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O bumerangue da Netanyahu e o Cíclope midiático – por Leonardo da Rocha Botega

“Nem Israel, nem os EUA, apostam numa saída diplomática para o conflito”

Mais uma vez o conflito entre Israel e Palestina ganha a dimensão mundial. Desde os ataques proferidos pelo Hamas no último dia sete, os olhos da mídia corporativa internacional se voltaram ao Oriente Médio. Surpresos, como se o conflito tivesse começado naquele dia, passaram a promover um olhar enviesado e preso aos velhos dogmas eurocêntricos e ocidentalizados.

Tal como os Cíclopes, seres gigantes da mitologia grega que possuíam apenas um olho no meio da testa, a mídia internacional corporativa, ao invés de problematizar as razões do conflito, passou a promover a eterna lógica da luta do bem contra o mal. Chegando inclusive a propagar informações sem checagem desmentidas pelo próprio governo israelense, como no caso das supostas crianças degoladas. Um exercício ideológico que promoveu até mesmo o apagamento do caráter extremista do governo do primeiro ministro israelense Benjamin Netanyahu.

Nos meses que antecederam ao ataque do Hamas, o governo Netanyahu enfrentou fortes protestos de diversos setores da sociedade israelense contra medidas que submetem o judiciário aos mandos do parlamento e do executivo. Tais protestos tiveram ampla cobertura na mídia corporativa internacional. Esta se somou majoritariamente à opinião dos setores que consideram a Reforma Judicial uma tentativa do governo mais conservador da História de Israel de “matar à democracia”.

Porém, se o olho de Cíclope da mídia corporativa internacional esteve atento à justa revolta dos israelenses contra o autoritarismo de Netanyahu e de seus aliados supremacistas, não o foi em relação ao que vinha (e vem) ocorrendo na Faixa de Gaza e na Cisjordânia. Ao longo dos últimos anos, organizações de direitos humanos como a Anistia Internacional, a Human Rights Watch e a israelense B’Tselem têm denunciado a intensificação da política de ocupação ilegal e violação dos direitos humanos nos territórios palestinos.

Em 2021, a Human Right Watch acusou o governo de Israel de promover uma política de apartheid contra o povo palestino. Essa mesma acusação foi feita em 2007 pelo professor sul-africano John Dugard, em relatório vinculado ao Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas. Sua apuração das violações dos direitos humanos nos Territórios Palestinos Ocupados indicou que “elementos da ocupação israelense constituem formas de colonialismo e apartheid”.

Desde 1996, o longo dos seus quatro mandatos como primeiro-ministro, Netanyahu nunca respeitou os vantajosos (para Israel) Acordos de Oslo. Diferentemente, a Autoridade Palestina e o Fatah passaram a adotar uma política de respeito aos acordos em meio à piora das condições de vida dos palestinos e a não interrupção da ofensiva israelense. Como consequência, passaram também a ser fortemente contestados, uma vez que, conforme as últimas três décadas evidenciaram, nem Israel, nem os Estados Unidos (o fiador dos acordos de 1992), apostam numa saída diplomática para o conflito. Uma saída que se tornou ainda mais distante com o retorno de Netanyahu ao governo em dezembro de 2022.

Desde sua posse, o primeiro ministro israelense, tendo como base e orientação política o supremacismo branco e o fundamentalismo sionista, intensificou a política de ocupação e extermínio da população palestina. Em agosto, a Human Right Watch alertou que nos primeiros meses deste ano o número de crianças e adolescentes palestinos mortos pelas forças de segurança de Israel já havia superado as cifras totais de 2022, ano em que os números já haviam sido superiores aos registrados anualmente nos últimos 15 anos.

Outras violações registradas nos últimos meses foram: a proibição de cerca de 650 mil palestinos de sair de Al-Khalil (Hebrón), mesmo diante do desabastecimento de alimentos que vive a região; aproximadamente cinco mil palestinos detidos; dezenas de ataques à barcos de pescadores palestinos no Mar de Gaza por parte da Marinha de Israel; ataques visando a expulsão dos palestinos e a ocupação das terras por parte de colonos judeus em diversas cidades da Cisjordânia; profanação de locais religiosos mulçumanos como a mesquita de Al-Aqsa, profanada cinco vezes nos primeiros cinco dias de outubro. (Uma síntese dessas violações foi feita pelo filósofo italiano Franco Berardi “Bifo”, em artigo publicado em 12/10 nos sites Effimera e El Salto).

Todas essas violações, que refletem o cotidiano do povo palestino ao longo de sete décadas, não tiveram eco na mídia corporativa internacional. Assim como não estão tendo eco as violações que vem ocorrendo nos últimos dias, desde que Netanyahu encontrou uma justificativa para seguir a sua política de extermínio (agora reforçada pela hipocrisia das potências ocidentais).

Coube justamente ao Haaretz a tarefa de denunciar a responsabilidade do primeiro ministro pelo “desastre que se abateu sobre Israel no feriado de Simchat Torá”. Segundo o principal jornal israelense, ao “estabelecer um governo de anexação e desapropriação”, bem como, adotar “uma política externa que ignora abertamente os direitos dos palestinos”, Netanyahu conduziu conscientemente Israel ao perigo.      

O ataque do Hamas que atingiu, sobretudo, civis, nada mais foi do que o retorno do bumerangue de Benjamin Netanyahu. Um bumerangue que seguirá sendo atirado e que seguirá retornando, não apenas enquanto Netanyahu, os supremacistas e os fundamentalistas sionistas estiverem à frente do governo, mas também, enquanto a solução de “dois Estados, um território”, historicamente defendida por humanistas como o palestino Edward Said e o judeu Amós Oz, não for efetivada.

Infelizmente, o olho do Cíclope midiático não contribui em nada para isso. A paz somente será possível quando todas as mortes tiverem a mesma importância e a violência do opressor for tão denunciada como o é a violência do oprimido. 

(*) Leonardo da Rocha Botega, que escreve regularmente no site, é formado em História e mestre em Integração Latino-Americana pela UFSM, Doutor em História pela UFRGS e Professor do Colégio Politécnico da UFSM. É também autor do livro “Quando a independência faz a união: Brasil, Argentina e a Questão Cubana (1959-1964).

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17 Comentários

  1. Mulheres foram estupradas e crianças mortas no berço. Ridiculo o ‘não foram decapitadas, logo não vale’. Também ridiculo o ‘Israel não pode acertar a conta, tem que enterrar seus mortos e resolver diplomaticamente’. Mais ridiculo ainda o ‘vamos fugir da barbarie focando na politica internacional e nos problemas politicos internos de Israel’. Pergunta que não quer calar, o que mais o Hamas deveria ter feito para receber a condenação dos vermelhos?

  2. Ataque matou muitos militantes de esquerda e pacifistas em Israel. O que saira disto não se sabe. Midia, vermelhos, pessoal dos direitos humanos querem limitar a retribuição dos israelenses. Problema lá não tem solução no horizonte, logo é perda de tempo esquentar a cabeça. Vermelhos sabem disto, só utilizam o assunto para ‘polarizar’, a identidade deles é definida pela ‘negação’.

  3. Opressor e oprimido é uma balela. Há os ‘sem-poder’ (muitos) e os ‘com-poder’ (poucos). Quem tem poder não costuma dizer ‘vamos sentar, conversar e decidir juntos’. Muito mais do que obvio.

  4. ‘A paz somente será possível quando todas as mortes tiverem a mesma importância e a violência do opressor for tão denunciada como o é a violência do oprimido’. Defina ‘importancia’. Quem é bom para bater é bom para apanhar. ‘Denunciada’ a troco de quê? A opinião das grandes massas não importa. Alguém acredita que no Oriente Medio estão preocupados com a opinião da população de Santa Maria da Boca do Monte? Nem sabem onde fica.

  5. Aqui é necessario consultar alguém que entenda de historia. ‘[…] a solução de “dois Estados, um território”. Em 1947 foi feita a partição da Palestina pela ONU. Em 1948 acontece a primeira guerra arabe-israelense, dois estados não servia. Israel de um lado. Egito, Jordania, Siria, Iraque, Libano, Arabia Saudita e Yemen do outro. Começou a ciranda.

  6. ‘O ataque do Hamas que atingiu, sobretudo, civis, nada mais foi do que o retorno do bumerangue de Benjamin Netanyahu’. De modo esquivo equivale a ‘foi estuprada, mas olha a roupa que estava vestindo’.

  7. O que é de Netanyahu esta guardado. Até ele sabe disto. Haaretz é o terceiro em circulação. De qualquer maneira jornal não vota? Vota?

  8. Capivara do Franco Berardi “Bifo”. Filosofo marxista italiano. Qualquer outra informação sobre ele é ‘lixo mental’. O resto é o velho papinho que as minorias gostam de ouvir, ‘opressor-oprimido’. Funciona com trouxas.

  9. ‘[…] tendo como base e orientação política o supremacismo branco […]’. Volta aos ‘ aos velhos dogmas eurocêntricos e ocidentalizados’. Defina ‘branco’. Para os russos os habitantes do caucaso, caucasianos portanto, não são considerados ‘brancos’. Há quem ache os ‘amarelos’ ‘raça superior’. Desqualificação que não faz o menor sentido.

  10. Israel não esta em guerra com a Autoridade Nacional Palestina. Acordos de Oslo ‘não valem’ para quem não os aceita.

  11. ‘[…] o longo dos seus quatro mandatos como primeiro-ministro, Netanyahu […]’. Se teve tantos mandatos é porque foi eleito, não foi? Ou só é democracia quando os que comigo concordam são eleitos? Lembra algo, não sei o quê.

  12. Direitos humanos não é algo universalmento aceito. Vide ‘velhos dogmas eurocêntricos e ocidentalizados’. De qualquer maneira, o que dizem os relatorios dos direitos humanos na Faixa de Gaza e demais paises muçulmanos? Não é correto utilizar este tipo de coisa só no que beneficia e ignorar no que prejudica. Basico.

  13. ‘Reforma Judicial uma tentativa do governo mais conservador da História de Israel de “matar à democracia”’ Primeiro o obvio, historia de Israel ainda não terminou. Segundo, aquele pais não tem constituição escrita. Os integrantes começaram a utilizar ‘principios’ nas decisões, filme que muitos já viram. Na base esta a controversia ‘Estado Judeu e democratico’ ou Judeu-Sionista’. Assunto interno. Obvio que os vermelhos, que copiam os ianques, gostam de bancar a policia do mundo, do pensamento alheio…

  14. ‘[…] informações sem checagem desmentidas pelo próprio governo israelense, como no caso das supostas crianças degoladas.’ Pelo menos 40 crianças mortas, algumas no berço. Não estão vivas. Dificil entender?

  15. Kuakuakuakua! ‘[,,,] velhos dogmas eurocêntricos e ocidentalizados.’ Sim, o autor é um ‘iluminado’ livre de qualquer dogma! Kuakuakuakua! Quem não tem argumento desqualifica. Simples assim.

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