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A sombra do Massacre de Cité Soleil – por Leonardo da Rocha Botega

Irritação transfóbica do general com deputada e o principal: a história do Haiti

Na última terça-feira, 26 de setembro, durante a sessão da CPI dos Atos Golpistas, a deputada Duda Salabert (PDT-MG) foi duramente repreendida pelo ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), general Augusto Heleno, com as seguintes palavras: “Isso é uma afirmativa mentirosa. Se eu quiser, eu vou para a Justiça, processo o senhor e boto o senhor na cadeia”.

O questionamento que levou o ex-todo poderoso do governo Bolsonaro ao descontrole (e ao ato transfóbico de chamar de “senhor” uma deputada transexual), foi o de sua atuação como coordenador da Operação Punho de Ferro no Haiti, durante a Missão de Estabilização da ONU, a Minustah, em 2005. Duda Salabert tocou diretamente em uma das grandes feridas abertas na trajetória do general Heleno.

A Operação Punho de Ferro foi deflagrada na madrugada de 6 de julho de 2005 no complexo de favelas de Cité Soleil, situado em Porto Príncipe, capital do Haiti. O complexo, onde vivem cerca de 300 mil pessoas, foi invadido por aproximadamente trezentos soldados fortemente armados.

O objetivo era capturar Dread Wilme, líder de uma das centenas de gangues que atuam no país mergulhado no caos desde a deposição do presidente Jean-Bertrand Aristide em 2004. O líder da gangue acabaria morto.

Junto com Wilme, sessenta e três pessoas também foram mortas. Entre esses, de trinta a quarenta “civis” (pessoas sem ligação com as gangues), muitas mulheres e crianças, conforme denúncia encaminhada à Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA pelo Centro de Justiça Global e pela Universidade de Harvard (EUA).

Moradores de Cité Soleil, em depoimentos no documentário It Stays With You, afirmam que rajadas de balas eram disparadas de Helicópteros atingindo famílias em suas casas. Telegramas da diplomacia estadunidense relatam que foram gastos aproximadamente vinte e dois mil cartuchos na operação. Questionado devido à alta letalidade da operação, general Heleno, então comandante da Minustah, afirmou que a operação fora exitosa e que as mortes de “civis” foram “danos colaterais”.

Segundo o portal Carta Maior, em palestra ministrada em setembro de 2006, em São Paulo, Augusto Heleno relatou detalhes das mortes. Descreveu a autorização dada aos soldados peruanos para que atirassem em quem viesse buscar os corpos dos mortos. Afinal, “amigo de bandidos também toma tiro, para parar de vir buscar os corpos”. Conforme o general, os peruanos “fizeram uma festinha boa ali”.

As denúncias do Massacre de Cité Soleil, bem como, a acusação de que a Minustah permitia a ocorrência de abusos, favorecia a impunidade e contribuía para o crescimento da onda de violência no Haiti, causaram grande desconforto, tanto na ONU, como no governo brasileiro. Tal desconforto levou a substituição do general Augusto Heleno pelo general Urano Bacellar.

Tal ato, segundo uma fonte consultada pelo jornal Brasil de Fato, serviu para “cozinhar a raiva aos governos do PT”. O resto veio com a implantação da Comissão Nacional da Verdade para investigar os crimes praticados pelos agentes do Estado durante a Ditadura Civil-Militar. Augusto Heleno fez parte do grupo de militares que, liderado pelo general Silvio Frota, lutou contra a abertura democrática proposta pelo presidente Ernesto Geisel.

O Massacre de Cité Soleil é a grande sombra que permeia a atuação da Missão da ONU no Haiti. Até hoje a organização não deu nenhuma resposta efetiva aos questionamentos à cerca do número de mortos, das circunstanciais das mortes e do detalhamento da operação. Uma grande sombra que permeia, sobretudo, a ação dos militares brasileiros, que até a pouco “vendiam” a Missão no Haiti como seu grande “case”.

O Massacre de Cité Soleil é um “case” que não diferenciou muito a ação no Haiti de inúmeras outras operações que agentes de segurança do Estado Brasileiro realizam cotidianamente nas favelas do país, matando todo ano milhares de pessoas, sobretudo, afrodescendentes considerados “suspeitos”.

Seria esse o motivo da irritação do ex-ministro? Ou seria o fato de que o seu comando auxiliou (e muito) no fracasso que, como podemos ver hoje, representou a Minustah?

(*) Leonardo da Rocha Botega, que escreve regularmente no site, é formado em História e mestre em Integração Latino-Americana pela UFSM, Doutor em História pela UFRGS e Professor do Colégio Politécnico da UFSM. É também autor do livro “Quando a independência faz a união: Brasil, Argentina e a Questão Cubana (1959-1964).

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Um Comentário

  1. Tatica de destruição de reputações. Um monte de ‘informações’ que a maioria não vai verificar (inclusive eu, nesta coxilha não morro). A maioria vai considerar ‘verdade’. Olhando daqui, vendo de quem veio, são falsidades. Como costume. Lembrando que as regras de engajamento nas missões de imposição da paz da ONU são diferentes. Preocupante mesmo é o rombo nas contas publicas não deste ano, o do ano que vem que vai ser maior. E o caso da Bahia, Sapo Dino disse que o governo vai colaborar com um helicoptero e um blindado. Que já estavam naquele estado há algum tempo. Ou seja, movimento contra o crime organizado é para ingles ver.

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