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Jornadas de Junho de 2013, dez anos depois: nem o céu, nem o inferno – por Leonardo da Rocha Botega

Uma avaliação do movimento histórico que levou milhares às ruas do Brasil

Nos últimos dez anos um enigma tem rondado historiadores, cientistas sociais e cientistas políticos pelo Brasil todo: o enigma das Jornadas de Junho de 2013. Para alguns, aquelas jornadas foram a revelação de uma nova subjetividade política crítica ao fazer político tradicional. Para outros, junho de 2013 representou o emergir do processo reacionário que produziu o golpe de 2016 e a ascensão da extrema-direita. Nem o céu, nem o inferno! As Jornadas de Junho de 2013 foram tudo isso ao mesmo tempo.

Os protestos começaram no dia 3 de junho, um dia depois da entrada em vigor do reajuste nas passagens de ônibus, trens e metrô em São Paulo. Os primeiros protestos foram organizados pelo Movimento Passe Livre (MPL) de São Paulo. Fundado durante o Fórum Social Mundial de 2005 em Porto Alegre, tendo como principal bandeira a gratuidade dos transportes públicos e originado dos protestos ocorridos nos anos anteriores em Florianópolis e Salvador, o MPL era um movimento descentralizado, pautado pela horizontalidade na tomada de decisões.

Após esse primeiro protesto realizado na periferia de São Paulo, o MPL passou a convocar, por meio das Redes Sociais, novos protestos, agora, porém, no centro da cidade. O uso das Redes Sociais foi uma novidade no processo político brasileiro que vinha ganhando força desde 2011, quando outros movimentos sociais organizaram o “Churrascão da gente diferenciada”, a “Marcha das Vadias” e a “Marcha da Maconha”. Os novos protestos foram marcados pela ação dos grupos “black bloc” e pela forte repressão policial, sobretudo, no protesto do dia 13 de junho.

Os protestos também foram marcados pela emergência das transmissões feitas pelas mídias alternativas, como a Mídia Ninja. Essas transmissões contrabalançaram o teor crítico aos protestos adotados pelas mídias tradicionais que defendiam a forte repressão. Porém, foi justamente a forte repressão que levou mais gente para a rua. No dia 17 de junho, em meio a Copa das Confederações, cerca de 250 mil pessoas saíram às ruas no Brasil todo. No dia 20 de junho, mais de um milhão.

A força dos protestos fez com que o governo do Estado e a prefeitura de São Paulo revogassem o aumento das passagens. No dia 21 de junho, o MPL anunciou que não iria convocar novos protestos. Os protestos seguiram ainda por mais algumas semanas, perdendo força, porém fazendo emergir uma série de pautas conservadoras como a negação da política, dos sindicatos e dos partidos. Tais pautas já se faziam presentes desde, pelo menos, os protestos de 13 e 20 de junho.

A presença destas pautas conservadoras fez com que alguns cientistas sociais passassem a definir as jornadas de junho de 2013 como reacionárias. Essa tese possuiu uma parcela de materialidade. Em inúmeras manifestações foram vistos cartazes atacando políticas sociais e, até mesmo, grupos neonazistas que chegaram a agredir jornalistas e militantes das esquerdas. Porém, essa é apenas uma parte do processo. As jornadas de junho de 2013 foram difusas.

A multidão que tomou as ruas não era politicamente homogênea. Talvez a única pauta que as unificasse era a crítica ao fazer político tradicional, a política dos acordos de poder consagrada pela Nova República. Daí a supervalorização, por parte de alguns intelectuais e militantes das esquerdas, da nova subjetividade política presente em inúmeros jovens que participaram dos protestos.

As jornadas de junho de 2013, revelaram sim uma nova geração de jovens, com uma nova concepção de política. Jovens que questionaram a incompletude e os limites do projeto de país que vinha sendo construído pelo governo, sobretudo, os limites de uma forte inclusão social sem mudanças estruturais. Pautaram os problemas urbanos que novamente emergiam diante do fim do “Milagrinho Econômico” brasileiro.

Infelizmente, as pautas trazidas por essa nova geração de jovens militantes não foram suficientemente atendidas. Os cinco “pactos nacionais” (responsabilidade fiscal, reforma política, saúde, transporte e educação) propostos pela presidenta Dilma Rousseff foram esvaziados pelos caciques da política tradicional, os mesmos que a traíram e golpearam em 2016. A crítica à política tradicional evoluiu para a antipolítica e o fortalecimento do fascismo. O resto do roteiro, nós conhecemos e vivenciamos.

É correto afirmar que os jovens das jornadas de junho de 2013, os “black blocs”, o MPL, entre outras organizações abriram a “Caixa de Pandora” do fascismo brasileiro? Sim e não! Sim, pois de fato o fascismo brasileiro esteve presente nas difusas manifestações (juntamente com outras concepções de sociedade e até mesmo em conflito com essas). Não, pois a “caixa” não foi aberta sozinha. A aposta nos velhos métodos de conchavos e acordões que ditou o rumo do pós-jornadas também tem sua culpa; o esvaziamento das propostas feitas pela presidenta são frutos desta aposta no mais do mesmo.

Movimentos complexos requerem percepções complexas e não mais do mesmo. O mais do mesmo aprisiona as mudanças sociais, prende o governo aos interesses dos nefastos chefes que dominam o Congresso Nacional. Mata a vontade de avançar. Reduz a capacidade crítica e autocrítica de quem está a frente do processo. O faz jogar um jogo onde o governo não dá as cartas. Empurra para um horizonte cada vez mais indefinido as tão necessárias medidas de justiça social, deixando os caminhos do golpismo sempre abertos.

(*) Leonardo da Rocha Botega, que escreve regularmente no site, é formado em História e mestre em Integração Latino-Americana pela UFSM, Doutor em História pela UFRGS e Professor do Colégio Politécnico da UFSM. É também autor do livro “Quando a independência faz a união: Brasil, Argentina e a Questão Cubana (1959-1964).

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10 Comentários

  1. ‘[…] e golpearam em 2016.’ Dilma, a humilde e capaz, foi julgada no Congresso presidido por um ministro do STF. Chamar de golpe pode ser considerado, salvo melhor juízo, ataque as instituições democraticas. Simples assim.

  2. ‘[…] aprisiona as mudanças sociais,’ Quais mudanças sociais? ‘[…] nefastos chefes que dominam o Congresso Nacional’. Que podem até ser corruptos, mas não são loucos. Irresponsaveis as vezes. ‘[…]vontade de avançar’ Avançar no quê e para onde? ‘[…] quem está a frente do processo’. Qual processo? Qual o objetivo do processo? ‘[…] tão necessárias medidas de justiça social.’ Quais medidas? O que é ‘justiça social’? Sim, porque ‘a esquerda coça o saco e curte a vida enquanto o resto trabalha’ é considerado ‘justiça social’ na Coreia do Norte e em Cuba.

  3. ‘A presença destas pautas conservadoras fez com que alguns cientistas sociais passassem a definir as jornadas de junho de 2013 como reacionárias.’ Apelo à autoridade, falácia, sem autoridade. Basta citar o nome de cinco cientistas sociais que afirmam isto. Que não sejam de esquerda, ‘cumpanheros’.

  4. Antipolitica? Quer dizer que qualquer ‘politica’ serve? Só para dizer que existe, mesmo que não resolva nenhum problema da sociedade? Fascismo? Coisa que os vermelhos não entendem (de novo, não há espaço para desenhar) as pessoas não existem ‘em tese’. Muitas pessoas conhecem muitas pessoas acusadas de ‘fascistas’, de ‘extrema direita’. A menos que sejam da extrema-esquerda reconhecem que as criaturas que conhecem desde sempre não são ‘fascistas’ e nem ‘extrema-direita’. Simples assim. O resto é ‘narrativa’. Obviamente existe gente neonazista (saiu um juri noutro dia em POA) e de extrema-direita (Carecas do ABC seria um exemplo), mas são minoria. De novo, o resto é narrativa. São muito diferentes dos ‘crentes’ e das Igrejas Pode Passar a Sacolinha.

  5. Nos momentos de crise o stress aumenta e as pessoas caem para o nivel de prepara (não se alçam a altura da situação, isto é asneira). Dilma, a humilde e capaz, era um poste que achava que era ‘estadista’. Deu no que deu. Cinco ‘pactos’ uma piada. Tanto que saúde e educação estavam presentes como estão presentes em toda eleição. Pura empulhação.

  6. ‘ […] fim do “Milagrinho Econômico” brasileiro.’ Nenhum milagre, foi o fim do boom das commodities. Acharam que iria durar para sempre e para sempre ficariam no poder. Alas, Marx falava nas crises ciclicas do capitalismo. Problema é que a esquerda tupiniquim virou um amontoado de apedeutas.

  7. ‘[…]os problemas urbanos que novamente emergiam[…]’. Problemas que nunca deixaram de existir. Nunca foram enfrentados. E problema não enfrentado é problema que se agrava. Vide transporte urbano hoje.

  8. Vermelhos não conseguem escrever/falar 5 minutos sem entrar em contradição. ‘[…]a única pauta que as unificasse era a crítica ao fazer político tradicional, a política dos acordos de poder consagrada pela Nova República.’ Mas antes tinha ‘[…] fazendo emergir uma série de pautas conservadoras como a negação da política, dos sindicatos e dos partidos.’ Não tem como desenhar, mas ‘critica ao fazer politica’ e ‘negação da politica’ são coisas diferentes.

  9. Esquerda perdeu as redeas dos acontecimentos. Padrão seguido era uma aglomeração, uma passeata e um quebra-quebra. ‘Repressão policial’ era para tentar acabar com a ultima etapa. Black Blocs a principio eram anarquistas, porém não se pode excluir a possibilidade de serem militantes de esquerda ‘fantasiados’. Tanto que um certo governador de um certo estado mandou a Policia Militar ficar de braços cruzados olhando a quebradeira. Estes mesmos ‘infiltrados’ provocavam a politica, tanto que surgiu a tatica de mandar todos sentarem quando a coisa ameaçava descambar. Alas, era pratica utilizar rojões para atacar a policia naquela epoca. Tanto que em 2014 um cinegrafista foi morto porque levou um rojão na cabeça.

  10. Vermelhos tem paixão por estórias da Carochinha. Na cara dura ainda por cima, não foi há duzentos anos, foi ha 10. Movimento Passe Livre é um puxadinho do PSOL. ‘Horizontalidade das decisões’ na esquerda funciona assim, cupula decide e a ‘horizontalidade’ acata e tenta colocar em prática. Midia Ninja, fortes ligações à esquerda, nenhuma novidade. Jornalismo com celular já tinha aparecido durante o Occupy Wall Street.

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