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Censo 2022: um Brasil que se reconhece negro – por Leonardo da Rocha Botega

Ser negro e negra no Brasil é “um exercício diário de luta pela sobrevivência”

A maioria da população brasileira é negra! Essa frase, tantas vezes afirmada, mais uma vez ganha a materialidade dos dados. É o que indicam os resultados do Censo 2022 realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, o IBGE. Simbolicamente divulgados na Casa do Olodum, no Pelourinho, em Salvador-Bahia, no último dia 22 de dezembro.

O novo Censo, adiado inúmeras vezes nos últimos anos, apontou para uma mudança do perfil étnico-racial dos brasileiros e brasileiras. Pela primeira vez desde 1872, quando o primeiro censo foi realizado, a população parda superou a população branca. São 92,1 milhões de brasileiros e brasileiras que se reconhecem como pardos ou pardas, ou seja, 45,3% da população. Por sua vez, se autodeclaram brancos, 88,3 milhões (43,5%) de brasileiros e brasileiras. 

Os autodeclarados pardos, somados aos 20,7 milhões (10,2%) autodeclarados pretos, indicam um total de 102,8 milhões (55,5%) de brasileiros e brasileiras se reconhecem como negros ou negras no Brasil. São 11,9% a mais de autodeclarados pardos e 42% a mais de autodeclarados negros em relação ao Censo de 2010. Os declarados indígenas também cresceram. Em 2010, representavam 0,5% da população, hoje representam 0,8%, 1,7 milhão de brasileiros e brasileiras. Um aumento de 89%. Os amarelos tiveram uma queda de 1,1% da população (2 milhões) para 0,4% da população (850 mil).

Para além dos números e das estatísticas, o avanço dos autodeclarados pardos e pretos é uma conquista do movimento negro brasileiro. A autodeclaração como pardo ou preto, as duas alternativas do Censo que compõe a população negra, é um exercício de identificação e autorreconhecimento significativo em uma sociedade organizada a partir do racismo estrutural e dos privilégios de branquitude, tão bem apontados por autores como Clóvis Moura, Silvio Almeida, Djamila Ribeiro, Conceição Evaristo, Cida Bento, entre outros.

Ser negro e negra no Brasil não é apenas uma questão étnico-racial. É um exercício diário de luta pela sobrevivência. No mesmo ano em que a maioria da população brasileira se reconheceu como negra, a cada quatro horas uma pessoa negra foi morta pela polícia. A cada 100 mortos pela polícia em 2022, 65 eram negros e negras. De 3.171 registros de mortes em ações policiais com informação de cor/raça declarada, 2.770 são de negros, 87,35%. Tais dados constam no estudo “Pele Alvo: a bala não erra o negro”, realizado pela Rede de Observatórios da Segurança, do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (Cesec).

Conscientizar-se como negro ou negra é, portanto, enfrentar um Estado de Opressão Racial. Um enfrentamento que uma parcela significativa da sociedade brasileira tem assumido, reivindicando o seu reconhecimento, seja nos espaços educacionais, com a difícil luta pela implantação da Lei do ensino da história e da cultura indígena e afro-brasileira e a Lei das Cotas, seja no mercado de trabalho, lutando por empregos e igualdade salarial.

Graças a Lei das Cotas o número de negros e negras nas universidades aumentou 205% em dez anos. Dado que contrasta com uma realidade onde apenas 20% dos negros e negras formandos ganham oportunidades em empresas. Uma realidade que, juntamente com os dados da violência policial, demonstra que, para além da autodeclaração de seu povo, o Estado e a sociedade Brasileira precisam de fato reconhecer sua negritude.

O Censo é um instrumento fundamental para o planejamento e a construção das políticas públicas. Seus indicadores nos dão um retrato amplo do panorama social do país. Um panorama social que do ponto de vista étnico-racial se reconheceu majoritariamente como negro. Uma maioria que não pode mais ser tratada como “a carne mais barata do mercado”. O Censo 2022 indicou o quanto a igualdade racial é necessária em um país que, apesar da maioria de sua população, ainda é pensado como unicamente branco.       

(*) Leonardo da Rocha Botega, que escreve regularmente no site, é formado em História e mestre em Integração Latino-Americana pela UFSM, Doutor em História pela UFRGS e Professor do Colégio Politécnico da UFSM. É também autor do livro “Quando a independência faz a união: Brasil, Argentina e a Questão Cubana (1959-1964).

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Um Comentário

  1. Iria escrever uma ladainha sobre miscigenação. Porém seria perda de tempo. Esta muito acima da capacidade cognitiva da esquerda. Afinal, uma pessoa parda também é metade branca. Simples assim. Fixam-se no fenotipo porque fortalece a narrativa. Quanto ao censo é por autodeclaração. Se existem vantagens (cotas, etc.) em declarar-se pardo ou indigena existe um incentivo para tal. Simples assim.

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