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Negacionismo e oportunismo antivacina – por Leonardo da Rocha Botega

Em um episódio da série Dr House, o personagem principal, Dr Gregory House, ao atender um bebê chama a atenção da mãe para a falta das datas das vacinas no documento da criança. A mãe responde que não iria vacinar o bebê, engatando um discurso sobre os lucros da indústria farmacêutica. Com seu tradicional sarcasmo, Dr House pergunta se ela sabia de outro setor que era muito lucrativo: a indústria de caixões para bebês.

Esta cena circulou nas redes sociais ao longo da Pandemia da Covid 19 e voltou a circular fortemente nas últimas semanas. O motivo deste retorno é alertar para os riscos das ações antivacinas adotadas por algumas autoridades governamentais. Nas vésperas de começar o ano letivo nas escolas, inúmeros governadores e prefeitos determinaram o fim da obrigatoriedade de apresentação da carteira de vacinação no ato de matricula escolar.

As ações antivacinas iniciaram em Santa Catarina e em Minas Gerais, a partir dos governadores Jorginho Melo (PL) e Romeu Zema (Partido Novo), e foram seguidas por um conjunto de prefeitos ligados à extrema-direita em diferentes municípios brasileiros. O principal objetivo dessas ações, de puro oportunismo eleitoral, é respaldar politicamente os movimentos antivacinas a partir de uma demagógica (e ilegal) argumentação sobre a vacinação como “liberdade de escolha individual”.

Em dezembro de 2020, em meio aos debates sobre a vacinação contra a Covid-19, os ministros do Supremo Tribunal Federal definiram, por dez votos a um, a constitucionalidade da obrigatoriedade vacinal. A decisão afirmou que o direito à saúde coletiva prevalece sobre a liberdade de consciência e de convicção filosófica, uma vez que, um direito individual não deve frustrar o direito da coletividade. Foi com base nessa decisão, e no Estatuto da Criança e do Adolescente, que o ministro Cristiano Zanin determinou a suspensão de várias destas ações antivacinas.        

Os movimentos antivacinas ganharam visibilidade no Brasil ao longo da Pandemia da Covid 19, sobretudo, por conta da oficialidade do negacionismo nos discursos e na atuação do governo brasileiro de então. Antes disso, o conspiracionismo antivacinas tinha pouca credibilidade na sociedade brasileira. O motivo era (e ainda é) o sucesso de uma das poucas políticas de longo prazo do Estado Brasileiro: o Programa Nacional de Imunizações.

O Programa Nacional de Imunizações começou a ser estruturado no Brasil, em 1973, devido a necessidade de unificar as ações pontuais e esporádicas que vinham se desenvolvendo no Brasil. Dois anos depois, o programa foi institucionalizado pela Lei 6259/75. Ao longo de cinquenta anos, completados em outubro passado, o programa se tornou uma referência mundial, principalmente, por ter sido responsável pela erradicação da varíola humana e pela eliminação da rubéola e da poliomielite.

Nesse mesmo período, o Brasil ampliou a oferta gratuita de vacinas. Inicialmente, o Estado brasileiro disponibilizava somente quatro vacinas. Hoje são disponibilizadas em torno de vinte vacinas gratuitas para toda a população brasileira. Uma conquista que somente foi possível devido a existência do Sistema Único de Saúde, o SUS, o maior sistema público de saúde do mundo, responsável por atender cerca de 190 milhões de brasileiros e brasileiras.

Porém, apesar destas conquistas, a cobertura vacinal brasileira vivenciou um processo alarmante nos últimos anos. Entre 2016 e 2021, o Brasil registrou uma queda significativa na cobertura vacinal infantil, o que gerou um alerta quanto a possibilidade de retorno da poliomielite e o avanço do sarampo. Desde 2022, o Brasil vem revertendo essa queda. Ano passado (2023), a cobertura vacinal infantil aumentou 48%.

Uma explicação para essa queda foi justamente a eficácia demonstrada pela vacinação contra a Covid-19. O Brasil, depois de muita pressão da sociedade, iniciou a vacinação em janeiro de 2001, quando 56 países já estavam vacinando no mundo. Naquele momento, o país que possui 2,75% da população mundial, era responsável por 17% dos óbitos mundiais por Covid-19. Um ano depois, o avanço da vacinação havia resultado em uma redução de 96,44% dos óbitos.

A História recente do Brasil tem demonstrado, portanto, o quanto a política de vacinação brasileira tem sido eficiente e o quanto as vacinas tem sido importante como instrumentos de defesa imunológica. Um importante instrumento de defesa da sociedade brasileira. Atacar a política de vacinação é atacar a própria sociedade brasileira. Respaldar movimentos antivacinas é um ato de cumplicidade com doenças que muitas vezes são letais. A Pandemia recentemente nos ensinou: Negacionismo mata! Oportunismo político também!

(*) Leonardo da Rocha Botega, que escreve regularmente no site, é formado em História e mestre em Integração Latino-Americana pela UFSM, Doutor em História pela UFRGS e Professor do Colégio Politécnico da UFSM. É também autor do livro “Quando a independência faz a união: Brasil, Argentina e a Questão Cubana (1959-1964).

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