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Sobre ameaças – por Orlando Fonseca

Desde a década de sessenta do século passado, o povo brasileiro tem sido ameaçado pelo anúncio do “perigo comunista”. Em nome disso se fizeram passeatas com “Deus e pela família”, em nome disso se deu um golpe de estado. Em nome disso, em pleno século 21, fez-se uma campanha eleitoral para se escolher um líder que afastasse de vez o fantasma do comunismo no país, de preferência empurrando-o para além-fronteiras, quem sabe a Venezuela, ou em algum inferno na América Central. A verdade é que tal ameaça só vale para os desatentos, para quem não vai além do senso-comum, ou que se deixa iludir pela fala de falsos messias. Que não buscam nos jornais a leitura e a interpretação dos fatos e pensam que a História, como a que está registrada por pesquisadores, nos livros, é igual aos contos de fadas, contados ao pé da cama para embalar o sono das crianças. Vieram-me à lembrança estas reflexões, ao ouvir de uma ministra que é preciso eliminar a ameaça fascista, disfarçada no bolsonarismo.

Uma das falácias, popularizadas na campanha eleitoral de 2018, pegava o educador brasileiro, Paulo Freire, como bode expiatório. Propagandeava no varejo que, nas escolas e nas universidades do país, se ensina uma antiga lição de suprimir a fé, a família e a propriedade, para fazer uma revolução (só pra rimar); professores doutrinadores, em programas esquerdistas, pretendem implantar o comunismo no Brasil. Primeiro que o projeto educacional de Paulo Freire se refere à alfabetização de adultos. Suas reflexões sobre o processo ensino-aprendizagem seguem a mesma corrente de Piaget, em um método conhecido como “construtivismo”, ou seja, no ato de aprender o aluno é o protagonista. Este é quem deve “construir” o seu conhecimento, portanto, não cabem aí doutrinadores. Freire, assim como Vygotzky e Emília Ferrero, estão entre os educadores mais referenciados no mundo, justamente porque vão na direção contrária ao que os fascistas pregam sobre a primazia de uma autoridade elitista e a supremacia da disciplina. Trata-se, isso sim, de um método para o educando aprender a pensar, e isso, como se sabe, é um perigo quando se tem em mente o povo como massa de manobra. Imaginar que a disciplina militar funciona como pedagogia no ambiente escolar, substituindo a reflexão, é apostar no método de fazer o povo não alcançar cidadania. Uma das primeiras coisas que fizeram os militares no poder, em 64, foi uma reforma que substituía filosofia por “moral e cívica”.

Ora, quando Geraldo Vandré cantava em um Festival, ao final dos anos sessenta, que aos soldados “nos quartéis lhes ensinam antiga lição/ de morrer pela pátria e viver sem razão”, foi censurado e perseguido porque tocou no ponto nevrálgico do militarismo. Os ensinamentos de tal doutrina servem para a guerra, e não a vida cotidiana em tempos de paz. O treinamento envolve justamente retirar a capacidade de reflexão do soldado, pois, em meio à guerra, não pode questionar uma ordem superior, caso contrário não se exporia para enfrentar um inimigo. A escola serve para outra coisa muito diferente, uma vez que a cidadania significa, justamente, exercer livremente a capacidade de discernimento, vontade, posição e afirmação de seu gesto patriótico. E, nesse caso, não para promover a morte, mas a vida e o bem comum.

Nas hostes que defendiam um mito nas eleições de 2018, havia uma legião de pastores, ratificando o slogan (uma paródia dos Evangelhos): “conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará”. Tal expressão é válida para o exercício da fé, porque, na vida terrena, é preciso buscar o conhecimento da verdade com método, com investigação e interpretação. Isso equivale a dizer que é preciso empregar, em vez de fé, a “dúvida cartesiana”, pela qual se colocam os dados e os fatos em questionamento. Qualquer ser humano – entre esses os pastores – que ficar doente, precisa recorrer a um desses questionadores, tanto para um diagnóstico, quanto para recorrer ao remédio que lhe cure. Quem sabe faz a hora, não espera acontecer; quem sabe investiga a retórica mística ou a doutrina militar a respeito do teor real das ameaças. E poderá dormir tranquilo, ou sonhar livre com uma democracia sólida para resistir ataques fantasiosos.

(*) Orlando Fonseca é professor titular da UFSM – aposentado, Doutor em Teoria da Literatura e Mestre em Literatura Brasileira. Foi Secretário de Cultura na Prefeitura de Santa Maria e Pró-Reitor de Graduação da UFSM. Escritor, tem vários livros publicados e prêmios literários, entre eles o Adolfo Aizen, da União Brasileira de Escritores, pela novela Da noite para o dia.

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12 Comentários

  1. Resumo da opera. Cavalão está inelegivel. Foi dada a ordem para derrotar/desconstruir o Cavalismo nas ruas. Dai o texto. Perda de tempo. Alas, vermelhos, com seu ego gigantesco, acham que são a ‘policia’ da ‘humanidade’, ‘iluminados’ que sabem o que é melhor para tudo e todos, verdadeiros ‘crentes’. Ficam julgando como se moralmente superiores fossem. A diferença dos pastores é no discurso, praticas são as mesmas.

  2. Entrevista de José Genoino a revista opera. ‘Defendo uma Guarda Nacional, comandada por um civil, subordinada ao ministro da Segurança Pública, com treinamento e comando para atuar na área de fronteiras, costeiras, e nas situações críticas, quando for solicitado pelos governadores.’ ‘Teríamos de ter uma Guarda Nacional com uma emenda constitucional, uma estruturação vinculada ao ministério de Segurança Pública ou ao ministério da Justiça […]’. Sapo Dino já está com o projeto pronto, a Guarda Nacional Bolivariana Tupiniquim. Quem acreditar neste papinho de segurança publica tenho um viaduto em curva para vender.

  3. Pastores ficando no canto deles não tem problema. ‘[…] se colocam os dados e os fatos em questionamento.’ Isto os vermelhos chamam de ‘positivismo’ por isto tem ojeriza a avaliar resultado de politicas publicas; provaria que a ideologia deles é completamente furada.

  4. Decada de 60 ficou para tras. Escolas civico militares são cortina de fumaça, perda de tempo. ‘[…] professores doutrinadores, em programas esquerdistas […]’ existem sem duvida nenhuma. As criaturas que surraram o pessoal do MBL que foram na UFSC provocar não sairam do nada; alas basta olhar as pichações, o que dizem. Alas, ninguem discute o baixo nivel das escolas, os erros nos livros didaticos, professores catando material na internet e despejando nos alunos.

  5. ‘[…] estão entre os educadores mais referenciados no mundo […]’. Obvio que isto é cascata. Se for feita uma busca no JSTOR (biblioteca digital de citações) sobre Paulo Freire encontra-se pouco mais de 15,5 mil referencias. Vygotzky tem 16. Emília Ferrero 995. Piaget tem pouco mais de 37 mil. Howard Gardner tem 61 mil referencias. Quanto mais passa o tempo mais irrelevantes ficam, o mundo vai adiante.

  6. Vygotzky é União Sovietica da decada de 30. Emília Ferrero, outra construtivista, decada de 30. Cabe lembrar que o mestrado e doutorado da UFSM em educação tem nota 4 na CAPES (desde sempre). Se baixar para 3 tem que fechar o doutorado. Simples assim.

  7. Paulo Freire, outro assunto batido, de fato seguia Piaget. Oxford Reference. ‘Freire visou desenvolver uma consciencia entre os alunos desprivilegiados na qual eles deveriam considerar seus contextos sociais e culturais como ponto de partida para sua alfabetização, com intenção de fazer reconhecer maneiras para transformar seu aprendizado e suas vidas por si proprios’. ‘Because of the political implications of his approach he is classed as a radical educator’, ou seja, ‘por causa das implicações politicas da sua abordagem ele é classificado como um educador radical’. Por aqui Paulo Freire se conecta a pedagogia critica. Fatos. Busilis é simples, o acesso a informação la fora é tão ou mais facil do que aqui no Brasil, checar o que é dito é fácil, diferente de anos atrás.

  8. ‘[…] a História, como a que está registrada por pesquisadores,[…]’. Que de confiavel não tem nada. Não vale a pena extender-se no assunto, demandaria muito tempo. Basta lembrar que a China está fazendo já faz um tempo uma limpa nas universidades, problema de fraude academica. Na ianquelandia uma italo-americana de Harvard, Francesca Gino, está afastada por acusações de fraude academica. É cientista do comportamento. Neurocientista Marc Tessier-Lavigne, presidente de Stanford, teve que pedir demissão pelo mesmo motivo. No Brasil todo mundo é ‘santo’, principalmente os ideologos de esquerda nas faculdades de historia?

  9. Alás, há veiculos de imprensa por ai que deveriam se chamar ‘A Peneira’, só pautas furadas. Sem falar nas ‘campanhas de conscientização’, no ‘a população deve se preocupar com isto’ e na pregação ideológica. É o jornalismo São João Batista, ‘voz que clama no deserto’. Acabarão degolados num passaralho proximo. Alas, mistura-se fatos com opiniões e noticiario com entretenimento. Conseguem um nicho, mas isto não se sustenta a longo prazo. Simples assim.

  10. ‘[…] não buscam nos jornais a leitura e a interpretação dos fatos […]’. A epoca que os ‘intermediários’ diziam, com maior ou menor sucesso, o que pensar já passou. Do futebol ao cinema passando pela politica. Sim, como diria Brizola, os ‘interésses’ estão escancarados. Com a informação descentralizada (que desejam limitar com a PL das Fake News; com consequencias economicas além de politicas) foi-se uma certa ingenuidade e também a sutileza. Vide CNN Brasil como exemplo. Manchete (ou qualquer outro nome que queiram dar) ‘PF já prendeu 30 pessoas que atentaram contra integridade de Lula’. Atentar contra integridade é ato fisico. Vide corpo da matéria. ‘A informação é do delegado-geral da PF, Andrei Rodrigues. Segundo ele, as detenções por ameaças foram feitas da campanha eleitoral até hoje’. A confusão entre fatos e discurso é gritante (‘narrativa’? ‘fake news’? sensacionalismo?).

  11. ‘[…] um líder que afastasse de vez o fantasma do comunismo no país,’ Isto é uma simplificação exacerbada. Cavalão foi a cereja do bolo de antipetismo que de pequeno não tinha nada. Que saiu de escandalos de corrupção e debacle economico do pais. Ideologia para a grande massa não importa, basta ver como votam os tupiniquins e como ‘funcionam’ os partidos. Como disse Bill Clinton ‘É a economia estupido!’.

  12. Hummmm…. De novo isto. Nenhum espanto, repetição/insistencia está no DNA dos vermelhos. Logo nenhum espanto. O tal ‘perigo comunista’ talvez não seja ‘comunista’ por falta de condições conjunturais, mas talvez seja o mais proximo possivel.

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