Educação especial, volta às aulas e aos velhos dilemas – por Demetrio Cherobini
Soluções para os problemas precisam ser estruturais, defende o articulista
Para a educação especial, a volta às aulas é o retorno a um dilema conhecido: fazer que crianças e adolescentes com necessidades especiais sejam valorizados realmente (não só formalmente) na escola. Isso significa respeitá-los, não discriminá-los e, principalmente, dar a eles uma educação de qualidade, com real aquisição de conhecimentos, para se inserir na sociedade com o máximo de bem-estar possível.
Por que é tão difícil realizar esse objetivo? A principal razão é a forma como se estruturam certas práticas sociais no interior da instituição escolar.
A escola, como se sabe, é uma instituição social, faz parte da sociedade, recebe dela um conjunto de tarefas que deve inexoravelmente cumprir. Sendo esta a sociedade capitalista, as necessidades que a escola precisa realizar são necessidades capitalistas: principalmente, formar a força-de-trabalho que atuará no sistema econômico vigente. Assim, cada estudante na escola é, via de regra, um trabalhador em formação.
Que características o mercado capitalista exige dos trabalhadores? As habilidades gerais, válidas para quase todos os tipos de trabalho, são: obediência irrestrita à autoridade, rígido autocontrole psíquico e físico, rapidez nas ações, produtividade, performance, praticidade, competitividade, “vestir a camisa da empresa” etc.
Isso dá a tônica do trabalho pedagógico e das características valorizadas nos pequenos “trabalhadores em formação” na escola. A instituição escolar busca forjar nos estudantes, portanto, ao longo de vários anos, as capacidades requeridas pelo “mercado”.
Nesse percurso, os alunos de aprendizagem lenta, com baixo rendimento em termos de “produtividade”, são mal vistos, considerados o oposto do ideal. A eles são destinadas as queixas e adjetivos pejorativos comuns na “cultura escolar”. Para comprovar isso, basta se acompanhar qualquer reunião pedagógica e verificar os termos nada lisonjeiros com os quais alguns professores qualificam esses alunos.
A propósito: uma das maneiras que tais professores têm de “se livrar” desses estudantes é passá-los de ano sem que tenham aprendido qualquer conhecimento científico e cultural significativo próprio aos conteúdos escolares. Essa falência educativa é complementada pelo fato de que tais alunos, que sairão da escola com descomunais lacunas na aquisição de conhecimentos (em todas as matérias!), são considerados, pelas autoridades, “incluídos”, em termos de lei e de políticas públicas.
Eis a contradição da escola: ao mesmo tempo que promove um certo tipo de humanização das crianças e adolescentes, fornecendo a eles alguns dos conhecimentos mais avançados produzidos na História, subordina essa humanização às exigências de uma sociedade embrutecida, doentia, bizarra e bárbara – vide as guerras, miséria, fome, violência, exploração, opressão, racismo, destruição ambiental etc. -, totalmente submissa às exigências de um “mercado” orientado exclusivamente para o lucro e acumulação de poucos indivíduos.
É possível alterar esse quadro? Sim. Afinal, se considerarmos que, em tempos idos, as pessoas com necessidades especiais eram segregadas em hospícios e hoje têm possibilidade de frequentar escolas, concluiremos que conquistas importantes foram feitas e a realidade presente pode se transformar para melhor.
Mas, como os problemas atuais dizem respeito a estruturas sociais, as soluções precisam ser também estruturais, isto é, envolver a sociedade como um todo. Nesse sentido, um longo e paciente caminho ainda deve ser trilhado por aqueles que buscam, mais que a mera “inclusão”, a verdadeira emancipação humana.
(*) Demetrio Cherobini, professor da rede municipal de Santa Maria, é licenciado em Educação Especial e bacharel e Ciências Sociais pela UFSM, mestre e doutor em Educação pela UFSM e pós-doutor em Sociologia pela Unicamp.
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