Artigos

O Brasil de volta ao mundo – por Leonardo da Rocha Botega

“Após quatro anos de isolamento, país retorna ao centro das decisões globais”

Uma das principais marcas dos primeiros seis meses de governo do presidente Luís Inácio Lula da Silva tem sido o retorno do Brasil ao centro das discussões globais. Após quatro anos de isolamento em relação aos temas mais importantes da agenda global, de construção de polêmicas desqualificadas com chefes de Estados e de aprisionamento ideológico das relações diplomáticas, literalmente, “o Brasil voltou”. A política externa ativa e altiva voltou.

Antes mesmo de sua posse, Lula participou, como presidente eleito, juntamente com representantes dos povos indígenas, da Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas, a COP 27, realizada no Egito. Lula foi recebido na última sessão da COP 27 aos gritos de “o Brasil voltou”. Na posse presidencial, estiveram presentes cerca de cento e vinte representações estrangeiros, sendo 21 chefes de Estado. Um número muito maior do que as que estiveram presentes na posse do ex-presidente em 2018. Naquela ocasião somente dez chefes de Estado se fizeram presentes.

Podemos nos perguntar se esse aumento da presença de representações estrangeiras na posse presidencial tem alguma relevância prática no campo diplomático. A resposta é sim. Diplomacia também se faz em atos simbólicos. A simbolismo é parte da política, tanto local, como global. O simbolismo que o Brasil carrega consigo não é pequeno. Lula sabe disso e não menospreza esse fator importante no cenário internacional. Por isso é que as constantes viagens presidenciais são marcas de seus governos.

Desde a posse presidencial, o presidente brasileiro já visitou onze países, em sete viagens oficiais. O presidente brasileiro esteve nos países vizinhos (Argentina e Uruguai), nos Estados Unidos, na China, no Oriente Médio (Emirados Árabes), no Japão e na Europa (Portugal, Espanha, Reino Unido, França e Itália). O único continente ainda não visitado por Lula foi a África, o que não significa falta de diálogo com os países africanos. O presidente teve inúmeras agendas bilaterais com chefes de Estados Africanos, tanto no Brasil, quanto no exterior, e uma viagem ao Continente Africano está prevista ainda para esse ano.

Porém, para além de se fazer presente no mundo, Lula se fez presente ao mundo. Se fazer presente ao mundo significa não apenas estar nos Fóruns Internacionais e ter uma ampla agenda de encontros bilaterais. Se fazer presente ao mundo significa falar para o mundo a sua concepção de mundo. Em todos os espaços diplomáticos, Lula tem feito isso. Na COP 27, Lula enfatizou os seguintes temas: 1) a responsabilidade dos países ricos com as questões ambientais; 2) a necessidade de Reforma da ONU; e 3) a aliança entre os países do Sul Global. Ali já estava sendo apontado o retorno da política externa ativa e altiva, centrada no multilateralismo e na defesa de uma nova governança mundial.

Na última semana, em sua viagem à Itália e a França, Lula apontou mais um tema caro ao Brasil, tanto nas suas relações exteriores, quanto na sua política interna: a desigualdade social. Segundo os estudos realizados pela equipe do economista Thomas Piketty, na Escola de Economia de Paris, os 10% mais ricos do mundo capturam 76% das riquezas e os mais pobres apenas 2%. O restante fica com as classes médias que cada vez mais se aproximam da parte de baixo da pirâmide social.

Tais dados demonstram que a desigualdade social não é apenas um fenômeno geográfico, mas sim, global e assim deve ser tratado. Lula “acertou em cheio” quando afirmou que “nós estamos num mundo cada vez mais desigual e, cada vez mais, a riqueza está concentrada na mão de menos gente e a pobreza concentrada na mão de mais gente”. Portanto, se questão da desigualdade não for colocada no mesmo patamar da questão climática, “a gente pode ter um clima muito bom e o povo continuar morrendo de fome em vários países do mundo”.

Levar o tema da desigualdade social para o mundo não é algo novo para o presidente brasileiro. Em 2003, no primeiro mês de seu primeiro governo, Lula fez isso no Fórum Social Mundial em Porto Alegre e no Fórum Econômico Mundial em Davos, na Suíça. O fez em muitas outras ocasiões nos seus oito anos de governo. Porém, hoje, a realidade é mais dura.

O otimismo histórico que marcou a presença arrogante dos agentes econômico-financeiros, a partir dos receituários do Fundo Monetário Internacional e do Banco Mundial, se esvaiu. A Organização das Nações Unidas nunca esteve tão desprestigiada como agora. A “Pax” da Nova Ordem Mundial proclamada nos anos 1990 não se concretizou. O Século XXI tem se demonstrado tão bélico quando os séculos anteriores. Em quase todos os países os fascismos crescem. Cada vez mais, os pobres pagam à conta das crises econômicas, sociais e ambientais.

A construção de um novo paradigma internacional é urgente! O tempo das retóricas das “boas intenções” dos países centrais do capitalismo acabou. A hipocrisia da crítica que lucra com a destruição não pode ser tolerada. Não basta a constatação de que o mundo não está bem! O mundo precisa mudar! A volta do Brasil ao mundo tem esse sentimento. O sentimento da mudança. “O Brasil voltou” para anunciar que uma Outra Ordem Mundial é possível.      

(*) Leonardo da Rocha Botega, que escreve regularmente no site, é formado em História e mestre em Integração Latino-Americana pela UFSM, Doutor em História pela UFRGS e Professor do Colégio Politécnico da UFSM. É também autor do livro “Quando a independência faz a união: Brasil, Argentina e a Questão Cubana (1959-1964).

Artigos relacionados

ATENÇÃO


1) Sua opinião é importante. Opine! Mas, atenção: respeite as opiniões dos outros, quaisquer que sejam.

2) Fique no tema proposto pelo post, e argumente em torno dele.

3) Ofensas são terminantemente proibidas. Inclusive em relação aos autores do texto comentado, o que inclui o editor.

4) Não se utilize de letras maiúsculas (CAIXA ALTA). No mundo virtual, isso é grito. E grito não é argumento. Nunca.

5) Não esqueça: você tem responsabilidade legal pelo que escrever. Mesmo anônimo (o que o editor aceita), seu IP é identificado. E, portanto, uma ordem JUDICIAL pode obrigar o editor a divulgá-lo. Assim, comentários considerados inadequados serão vetados.


OBSERVAÇÃO FINAL:


A CP & S Comunicações Ltda é a proprietária do site. É uma empresa privada. Não é, portanto, concessão pública e, assim, tem direito legal e absoluto para aceitar ou rejeitar comentários.

5 Comentários

  1. No que se chega ao ‘simbolismo’, a ‘importancia da diplomacia’, ‘soft power’, etc. Vermelhos tupiniquins pararam na decada de 60/70. Alguns confundem teses academicas com a realidade, sendo que no Brasil a academia perdeu contato com a mesma. A inercia e a falta de capacidade de adaptação torna evidente a falta de ferramentas para lidar com o que hoje acontece. Como lidam com isto? Ignoram os fatos e as mudanças. Uns gastaram a vida (outros ganharam a vida) defendendo coisas que nunca irão acontecer ao menos não estão no horizonte. Problemas que resolvem a si mesmos.

  2. Megalomanias a parte, se acontecer uma nova ‘ordem mundial’ a decisão sera tomada no hemisferio norte. Obvio. Rato Rouco Zoio de Peixe Morto já gastou só com hospedagem mais de 7 milhões. Congresso esta parado para os politicos irem dançar forró no Nordeste. Brasil é uma opera bufa.

  3. Problema é que os tempos são outros. Existe acesso ao que é publicado lá fora. Informação é descentralizada hoje em dia. Presença do Molusco com L., o honesto, foi assunto secundario. Quando nao rendeu criticas como foi o caso do Liberation. Todo mundo já sabe que Rato Rouco fala o que a pessoa esta na frente quer ouvir.. Todo mundo sabe das claques, dos videos feitos do meio das claques, das perguntas controladas pelo assessor de imprensa, do Marcos Uchoa a tiracola para perguntas chapa branca.

  4. ‘A construção de um novo paradigma internacional é urgente! O tempo […] do capitalismo acabou. […] para anunciar que uma Outra Ordem Mundial é possível.’ E sempre a mesma conversa’.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Botão Voltar ao topo