Jornais perderam qualidade com a burocratização do acesso do leitor ao repórter – por Carlos Wagner
Creia: “nada substitui uma conversa olho no olho entre o repórter e o leitor”
Não é saudosismo. É indignação de um velho repórter estradeiro que compreendeu que as dificuldades criadas pelos dirigentes dos jornais para evitar o contato direto entre o repórter e o leitor que procura a redação em busca de uma solução para os seus problemas do cotidiano prejudicou a qualidade das matérias. Comecei na lida da reportagem em 1979, época que o leitor batia na porta da redação, chamava o repórter e os dois conversavam cara a cara.
Frequentemente a conversa acabava em bate-boca e precisava da intervenção da turma do deixa disso. Mas na maioria das vezes rendia boas reportagens. O meu primeiro Prêmio Esso de Jornalismo foi graças a um leitor que foi na redação fazer uma reclamação. Nos dias atuais, os jornais, as emissoras de rádio e TV e as outras plataformas de comunicação cantam marra dizendo que ouvem os leitores.
Conversa para boi dormir, como diz o dito popular. As reclamações primeiro são checadas para averiguar se são verdadeiras, com o que eu concordo. Depois passam por um filtro que retira a indignação do leitor, o que considero uma sacanagem. Se o leitor pedir para falar com o chefe do repórter, o editor, dificilmente conseguirá, porque esse personagem passa o dia inteiro em reunião.
Contei essa história porque considero que a imprensa tem parte da culpa pela falta de solução da lambança semeada pela chuvarada e o vendaval que detonaram na sexta-feira (03/11) cidades da Região Metropolitana de São Paulo.
A tempestade matou sete pessoas e causou um apagão de energia elétrica que durou vários dias, prejudicando mais de 1 milhão de residências e estabelecimentos, comerciais e indústrias. Em consequência, populares foram às ruas protestar contra a lentidão dos consertos por parte da Enel, concessionária de distribuição da energia elétrica que substituiu a estatal Eletropaulo, fundada em 1981 e, em 1998, dividida em quatro empresas.
Não vou discutir a questão da privatização. Mas a fiscalização que oficialmente é feita pelas agências de regulação dos serviços públicos, que no caso da Enel é a Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL).
Aqui é o seguinte. As agências de regulamentação funcionam no seu limite, falta de tudo um pouco: funcionários, equipamentos e instrumentos de trabalho. Se o consumidor fizer uma reclamação para uma agência, ela abre um processo e chama o concessionário para dar explicações. O que pode demorar meses.
Se ele reclamar para um repórter, na próxima edição do noticiário o concessionário estará dando explicações no gibi, como eram chamados os jornais na época das barulhentas máquinas de escrever nas redações. É diferente e mais eficiente. Depois do temporal em São Paulo, a imprensa tem feito uma boa cobertura dos fatos.
Entre as muitas matérias publicadas uma chamou a minha atenção. Falava que os problemas com a prestação de serviços da Enel não são de agora. Vêm de muito tempo. Dezenas de fatores foram apontados como responsáveis pela má prestação dos serviços, um deles se destaca: a diminuição do efetivo de funcionários.
Problema semelhante aconteceu no Rio Grande do Sul, que nas últimas semanas foi varrido por vários ciclones extratropicais, principalmente a Região Metropolitana de Porto Alegre, o Litoral Norte e o Vale do Taquari, onde, em setembro, uma tempestade seguida de inundações matou 50 pessoas e destruiu várias cidades, entre elas Muçum e Roca Sales.
As maiores distribuidoras de luz no Estado são a RGE, que pertence ao Grupo CPFL, e o Grupo Equatorial Energia, que compraram a parte de distribuição da antiga estatal Companhia Estadual de Energia Elétrica (CEEE). Os noticiários estão repletos de reportagens reclamando da eficiência das novas concessionárias.
Os problemas causados para os consumidores pela falta de eficiência das empresas de distribuição de energia têm lugar de destaque no quadro de aflição dos consumidores. Mas não são os únicos: empresas que prestam serviços de internet, TV a cabo, planos de saúde e bancos também têm os seus espaços nobres nessa galeria.
Os consumidores, em especial os idosos, enfrentam sérios problemas. Vou contar uma história. Estava em um grande e bem equipado hospital em Porto Alegre aguardado a minha vez de ser atendido no laboratório. Percebi que uma senhora, de traços finos, vestida de maneira simples e elegante, mexia aflita em um telefone celular. Fiquei observando-a e notei que, aos poucos, ela ficava cada vez mais nervosa e chamava pela atendente no balcão.
Depois dela ser atendida foi a minha vez. Perguntei para a balconista o motivo do nervosismo da senhora. Ela me explicou: “A autorização dos exames antes era feita em um formulário de papel. Agora, a maioria dos planos de saúde faz pelo celular. As pessoas mais idosas têm dificuldades para navegar na internet em busca da autorização dos exames e ficam nervosas. Nós as ajudamos”.
Digo o seguinte. A vida dos consumidores, em especial dos mais velhos, fica cada dia mais difícil. Não conseguem se beneficiar dos avanços das tecnologias porque ninguém lhes explica como funciona.
Como disse no começo da nossa conversa, sou um velho repórter e aprendi que a velhice não nos torna sábios, e muito menos a juventude nos faz uma pessoa arrojada. O que torna o repórter relevante para o seu leitor é o seu trabalho diário.
Como a chamada grande imprensa virou as costas para o cidadão que batia na sua porta em busca apoio da mídia para resolver os seus problemas, vejo que isso cria uma oportunidade de montar um site voltado exclusivamente para atender as broncas dos consumidores. A linguagem que fabricantes, prestadores de serviços e outros profissionais entendem: o repórter dando espaço para os clientes deles colocarem a boca no trombone.
Fato é que as novas tecnologias não estão facilitando a vida do consumidor. Muito pelo contrário, elas estão sendo usadas para camuflar as sacanagens dos fornecedores. Nada substitui uma conversa olho no olho entre o repórter e o leitor. Só para lembrar. O que escrevi não é opinião. São fato dos quais fui testemunha. E sempre que posso os lembro nas palestras que faço pelas redações do interior do Brasil e nas faculdades de Jornalismo.
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(*) O texto acima, reproduzido com autorização do autor, foi publicado originalmente no blog “Histórias Mal Contadas”, do jornalista Carlos Wagner.
SOBRE O AUTOR: Carlos Wagner é repórter, graduado em Comunicação Social – habilitação em Jornalismo, pela UFRGS. Trabalhou como repórter investigativo no jornal Zero Hora de 1983 a 2014. Recebeu 38 prêmios de Jornalismo, entre eles, sete Prêmios Esso regionais. Tem 17 livros publicados, como “País Bandido”. Aos 67 anos, foi homenageado no 12º encontro da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (ABRAJI), em 2017, SP.
‘[…] elas estão sendo usadas para camuflar as sacanagens dos fornecedores.’ Sim, no final da historia sempre tem um capitalista ganancioso e malvado. O que lembra os bancos. Alemanha os tem, como a França, os EUA, a Suiça e o Japão. Por lá funcionam. Por força de tratados bastante semelhante ao que aqui acontece. O que lá não tem é a conversa mole de que problema social é coisa dos bancos (e não problema para o Estado resolver). Nem o papinho de ‘aquele montão de dinheiro estaria melhor no Tesouro, o que geraria muitas “comissões”‘.
‘Fato é que as novas tecnologias não estão facilitando a vida do consumidor.’ Obvio que não é ‘fato’. Problema todo é o holofote no que não dá certo. Que conforme a conveniencia pode ser dirigido para outro lugar. Vide midia chapa branca da aldeia. Até mesmo em SP. Que tem população superior a 12 milhões, a cidade tem mais gente que o estado do RS.
‘[…] o repórter dando espaço para os clientes deles colocarem a boca no trombone.’ Reporter foi substituido pelas redes sociais e pelos ‘reclame aqui’ da vida.
‘[…] porque ninguém lhes explica como funciona.’ Explica sim, basta correr atrás. Há muitas instruções na internet, há funcionarios nas empresas só para isto.
No que se chega a outro problema. Galera não tem resiliencia. Querem ‘zero perrengue’. Até para trocar lampada em poste de iluminação publica é mais facil (e da mais ‘visibilidade’) ligar para uma radio do que ir no site ou aplicativo da prefeitura abrir um chamado. Num mundo ideal todo tupiniquim necessitaria de um auxiliar para assuntos aleatorios (para descascar pepinos e abacaxis) e um fiscal particular.
Questão dos apagões bate noutra questão. O indice de serviço que garante a qualidade é utilizado para dimensionar o numero de equipes de manutenção que são necessarias. Quando acontece um evento fora da curva não surgirão equipes novas do nada para resolver o problema rapidamente. Obvio. Daí algum ‘genio’ vai sair com a solução simples e facil: aumentar o valor das multas. Que no Brasil geraria o que já aconteceu alhures, corrupção, aumento de custo, processos judiciais de decadas, etc. Outra ‘industria’.
‘[…] causou um apagão de energia elétrica que durou vários dias, prejudicando mais de 1 milhão de residências e estabelecimentos, comerciais e indústrias.’ Evento causou estatistica. Não é todo lugar que ficou dias sem energia. Nem todos foram prejudicados da mesma forma. Daí se chega no mais importante, o indice utilizado para medir interrupções. Que existe e é determinado não se sabe como e nem por quem. Nos lugares que o indice for ultrapassado a consequencia é uma multa.
‘[…] má prestação dos serviços, um deles se destaca: a diminuição do efetivo de funcionários.’ Todos trabalham com mão de obra terceirizada. Inclusive a Corsan aqui no RS antes da privatização.
Processo de reclamação de agencia que conheço é a Anatel. Faz-se uma reclamação para a fornecedora de serviço. Não sendo atendida/resolvida, a reclamação deve ser feita para a ouvidoria da empresa (este passo é recente, antes não havia). Persistindo o problema faz-se a reclamação a Anatel usando o numero de protocolo da ouvidoria. É relativamente rapido.
Conversa do reporter com leitor hoje é via zap zap. Não vai voltar atras.
O que leva a outro assunto local. Querem fazer uma copia mal feita do carnaval de Uruguaiana. Que ‘recebe gente até do RJ’ (muitos também ‘recebem’ por conta de consultoria). Indigente intelectual fala que ‘quem é contra tem argumento, as escolas; mas as escolas estão “bem”‘. Saúde que poderia ser um empecilho não é citada. Tipico da aldeia, a bolha das patotinhas faz lobby, finge-se um ‘consenso’ e as coisas acontecem ‘democraticamente’.
Primeira coisa que salta aos olhos são as arvores. Questão não de SP, mas da aldeia. Há quem diga (patotinha classe media alta) que ‘existem poucas arvores na cidade’. Não é verdade, basta procurar no Youtube alguma vista de drone da urb para ver que existem muitas arvores. Logo em seguida vem a ladainha, mesmo pessoal, de ‘enterrar os fios para melhorar a estética’. Que causaria aumento de custo que a patuleia teria que pagar gostando ou não.