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Semana Grenal – Orlando Fonseca

A disputa esportiva mais importante do nosso estado tem tanta influência sobre a vida dos gaúchos que se tornou sinônimo para outros embates. Seja nas discussões de temas cotidianos, seja no debate das grandes questões políticas e sociais, a polarização de opiniões passou a ser designada como “grenalização” pela mídia e por todos os atentos, sejam aficionados do esporte ou não. Como tenho por hábito escrever esta coluna aos domingos, na maior parte das vezes ainda cedo pela manhã, desconheço o resultado do Grenal deste dia, cujas discussões se estenderão por boa parte da semana entrante. No entanto, não é para o placar que pretendo chamar atenção nesta despretensiosa crônica, como o leitor que tiver disposição de me acompanhar poderá conferir. Nestes últimos dias, o Rio Grande do Sul foi destaque nas notícias pelo país e, como vivemos na era das redes sociais, pelo mundo. E não foi porque o Suárez esteja disputando o grande clássico. O Rio ficou pequeno no sul, por façanhas nada exemplares. A última coisa que precisamos, portanto, é de uma radicalização violenta no campo do jogo – aliás, como tem acontecido nos últimos anos.

Que o futebol é uma forma civilizada de alienação, não tenho dúvida, como de resto o são as manifestações artísticas. Por isso, sou um apreciador do chamado esporte bretão, em razão das belas jogadas, que os nossos atletas brasileiros – súditos do saudoso Rei Pelé – são capazes de protagonizar em estádios mundo afora, com um repertório de fazer inveja. Aqueles noventa minutos de uma partida bem disputada são capazes de nos tirar do foco de tensões do cotidiano. Que está cada vez mais opressivo, diante de situações da realidade que pretendíamos superadas pelo processo civilizatório: as guerras, os preconceitos, as discriminações, os negacionismos de toda ordem, começando pelo mais grave, o que nega as virtudes do pensamento científico. Juntamente com a cultura, a ciência nos fornece um conjunto de ferramentas capazes de nos distanciar da barbárie. Por isso é que a música, um quadro artístico, uma boa peça de teatro ou dança, um bom livro ou filme são capazes de elevar a nossa alma acima do chão. Neste conjunto de obras da capacidade humana, coloco o futebol, dentre os esportes em geral, pois é o que mais aprecio.

Entre nós, gaúchos, só uma tautologia é capaz de definir o derby local: Grenal é Grenal. Isso porque, assim como outras manifestações do engenho humano, as palavras não têm o poder de abarcar todo o sentimento que nos toma por inteiro. Tudo o que se pode dizer de suas idiossincrasias são menores do que a presencialidade – seja em meio à torcida em um estádio, seja através de uma solitária assistência no sofá da sala. Só assistindo e se envolvendo inteiramente é que se pode entender. Com tamanho envolvimento das mentes e corações rio-grandenses, é de se temer pelo pior, quando a noção de “adversários esportivos” se perde. E isso pode ser numa disputa de bola, entre os jogadores, ou numa disputa de opiniões, entre fanáticos torcedores. Por isso, nesta manhã que antecede o grande jogo, a minha expectativa para o espetáculo vai além dos dribles, dos gols ou das decisões da arbitragem. Gostaria de que o Grenal não entrasse na ordem das façanhas que no envergonham diante do país inteiro.

Vivemos no último período, uma disseminação massiva do discurso de ódio, em face das disputas políticas no país. Vimos crescer e se expandir uma tendência de produzir hegemonias ideológicas pela eliminação literal (de fato) do adversário político. Assim como no futebol, entender o outro participante do jogo político como “inimigo” só leva a uma violência absurda, que nada constrói em termos de democracia. Esta grenalização não vai nos levar à construção de uma Nação forte e justa, com lugar para todos. Por isso é que, independente do resultado, minha torcida é para que o Grenal 438 indique uma mudança de atitude. Por aqui, a semana Grenal costuma ter mais do que sete dias. Confesso que é uma frágil esperança diante de tudo o que temos visto. Mas, como dizem os esportistas e comentaristas, bola pra frente!

(*)Orlando Fonseca é professor titular da UFSM – aposentado, Doutor em Teoria da Literatura e Mestre em Literatura Brasileira. Foi Secretário de Cultura na Prefeitura de Santa Maria e Pró-Reitor de Graduação da UFSM. Escritor, tem vários livros publicados e prêmios literários, entre eles o Adolfo Aizen, da União Brasileira de Escritores, pela novela Da noite para o dia.

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8 Comentários

  1. POA e o RS são provincianos. Aldeia é interiorana, vive do passado e não sabe para onde vai (ignorando as atividades puramente marketeiras da desadministração atual). Solução é, nada fácil, trazer gente de fora. Mudar a referencia da população. Para não acreditar mais que o submediocre é ‘incrivel fantastico extraordinario’ e ‘melhor do mundo’. Exemplo? Escultor italiano chamado Yago. Fez o liceu (ensino medio por la), começou a faculdade e largou. Imprensa, exagerada como costume, chama de ‘novo Michelangelo’ (ele discorda). Destacou-se pela capacidad, pelo merito. Não porque era ‘filho do seu sicrano e da dona beltrana’ ou ‘é bom porque é daqui’. Nem porque é ‘formado em artes plasticas na UFSM’.

  2. ‘Discurso de ódio’ outro bordão politico que não engana mais. ‘[…] tendência de produzir hegemonias ideológicas pela eliminação literal (de fato) do adversário político […]’. Obvio que não. Basta ver o discurso petista/vermelho desde a decada de 80. Quem degolou um Brigadiano na Praça da Matriz em POA? E as invasões com destruição de propriedade? Vão bancar as vitimas, vestais com todas as boas intenções do Universo e colocar a culpa nos outros? Isto não cola mais!

  3. ‘Nos envergonham’? Fale por si, não tem procuração da ‘coletividade’. Alas, como o Veterinario que Cansou do Cheiro da Bosta de Vaca, todo vermelho acredita piamente que a população terrestre lhe deve satisfações morais. Só dando risada! Kuakuakuakua!

  4. ‘Virtudes do pensamento cientifico’. Bobagem. O que aconteceu foi o aproveitamento (por um bando de analfabetos funcionais com problemas cognitivos que defende religiosamente a preponderancia da politica) politico de uma narrativa. Letras não tem absolutamente nada a ver com ciencia. Ponto. Epistemologia tem bem claro o conceito de cientismo. É um papinho que não engana mais muita gente.

  5. Noutro dia vi entrevista do ator Milhem Cortaz. Reclamava (mais do que o habitual, atores e empresarios em geral reclamam) de que ninguém mais vai no teatro. Eixo RJ-SP. Debateu-se se era geracional, galera acostumada com Tik Tok não quer saber de ficar duas horas parada. Na urb ainda fala-se em ‘formação de plateia’, conceito nada novo.

  6. ‘Alienação’ tem carga ideologica. É uma distração. Ao contrario dos vermelhos, que desejam mudar o mundo com o dinheiro e esforço dos outros, há que se ter uma valvula de escape. Simples assim. ‘Processo civilizatorio’ também tem carga ideologica. Já não estamos na Alemanha da decada de 40 de Norbert Elias. Vai na linha do ‘ocio criativo’ que alguns ainda citam apesar das mudanças de contexto. Alguns não conseguem ‘captar’ que certas ideias não envelhecem bem. Perdem o bonde da historia.

  7. Rio Grande do Sul não é o umbigo do mundo (assim como Santa Maria). As ‘façanhas exemplares’, apesar do circo da imprensa, não sobressaiu no ruido da cascata de informação que todos recebem diariamente. Simples assim. Pessoas diferentes têm valores diferentes, problemas idem, preocupações idem e prioridades idem. Simples assim.

  8. Tenho séria impressão de que o GreNal não é mais o que era antigamente. Ainda tem publico, da impressão de que não mudou, mas o nicho é suficientemente grande para enganar. Novas gerações majoritariamente não estão nem ai.

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