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AMBIENTE. “RestauraPampa”, a investida científica da UFSM na luta pela preservação do bioma gaúcho

O projeto atua na conservação dos campos nativos do pampa do Rio Grande

Com câmeras fotográficas, os integrantes do Neprade também fazem trabalhos a campo em busca de registrar as espécies

Por Pedro Pereira (Com fotos e video do Arquivo do Neprade) / Da Agência de Notícias da UFSM

Ocupando cerca de 63% do território do estado e medindo aproximadamente 178.243 km², o pampa é o maior bioma do Rio Grande do Sul. Também conhecido como Campanha Gaúcha, Campos Sulinos e Campos do Sul, seu nome significa “plano”, ou “planície”, na língua indígena quíchua, da qual foi originado.

Apesar de, em termos de abrangência estadual, ser o maior, o pampa é um dos biomas com menor extensão quando se diz respeito à área nacional. Em contrapartida, se distingue por ter diferentes ecossistemas, com predominância de campos nativos, ricos em biodiversidade de espécies vegetais e animais e que, há décadas, estão ameaçados.

A UFSM, como instituição de ensino com grande relevância no setor da ciência, dispõe de diferentes grupos focados na proteção do meio ambiente. Um deles é o Núcleo de Estudos e Pesquisas em Recuperação de Áreas Degradadas (Neprade), que, por meio do projeto intitulado RestauraPampa, tem uma missão em particular: cooperar com o processo de conservação do bioma através do monitoramento de espécies invasoras.

O trabalho da Universidade na área

Fundado em 2011, o Neprade – que também está nas redes sociais – tem como propósito primordial estudar as possibilidades de recuperação dos ecossistemas e de reparação das áreas degradadas dos biomas do Rio Grande do Sul, que são o pampa e a mata atlântica. A professora do Departamento de Ciências Florestais do Centro de Ciências Rurais (CCR) e coordenadora do Núcleo, Ana Paula Rovedder, destaca o pioneirismo da iniciativa.

“Nós somos um dos primeiros grupos em restauração ecológica de ecossistemas no Estado, porque é uma área da ciência que não se desenvolvia tanto por aqui. Nós começamos a nos aprimorar testando várias técnicas”, contou. A fim de colocar seu trabalho em prática, a docente fala que “sempre que surgem oportunidades de parcerias, ou de concorrer em concursos e editais, a gente dá um jeito”.

Foi dessa maneira que nasceu o RestauraPampa, inclusive. No ano de 2020, o GEF Terrestre, programa do Governo Federal que visa promover a conservação dos biomas caatinga, pantanal e pampa, buscava iniciativas que pudessem atuar no plano de restauração de duas unidades de conservação localizadas no Rio Grande do Sul: o Parque Estadual do Espinilho (Pesp), em Barra do Quaraí, e a Reserva Biológica do Ibirapuitã (Rebio), em Alegrete.

Em virtude da abundante biodiversidade existente na área, as espécies do pampa vivem constantemente sob o perigo de perderem seu habitat. Ameaças de uso do solo para fins prejudiciais ao meio ambiente, a possibilidade de contato dos seres vivos da região com invasores vegetais (como o capim-annoni) e animais (como javalis) e a ruptura dos nichos ecológicos – que, nas palavras da própria professora do CCR, são “as funções dos indivíduos nos ecossistemas” – são exemplos de razões que justificam tal situação.

Ainda, a docente salienta a extinção de polinizadores, por conta dos agrotóxicos utilizados no solo, como outro motivo para o mau-funcionamento dos ecossistemas. “As unidades de conservação são como refúgios para essas espécies. Se você tem as áreas e conserva esses indivíduos, elas estão fazendo seus serviços no meio ambiente”. As abelhas, que se encarregam de prover as plantas de pólen, são um exemplo.

Então, a equipe do Neprade, com a oportunidade de participar do programa e trabalhar com as unidades de conservação gaúchas, se mobilizou para construir a proposta do RestauraPampa. A ideia principal é “testar planos de restaurar campos nativos, reduzir a invasão biológica e propor estratégias de conservação de seres vivos ameaçados”, segundo a própria Ana Paula, que destacou a proteção dos felinos e de espécies vegetais raras, como cactos e bromélias.

Técnica do armadilhamento fotográfico é a principal na captura de registros de animais

Para tornar possível a realização do projeto, o grupo conta com o suporte financeiro do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e do Fundo Brasileiro para a Biodiversidade (Funbio), e com o apoio do Ministério do Meio Ambiente e da Secretaria do Meio Ambiente e Infraestrutura do Rio Grande do Sul. Além disso, é operado em colaboração com a Fundação de Apoio à Tecnologia e Ciência (Fatec) e conta com a parceria de diferentes entidades para viabilizar a realização da iniciativa.

Cuidadosamente, o estudo à preservação

A fim de entender quais passos dar em direção à execução dos objetivos, a coordenadora do Neprade conta que primeiro é necessário entender como as espécies que habitam o pampa vivem. Para o estudo dos animais, o grupo recorre sobretudo à técnica do “armadilhamento fotográfico”.

Neste método, câmeras são fixadas em troncos de árvores, através de cintas, com o propósito de registrar a presença dos seres vivos, como também suas rotinas, reações, caminhos que percorrem, a quantidade de indivíduos e diversas outras particularidades. O dispositivo é ativado por captação de movimentos e todo conteúdo adquirido é armazenado tanto em imagens quanto em vídeos, para uso posterior do Núcleo da UFSM.

Ana Paula revela que embora os animais enxerguem os aparelhos, eles não se sentem ameaçados. “A gente tem registros de vacas lambendo e olhando a câmera, veados também, porque chama a atenção deles. Mas não assusta. É um tipo de amostragem completamente indolor, não é algo invasivo”, declarou a professora, enquanto reafirmou que a coleta de informações é inevitável para saber como cuidar dos habitats.

Ao todo, são dez câmeras do Neprade instaladas por toda a extensão do Pesp e da Rebio. Segundo a coordenadora, ainda existem estilos de armadilhamento fotográfico para entender a vida animal no pampa. Com câmeras portáteis, é comum os envolvidos fazerem trabalhos de campo, conhecidos como avistamentos, seguindo estilos de registro diferentes, como: por vestígios, em que são documentadas marcas das espécies, tais quais fezes, carcaças, pegadas e pelos; e por vocalização, para o estudo de aves a partir dos sons emitidos, visto que cada uma tem um tipo característico de pio.

De qualquer forma, as imagens e os vídeos armazenados são retirados dos aparelhos e colocados em um HD externo, aproximadamente uma vez por mês, para serem avaliados de forma detalhada. De acordo com Ana Paula, é analisada tomada por tomada para tentar encontrar e entender cada situação catalogada. “Algumas cenas não têm animal nenhum porque a câmera também se engana com o vento, por exemplo. É um trabalho bem criterioso de anotar cada informação, comparar com condições meteorológicas e, aí sim, ter ideia do comportamento das espécies”, falou a coordenadora do Neprade.

A professora também conta que a pesquisa em livros sobre a temática, a consulta em aplicativos específicos e até mesmo o envio do conteúdo para especialistas são métodos utilizados para estudar os registros. Em relação a seres vivos vegetais, o processo de armadilhamento é basicamente o mesmo: a partir de fotografias, as tomadas são examinadas e, após o período de identificação, o grupo prepara “exsicatas” – amostras botânicas – e leva para os herbários do Departamento de Ciências Florestais e do Departamento de Biologia. Às vezes, até mesmo porções de terra e água dos locais também são estudados nos laboratórios da Universidade.

Para cada ida a campo, são de quatro a cinco envolvidos, quinzenalmente, que ficam de três a sete dias trabalhando nas unidades de conservação. A quantidade de tempo que o grupo fica nos locais depende do quanto conseguem trabalhar, uma vez que é necessário que as gestões do Pesp e da Rebio tenham tempo de receber os representantes da UFSM.

O gato-maracajá é um dos felinos “mais procurados” nas unidades de conservação do pampa

O RestauraPampa também é uma oportunidade de desenvolvimento acadêmico e profissional dos discentes da Instituição. Em meio ao financiamento recebido pelo programa GEF Terrestre, bolsas de iniciação científica para a graduação e bolsas de pesquisa para pós-graduação e pós-doutorado estão no pacote. Segundo a coordenadora do Neprade, atualmente, cinco professores da Universidade, quatro pós-graduandos – sendo três teses destes alunos relacionadas ao projeto – e seis estudantes de graduação estão envolvidos com a execução da iniciativa. Além disso, dois mestrados referentes às atividades já foram defendidos.

Entre astros e destaques, o principal é a conscientização

O gato-palheiro, também conhecido como gato-dos-pampas, é um dos seres vivos do pampa do qual menos se sabe sobre a situação. Para Ana Paula, “talvez seja o animal mais ameaçado do bioma. É um fantasma: difícil de ser registrado e monitorado”. Especialistas em mamíferos da região estimam que haja somente 50 indivíduos da espécie, que, dessa forma, corre acentuado risco de extinção.

“É uma estrela. Vários projetos e um grupo amplo de pesquisadores, entre eles o Neprade, buscam saber mais sobre ele. Nós reconhecemos o grau de ameaça”, afirmou a coordenadora do Núcleo responsável por encontrar o felino pela primeira vez no Rebio. Entretanto, a docente acredita que, apesar de ter sido um dos principais animais documentados, o gato-palheiro não é, necessariamente, o maior achado do RestauraPampa.

“É muito difícil falar em principal descoberta. Um dos registros mais relevantes? Sim. Mas essas unidades de conservação são tão complexas que seria uma injustiça deixar o resto de lado”, garantiu a professora, que também destaca a documentação das espécies gato-do-mato-grande e gato-maracajá. “Dos nossos resultados, o primordial é poder mostrar para a comunidade do Rio Grande do Sul a importância destas áreas e como elas estão atuando em uma paisagem cada vez mais impactada por ameaças ecológicas”.

Apesar do prazo, o projeto não para por aqui

Ana Paula revela que, durante a realização do RestauraPampa, o grupo passou por desafios inéditos em sua carreira. O primeiro foi a pandemia. O processo de idealização da iniciativa havia começado em março de 2020 e aprovado oficialmente em abril daquele ano. Entretanto, o Neprade só pôde começar a fazer as idas às áreas do bioma em dezembro, com uma equipe muito reduzida. “Não tinha o que fazer”, afirmou a professora.

Ana Paula acredita que, por conta deste problema, o projeto sofreu um prejuízo no contato com a sociedade. “A primeira etapa era social, antes mesmo de trabalhar com as unidades de conservação. Tinha todo um componente do RestauraPampa que era bastante vinculado a questões sociais, como trabalhar com os proprietários rurais, mas a gente não podia chegar na casa deles. Essa população em questão é uma população idosa, tínhamos que ter esse cuidado. Ainda não tinha vacinação, então atrasou tudo”, declarou a docente.

Para a professora, o outro grande empecilho para a execução da iniciativa à época foram as estiagens no bioma, que foram as mais extremas dos últimos anos. “Tudo que a gente tinha que trabalhar ‘a campo’, precisávamos que o campo estivesse viçoso, mas estava tudo seco. Não havia o que fazer. Foi muito difícil. Desgastante”, confessou.

A docente ainda revelou uma das situações complicadas em que o grupo viveu durante a realização do projeto, na pandemia: “Teve uma saída em 2022 que a equipe ficou no hotel e todo mundo pegou Covid-19. Eram cinco pessoas. O contato com os produtores locais, que é algo riquíssimo quando se fala de restauração de ecossistemas, porque os ecossistemas estão nas propriedades rurais, foi muito atrasado”.

Apenas neste ano que o Neprade conseguiu trabalhar o aspecto social e extensivo do RestauraPampa, com um plano de divulgação por meio de palestras, cursos, oficinas. De acordo com Ana Paula, o grupo tem sido bastante chamado em cidades do Rio Grande do Sul – e até mesmo na Colômbia – para falar sobre a iniciativa. “Estamos correndo atrás do prejuízo da pandemia”, diz.

Em função de todas as dificuldades, o projeto precisou ser prorrogado até 2024, tendo como data final oficial o dia 30 de abril do próximo ano. Entretanto, a professora acredita imensamente que a proposta do RestauraPampa não irá parar com seu fim. “A experiência e a expertise que a gente obtém numa iniciativa dessas faz com que ela seja uma parte da caminhada que engancha em uma próxima e que gera subsídios para que criemos mais uma proposta”.

Ana Paula finaliza expondo, do fundo de seu coração, a relevância de ideias como a do RestauraPampa. “Como instrumento de parceria e de contato, os projetos precisam ter fim. Mas eles são uma construção de ciência. A ciência não é algo parado, ela tem continuidade. Esse é o grande desafio da ciência brasileira, porque ela não tem a valorização necessária. O cientista brasileiro é também gestor, influencer… A gente tem que fazer de tudo para dar continuidade. Então, com certeza o projeto continua, com novas ideias, absorvendo o que é mais importante para o bioma e dando continuidade a novas parcerias, com novos alunos. O RestauraPampa termina em abril de 2024, mas continua como ciência”.

Confira vídeo com registro do “gato-do-mato-grande”:

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