em vários países.

Poderia ficar escrevendo dias e dias sobre os escândalos provocados pela administração do país pelo ex-presidente e o seu círculo íntimo de líderes. O estoque de escândalos assegura a presença de Bolsonaro nas manchetes ainda por um bom tempo.

Aqui gostaria de refletir com os meus colegas repórteres, em especial os jovens nas redações fazendo o noticiário do dia a dia, e os leitores. Uma coisa foram os rolos que o então presidente Bolsonaro se envolveu, como o seu negacionismo em relação ao poder de contágio e letalidade da Covid, durante a pandemia que causou a morte de mais de 700 mil brasileiros, como foi apontado pelo relatório de 1,3 mil páginas da Comissão Parlamentar de Inquérito do Senado da Covid-19 (CPI da Covid).

Não deram em nada para ele as acusações por vários motivos, sendo que o principal era o foro privilegiado que o seu cargo garantia. O que significa que só os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) podiam julgá-lo. Agora a história é outra, Bolsonaro perdeu as eleições para Lula e não tem mais foro privilegiado. Isso significa que as broncas dele vão ser julgadas na primeira instância da Justiça Federal. Onde as coisas andam mais rápidas.

Para arrematar a nossa conversa. Chama a atenção na apuração dos escândalos do governo Bolsonaro a facilidade com que os investigadores encontram documentos legais que são provas contra o ex-governante e seus aliados.

Em parte, essa facilidade vem do fato de que o ex-presidente encheu os postos de coordenação da administração federal com militares da ativa, reserva e reformados, empurrando para as sombras os funcionários de carreira. A maioria desses funcionários são pessoas de alto nível profissional. Eles sabem onde foram deixadas as provas dos crimes cometidos.

Por último, é o seguinte. O que está acontecendo hoje na cobertura jornalística do dia a dia do governo Lula e dos escândalos de Bolsonaro é que ela está se dividindo. As articulações políticas do governo federal para pavimentar o caminho da governabilidade estão sendo tratadas pelos comentaristas políticos. Os rolos do ex-presidente são tratados como caso de polícia.

Aqui é o seguinte. A ausência nas redações dos repórteres policiais, como eram chamados os jornalistas que faziam a cobertura dos assuntos relacionados à área de segurança pública, pode ser notada na cobertura de assuntos como o das joias e dos garimpos. A reportagem policial sempre tem mais leitores do que a política. Mas quando se consegue juntar o repórter policial com o de política e colocar o material na mão de um bom editor, o resultado é uma bela matéria, com alto índice de leitura.

PARA LER NO ORIGINAL, CLIQUE AQUI.

(*) O texto acima, reproduzido com autorização do autor, foi publicado originalmente no blog “Histórias Mal Contadas”, do jornalista Carlos Wagner.

SOBRE O AUTOR:  Carlos Wagner é repórter, graduado em Comunicação Social – habilitação em Jornalismo, pela UFRGS. Trabalhou como repórter investigativo no jornal Zero Hora de 1983 a 2014. Recebeu 38 prêmios de Jornalismo, entre eles, sete Prêmios Esso regionais. Tem 17 livros publicados, como “País Bandido”. Aos 67 anos, foi homenageado no 12º encontro da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (ABRAJI), em 2017, SP.

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