Artigos

Perguntas sem respostas para entender a guerra Israel versus Hamas – por Carlos Wagner

“Na maioria das vezes, o culpado pelo crime é quem se beneficiou dele”

Cada guerra que acontece no Oriente Médio é semente da próxima. O que fazer para acabar com esta lógica? (Foto EBC)

Ainda não foi respondida a pergunta fundamental para a comunidade internacional entender a guerra entre Israel e o Hamas, movimento fundamentalista palestino que governa o território da Faixa de Gaza. Como 1,5 mil terroristas do Hamas conseguiram, no primeiro sábado de outubro, dia 7, executar uma invasão ao território israelense e matar 1,2 mil pessoas e sequestrar 220?

Foi uma grande operação organizada do outro lado do muro que separa Gaza de Israel. Bem nas barbas do serviço de inteligência militar das Forças de Defesa de Israel. E dos agentes da Shin Bet, a agência que cuida da inteligência interna israelense. Em 16 e 17 de outubro, duas autoridades do setor de inteligência admitiram ter falhado na missão de impedir o ataque, o major-general Aharon Haliva, da Defesa, e Ronen Bar, oficial da Shin Bet.

Depois dessas explicações, o assunto desapareceu dos noticiários. Não poderia ser diferente. As manchetes e outros espaços nobres passaram a ser ocupados pela guerra. Exercendo o seu direito de se defender, o governo do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu prometeu e está cumprindo a aniquilação física do Hamas com bombardeios de artilharia e aviação a Gaza que já mataram mais de 12 mil pessoas, a maioria civis – há matérias na internet.

O futuro dessa guerra ainda é indefinido. Portanto, é assunto para a imprensa diária. Eu quero centrar a nossa conversa na busca da resposta para a pergunta sobre como tudo começou. Por quê? Vou contar uma história. Na Guerra do Vietnã (1955 a 1975), as tropas dos Estados Unidos permitiam que os correspondentes de guerra acompanhassem os batalhões de infantaria e blindados nos combates. O resultado foi que as fotos, filmes e textos produzidos pelos jornalistas alimentaram um movimento de revolta contra a guerra na opinião pública americana que acabou influenciando de maneira decisiva para o fim das hostilidades.

Desde então, os jornalistas que fazem a cobertura das guerras envolvendo militares americanos foram mantidos fora dos combates e confinados a centros de imprensa localizados a centenas de quilômetros das frentes de batalha. Falando a linguagem simples das redações dos jornais. Os correspondentes de guerra passaram a comer na mão dos porta-vozes dos generais. Esse modelo de cobertura das guerras foi adotado por vários países, incluindo Israel. Terminou a história.

Vamos aos fatos atuais. As novas tecnologias de comunicação acabaram com esse modelo de cobertura das guerras. Hoje, os conflitos são transmitidos online pela população civil e os combates e os conteúdos podem ser encontrados com facilidade nas redes sociais. A guerra que está sendo travada entre a Ucrânia e a Rússia é transmitida online. Assim como o confronto entre Israel e o Hamas.

Se forem comparadas as versões dos porta-vozes das Forças de Defesa de Israel e do Hamas com as transmissões feitas pelos civis, palestinos e israelitas, podemos ver que há alguma coisa errada. Em síntese: os judeus querem que as suas tropas priorizem a libertação dos reféns e os palestinos, que parem de bombardear indiscriminadamente suas casas e hospitais.

Respondendo à pergunta que fiz sobre o motivo pelo qual considero importante que os jornalistas expliquem aos leitores como o Hamas conseguiu entrar no território israelita, que é protegido por um dos mais experientes, equipados e organizados exércitos do mundo.

Desde sua fundação, em 1948, Israel travou mais de 20 guerras com os seus vizinhos. O major-general Haliva e o oficial de inteligência Bar assumiram a culpa pela invasão. Mas a questão não é tão simples assim. Até acontecer a invasão terrorista, o primeiro-ministro Netanyahu enfrentava um intenso movimento popular que pedia a sua destituição do cargo, por estar respondendo a crimes na Justiça e tentando se safar mexendo nas leis.

Nos primeiros dias da guerra, os protestos contra o primeiro-ministro cessaram. Mas estão voltando agora com o acréscimo da contrariedade de parte da população israelita pela maneira como a guerra está sendo conduzida. A imprensa de Israel tem batido nesse assunto diariamente. Bem como os noticiários de vários países ao redor do mundo, incluindo o Brasil.

Quanto ao Hamas, até a invasão os acordos entre Israel e vários países do Golfo Pérsico, como Arábia Saudita, ameaçavam minar a liderança do movimento. O que significa isso? O financiador do Hamas, no caso o Irã, iria procurar outro lugar para colocar o seu dinheiro.

Aqui uma explicação para os jovens repórteres envolvidos na cobertura do dia a dia nas redações. Durante a Guerra Fria (1947 a 1991), travada entre os capitalistas Estados Unidos e a comunista e extinta União Soviética, era comum americanos e soviéticos financiarem organizações como o Hamas que defendessem os seus interesses.

Voltando a nossa conversa. Os resultados da invasão a Israel tornaram o Hamas relevante para o Irã. Esse foi um dos motivos pelos quais os terroristas levaram câmeras no peito para mostrar nas redes sociais as ações que praticaram.

Tudo isso aconteceu por obra do acaso? É a explicação que precisamos dar ao nosso leitor. Há um fator que pode facilitar o nosso trabalho. No próximo ano acontecerão as eleições presidenciais nos Estados Unidos. O presidente americano Joe Biden (democrata) tem como principal adversário o ex-presidente Donald Trump (republicano), que é amigo e parceiro político do primeiro-ministro Netanyahu – há matérias na internet.

Biden não vai retirar o histórico apoio dos americanos a Israel. Mas começou a falar, em alto e bom som, que a responsabilidade pela integridade da população civil de Gaza é de Netanyahu e que também é favorável à consolidação da Palestina como país. O que o governo americano sabe sobre a invasão do território israelense pelo Hamas que não tornou público? Seria ingenuidade nossa acreditar que o governo americano aceitou a versão do serviço de inteligência de Israel sobre como tudo aconteceu.

Sabem, nas redações de jornais nos tempos das barulhentas máquinas de escrever existiam os chamados repórteres policiais, os colegas que faziam a cobertura dos casos de polícia. Aprendi muito com eles. Uma das lições foi que, na maioria das vezes, o culpado pelo crime é quem se beneficiou dele. É um bom caminho para entender a guerra Israel versus Hamas.

PARA LER NO ORIGINAL, CLIQUE AQUI.

(*) O texto acima, reproduzido com autorização do autor, foi publicado originalmente no blog “Histórias Mal Contadas”, do jornalista Carlos Wagner.

SOBRE O AUTOR:  Carlos Wagner é repórter, graduado em Comunicação Social – habilitação em Jornalismo, pela UFRGS. Trabalhou como repórter investigativo no jornal Zero Hora de 1983 a 2014. Recebeu 38 prêmios de Jornalismo, entre eles, sete Prêmios Esso regionais. Tem 17 livros publicados, como “País Bandido”. Aos 67 anos, foi homenageado no 12º encontro da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (ABRAJI), em 2017, SP.

Artigos relacionados

ATENÇÃO


1) Sua opinião é importante. Opine! Mas, atenção: respeite as opiniões dos outros, quaisquer que sejam.

2) Fique no tema proposto pelo post, e argumente em torno dele.

3) Ofensas são terminantemente proibidas. Inclusive em relação aos autores do texto comentado, o que inclui o editor.

4) Não se utilize de letras maiúsculas (CAIXA ALTA). No mundo virtual, isso é grito. E grito não é argumento. Nunca.

5) Não esqueça: você tem responsabilidade legal pelo que escrever. Mesmo anônimo (o que o editor aceita), seu IP é identificado. E, portanto, uma ordem JUDICIAL pode obrigar o editor a divulgá-lo. Assim, comentários considerados inadequados serão vetados.


OBSERVAÇÃO FINAL:


A CP & S Comunicações Ltda é a proprietária do site. É uma empresa privada. Não é, portanto, concessão pública e, assim, tem direito legal e absoluto para aceitar ou rejeitar comentários.

12 Comentários

  1. ‘[…] o culpado pelo crime é quem se beneficiou dele.’ Mais teoria da conspiração. Biden tem o peso da idade, divida ianque explodindo, caso de corrupção do filho (do filho?) e uma crise migratória. Numero de pessoas na lista de monitoramento por terrorismo detidos na fronteira com o Mexico já chega a duas centenas. Terminada a operação Bibi deve dançar. Ataque aconteceu no turno dele. Putin se beneficiou com o ataque, saiu a Ucrania do noticiario. Ele é culpado? Não é com chavões da ficção policial que se analisa.

  2. ‘[…] repórteres policiais, os colegas que faziam a cobertura dos casos de polícia. Aprendi muito com eles.’ Jornalista é alguém que usa o proprio instrumento de trabalho para propagandear a propria ‘competencia’. Se tivessem credibilidade até funcionaria.

  3. ‘ O que o governo americano sabe sobre a invasão do território israelense pelo Hamas que não tornou público?’ Tatica velha. Teoria da conspiração disfarçada de pergunta. Só falta dizer que deixaram acontecer o 11 de setembro.

  4. ‘Esse foi um dos motivos pelos quais os terroristas levaram câmeras no peito para mostrar nas redes sociais as ações que praticaram.’ Irã nega conhecimento antecipado e pode ter até ter gostado. Problema é que no resto do mundo, ao menos para quem tem um oitavo de neuronio, ‘estão matando judeus hoje, amanha pode ser eu por outro motivo’.

  5. ‘O financiador do Hamas, no caso o Irã, iria procurar outro lugar para colocar o seu dinheiro.’ Milicias no Yemen e na Siria andaram atacando forças ianques na Siria. Levaram o troco.

  6. Haaretz. ‘Governo da Africa do Sul é um procurador sem vergonha do Hamaz e do Iran’. Outra: num ponto de controle proximo a Jerusalem 5 feridos e um morto em tiroteio; os tres atiradores foram mortos’. Fotos de mortos no massacre. Lista de mortos na operação. The Times of Israel. Biden ‘Operação de Israel em Gaza terminará quando o Hamas não for mais capaz de assassinar israelenses’. ‘[…] acréscimo da contrariedade de parte da população israelita pela maneira como a guerra está sendo conduzida’. Mais uma ‘narrativa’. O gabinete agora é de guerra, os opositores participam. Simples assim.

  7. ‘[…] os judeus querem que as suas tropas priorizem a libertação dos reféns […]’. Este é o discurso oficial. Familiares já realizaram protestos em Israel. ‘[…] os palestinos, que parem de bombardear indiscriminadamente suas casas e hospitais.’ Isto é ‘narrativa’.

  8. ‘Esse modelo de cobertura das guerras foi adotado por vários países, incluindo Israel.’ Noutro dia um reporter da CNN estava com as tropas de Israel em Gaza. Há um problema. Se ele morre a responsabilidade é de quem levou ele lá.

  9. ‘Hoje, os conflitos são transmitidos online pela população civil e os combates e os conteúdos podem ser encontrados com facilidade nas redes sociais.’ Problema é que não é confiável. Há muita propaganda e desinformação no meio. Como saber se uma imagem não foi produzida num estudio? Ou muito distante do front?

  10. ‘[…] os jornalistas que fazem a cobertura das guerras envolvendo militares americanos foram mantidos fora dos combates e confinados a centros de imprensa localizados a centenas de quilômetros das frentes de batalha.’ Isto não é verdade. Dois exemplos, os mais famosos, Sebastian Junger e Evan Alan Wright. Ha reportagens que inclusive causaram demissão de generais. O que leva a outro assunto, veteranos reclamando da diferença do que ocorria la na ponta e o que era noticiado na imprensa ianque e o que era declarado pelas autoridades. É um bom case, como a informação viaja em grandes organizações.

  11. ‘[…] filmes e textos produzidos pelos jornalistas alimentaram um movimento de revolta contra a guerra na opinião pública americana que acabou influenciando de maneira decisiva para o fim das hostilidades’. Sim e não. Certamente não de maneira decisiva, periodistas tentam sempre puxar a braza para a propria sardinha. Era outra epoca, fatores economicos pesaram bastante. Estrutura militar ianque era diferente. Basta ver Iraque e Afeganistão, com jornalistas inclusive no front, durou 20 anos mais ou menos.

  12. Falha de inteligencia houve, determinar onde é mais dificil. Problema é que a inteligencia israelense não era a unica monitorando a situação. Muitas outras furaram, inclusive a ianque.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Botão Voltar ao topo