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CIÊNCIA. Projeto da UFSM pesquisa a criação de tintas de baixa toxidade a partir de plantas comuns

O trabalho surgiu nas artes visuais, mas se transformou em transdisciplinar

Professora Flávia Pedrosa Vasconcelos, na sala onde coordena o Grupo AVEC e o Laboratório de Criatividade e Inovação

Por Julia Maciel Weber (texto e fotos) / Da Agência de Notícias da UFSM

“Você olha por onde anda?” Essa pergunta normalmente é feita para quem, distraído, esbarra em obstáculos sem notar, mas também pode ser um convite para a inovação. Foi olhando pelos caminhos da UFSM que Flávia Pedrosa Vasconcelos, professora do Departamento de Artes Visuais e do Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais (PPGArt), criou o projeto “Materiais artísticos, criatividade e potencialização de inovação desde a universidade”. Com o intuito de elaborar tintas com materiais de fácil acesso, que possam ser replicadas, e com baixa toxicidade, a iniciativa estuda o uso de plantas comuns no Rio Grande do Sul como matéria-prima.

Trilhas de arte e educação

Natural de Fortaleza, Ceará, Flávia atuava como professora na Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf), no Campus de Juazeiro, Bahia. Lá, trabalhou com arte e educação e se envolveu no Projeto Escola Verde (PEV), do qual participa até hoje. O PEV investiga as dificuldades de inserção das questões ambientais na formação dos alunos de escolas de ensino fundamental, médio e superior da região do Vale do São Francisco e promove ações para reduzir os impactos com a participação das comunidades escolares.

Em busca de novas oportunidades e desafios, Flávia chegou na UFSM em 2020, com grandes expectativas. No entanto, foi surpreendida pela pandemia após sua primeira aula na Instituição. Com o retorno presencial, quase dois anos depois, começou a praticar “caminhadas estéticas” – nome dado nas artes para a atividade de observação da natureza e suas potencialidades – junto ao Grupo de Pesquisa Artes Visuais e Criatividade (AVEC), o qual coordena. “Vamos andando, observando e ouvindo o que a natureza está nos mostrando em termos visuais e nos sensibilizando por meio dela em silêncio”, explica a professora. A partir disso, surgiu a ideia de produzir tintas com materiais encontrados pelo chão.

O primeiro material utilizado para produzir as tintas foi a terra. Porém, devido ao alto teor de metais pesados, acumulados em processos como a chuva, o resultado obtido foi bastante tóxico. Inicialmente, o uso do produto seria destinado apenas aos projetos dos próprios alunos de Artes Visuais, mas devido ao amplo trabalho ligado à educação básica e à extensão, Flávia decidiu pesquisar alternativas menos tóxicas que pudessem ser usadas e reproduzidas também nas escolas.

A trajetória multidisciplinar 

Para que a ideia se materializasse, Flávia contou com o auxílio de professores de outras áreas da UFSM ao longo do caminho. O primeiro a apoiar a iniciativa foi o professor de Biologia Renato Zachia. A parceria surgiu através de uma visita ao Jardim Botânico de Santa Maria (JBSM), após sua reabertura – época em que Renato ainda era diretor do espaço. No projeto, o professor atua na área de Botânica Sistemática, que identifica as plantas, pesquisa novas espécies potenciais, de acordo com a viabilidade de uso e obtenção, além de participar das coletas. 

Na busca de uma parceria na área química para seu grupo de pesquisa, o caminho de Flávia também se cruzou com a professora de Química da UFSM Ionara Dalcol, que trabalha com produtos naturais. Ionara conta que a parceria com o projeto de materiais artísticos foi uma consequência natural da colaboração inicial com o AVEC. A professora auxilia na parte de química orgânica, no desenvolvimento de novos produtos e na reciclagem de materiais para aplicação nas tinturas. 

Outro colaborador importante foi o professor de Bioquímica Félix Antunes, que atua na área de neurotoxicologia experimental. Já com o projeto iniciado, Flávia encontrou com Félix na Pró-Reitoria de Graduação (Prograd) – onde atua como pró-reitor substituto – e ele sugeriu a realização de testagens da toxicidade do material produzido e se dispôs a contribuir com a iniciativa. Dessa forma, o professor é responsável pelos testes de toxicidade e análise dos materiais produzidos. 

Amostras das tintas à base de giz secando no laboratório. A pesquisa surgiu nas Artes Visuais mas se tornou transdisciplinar

Reestruturação do projeto

Em seu registro oficial, em junho de 2022, o projeto foi cadastrado como de extensão e chamado “Artes visuais e transversalidades: arte/educação ambiental em processos criativos”. Porém, a partir de maio deste ano, ganhou o novo nome e passou a ser registrado como pesquisa, pois apesar de não ter chegado a um produto final e ainda estar aberto a novas possibilidades de materiais, já superou a fase inicial de exploração. Fase essa que inspirou a construção de uma cartilha que orienta a criação de pigmentos naturais com plantas comuns no Rio Grande do Sul. A cartilha está em etapa de finalização e até o final do ano deve concorrer ao edital de publicações editoriais, ligado à Pró-Reitoria de Extensão (PRE), devido à origem extensionista do projeto.

Entretanto, a mudança de extensão para pesquisa está ligada, principalmente, à necessidade de registro do projeto no Sistema Nacional de Gestão do Patrimônio Genético e do Conhecimento Tradicional Associado (SisGen), uma plataforma de cadastramento obrigatório para pesquisas realizadas com patrimônio genético. A espécie cadastrada no sistema foi a maria-mole (Senecio brasiliensis), muito comum no Rio Grande do Sul e considerada uma praga por causar intoxicação ao gado e ocasionar altas taxas de mortalidade animal no estado. A aposta do grupo, quanto ao controle e manejo da planta, é a produção de tintas para uso artístico, que diminui o efeito tóxico.

Além dela, espécies exóticas também são testadas, como a chamada trombeta chinesa (Campsis grandiflora). Apesar de apresentar característica invasiva e seiva (líquido responsável por sua nutrição) tóxica, é muito utilizada como erva em tratamentos da Medicina Tradicional Chinesa, por suas propriedades anti-inflamatórias e antioxidantes, que auxiliam a função renal e favorecem a circulação sanguínea. O desafio de seu uso está em diminuir sua toxicidade e encontrar um fator-comum na produção da cor com potencialidade terapêutica.

Procedimentos e materiais

Paralelo à produção a partir de plantas, o grupo também realiza as testagens de uma tinta alternativa, que utiliza giz de lousa como matéria-prima. A ideia surgiu nesse ano e visa reutilizar restos de giz arrecadados pelas escolas integrantes do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (Pibid) de Artes, o qual Flávia também coordena. Embora o giz seja um material tóxico, a ação é diminuída em estado aquoso, e tanto o giz quanto as plantas passam pelo processo de diluição com outras substâncias de fácil acesso, para adquirir consistência, durabilidade e diminuir a toxicidade.

Uma das ideias centrais do projeto é que o processo de produção das tintas seja o mais simples possível, para que possam ser reproduzidos por artistas ou em escolas. Tanto na tintura à base de giz quanto de planta, o primeiro estágio do procedimento é o de maceração, em que os materiais são amassados em um tipo de pilão e depois misturados com água quente, vinagre, cola, álcool 90% ou outros materiais comuns usados para teste. Após a preparação da solução, as amostras ficam sob observação no laboratório para análise do resultado.

Graças ao trabalho coletivo com os colegas Félix e Ionara e de desapegos de outros professores do CAL, Flávia conseguiu reunir um pequeno acervo de instrumentos de laboratório, como a balança de precisão, os instrumentos de maceração, entre outros, ao longo do tempo. Materiais usados na preparação das tintas, como vinagre e álcool, muitas vezes são providenciados através de recursos próprios da professora…”

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