Lembranças do Serviço Militar na Base Aérea de Santa Maria – por João Luiz Vargas
“Será o frio culpado por demorar tanto a acordar quem vem me render?”
Como está frio! O inverno veio para testar os recrutas.
O pior de tudo é que hoje terei serviço no portão oeste, onde o minuano vem com muita agressividade, fazendo com que meu nariz se torne um conta-gotas. Já tirei vários serviços aqui na caserna, mas igual aos do portão oeste, nenhum. O medo das altas horas da noite invade o peito e torna o tempo lento. Quase parado.
Para mim, que sou moderno, o segundo quarto é eterno. Parece que não existem os outros. Mas resta-me tirá-lo dentro das horas calmas, com o medo permanente dentro do peito e as lembranças do carinho que tenho fora e do tratamento desigual que me é dado aqui.
O portão oeste já faz parte das minhas anotações. De algo que significa desconforto e tristeza. Como eu, todos os que aqui passam dentro da noite levam sensação e desejo de não mais voltar.
O frio de hoje fará com que o fuzil seja mais pesado. O radinho não sintoniza nada que me deixe um pouco menos taciturno. Será o frio culpado por demorar tanto a acordar quem vem me render? E por eu demorar tanto a acordar para vir cumprir minha obrigação de moderno enrolado?
Será que fora daqui faz tanto frio, ou é somente neste portão oeste de histórias infindas dentro de nós, pequenos homens, que sonhamos um dia ser como pássaros, voar livres, tendo somente o azul do céu como limite de nossa liberdade?
Como faz frio dentro deste segundo quarto! Espero que o ronda não anote em sua planilha terrível este cobertor que me serve de abrigo contra este minuano que envereda sem constrangimento pelo portão oeste.
Vem o dia amanhecendo. É preciso ir rápido e entrar na formação para o café matinal.
Observo que a tristeza rodeia todos nós. É incrível, somente eu tirei segundo quarto no portão oeste.
Ou todos os postos de guarda são frios e inóspitos como lá? Começo a pensar que sim. Não é só o minuano que estria o local de guarda; é toda a sistemática fria e desigual aqui da caserna, que nos esfria e entristece.
Ao entrar o sargento, chefe da guarda, me faz e tira um algodão do bolso. Passa em meu rosto.
Verifica que a barba está um pouco grande. Manda eu voltar e fazê-la, para depois tomar café.
Dirijo-me ao alojamento e ao longe observo o portão oeste, com sua frieza e indiferença, a dizer-me que para ser livre terei que fazer outra rota. Não esta, dos pássaros, com seu voo livre e infinito.
(*) João Luiz Vargas, prefeito de São Sepé (ex-deputado, ex-presidente da Assembleia Legislativa e ex-presidente do Tribunal de Contas do Estado), escreve habitualmente no site às sextas-feiras.
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