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Marchas e contramarchas – por Orlando Fonseca

“A intentona de 8 de janeiro é ainda efeito daqueles terremotos de 64”

No calendário cívico do mês de março, vários acontecimentos históricos do Brasil completam 60 anos por estes dias. Semana passada, foi o aniversário do Comício de Jango na Central do Brasil (dia 13); nesta semana, no dia 19, é a vez da famigerada Marcha da Família com Deus pela Liberdade.

Como sabemos todos (ou deveríamos saber), tudo acabou com a mobilização militar do dia 31 naquele fatídico 1964, com um golpe cívico-militar perpetrado no dia primeiro, mas aí já era abril. Quem viveu, viu e quem não viu precisa entender como caminha a humanidade na sua porção brasileira.

Para entender aquela Marcha, é preciso observar a percepção da classe média no Brasil, uma classe que se acha, pois não sendo rica, defende os interesses da elite nos embates políticos. Estou generalizando de propósito, mas é assim que as pesquisas retratam os que se encontram nas prateleiras B e C da pirâmide social. Um povo que tem uma forte tendência a tomar posições de acordo com sua fé religiosa.

Em 64, no evento mencionado acima, eram os católicos em sua maioria, donas de casas caridosas e cheias de temor do comunismo. Agora, em uma longa marcha iniciada nas Jornadas de Junho de 2013 e que só terminou no fatídico 8 de janeiro de 2023, são os evangélicos, em sua maioria neopentecostais.

Seus líderes (macedos e malafaias) fazem lavagem cerebral com uma tal de Teologia da Prosperidade, pela qual, o anticristo cabe ao comunismo. Isso tem influenciado a polaridade que tomou conta das últimas campanhas eleitorais.

Desde a Marcha que precedeu o golpe cívico-militar de 64, o temor propagado pelas lideranças é que o comunismo atente contra o patrimônio, contra a liberdade econômica e contamine a família. Agora, o comunismo como a face do mal é o próprio demônio, execrado pelos púlpitos neopentecostais do país.

O Messias, que veio uma vez livrar seu povo do pecado, precisa voltar para nos livrar da ignorância. Em alguns casos, nem se trata de exacerbação da extrema direita, mas da extrema burrice. Falta estudo a essa gente e uma leitura atenta dos livros e da realidade (alguns sequer folheiam o Livro Sagrado, confiantes na palavra de seus líderes).

Para entendermos o que se desenrola, hoje, nas investigações da PF e julgamentos no STF, precisamos recuperar como, há 60 anos, se arquitetou um golpe. Primeiro, realizou-se o Comício da Central do Brasil, mobilizando de 150 a 200 mil pessoas. João Goulart reassumiu seu compromisso com as Reformas de Base, dando a entender que havia abandonado a política de conciliação e se posicionado junto aos movimentos sociais.

Ao mesmo tempo, a conspiração dos grupos da extrema-direita formava-se, disseminando a ideia de que um golpe da esquerda estava em gestação. A reação conservadora foi imediata, com a referida Marcha acima, a qual mobilizou mais de 500 mil pessoas em São Paulo, reivindicando a intervenção dos militares.

Assim, no dia 31 de março, uma rebelião militar organizada por Olympio de Mourão deu início ao golpe, como um movimento reativo, em legítima defesa da democracia e dos valores “ocidentais e cristãos”.

Há quem argumente hoje que, por não ter havido o golpe em 8 de janeiro, isso absolve os aloprados. Ora, desde Tiradentes, sabemos que inconfidências, mineiras ou não, são tipificadas como crime. À esquerda, ou à direita, a própria República puniu levantes malsucedidos: a Intentona Comunista de 1935 e o Levante Integralista (fascista) de 1938.

A intentona de 8 de janeiro é ainda efeito daqueles terremotos de 64. O que tem vindo à tona com as investigações, mostra-nos o que se arquitetava nos porões republicanos. Enquanto não se punir exemplarmente civis e militares envolvidos, corre-se o risco de novos atentados. E assim vai a nossa democracia, dois passos para frente e um para trás; é a marcha à brasileira, sem que se tenha claro para onde.

(*) Orlando Fonseca é professor titular da UFSM – aposentado, Doutor em Teoria da Literatura e Mestre em Literatura Brasileira. Foi Secretário de Cultura na Prefeitura de Santa Maria e Pró-Reitor de Graduação da UFSM. Escritor, tem vários livros publicados e prêmios literários, entre eles o Adolfo Aizen, da União Brasileira de Escritores, pela novela “Da noite para o dia”.

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7 Comentários

  1. Enquanto isto, ‘democraticamente’ Andrade Gutierrez e Odebrecht venceram licitação da Petrobras para terminar a construção da Refinaria Abreu e Lima. Empreendimento que vai custar umas 15 vezes o orçado. Mas não é necessario se preocupar, todos ‘estão recuperados para integrar a sociedade’, ninguém vai botar um niquel no bolso.

  2. ‘E assim vai a nossa democracia, dois passos para frente e um para trás;[…]’. Este papinho de ‘democracia’ é uma tremenda cortina de fumaça. Alas, o circo que a midia tradicional montou em cima do ‘golpe’ semana passada também é, nenhuma informação adicional. Os desvairados, crentes que as eleições foram fraudadas, queriam uma ‘saida constitucional’ para reverter o processo. A bobagem do ‘poder moderador das FFAA’. Como não encontraram meteram a cola no meio das pernas e foram embora. Alas, a midia tradicional transformou aconselhamento em ameaça (os depoimentos estão disponiveis para leitura, que cada um leia e faça o seu juizo). Alas, comandante do exercito se demite. E as ‘saidas constitucionais’ teriam que passar pelo Congresso, algo que obviamente não aconteceria (algo que nunca é mencionado, o que mais está sendo omitido?).

  3. ‘A intentona de 8 de janeiro é ainda efeito daqueles terremotos de 64.’ Obvio que não. Video de Gilmar Mendes em entrevista a emissora portuguesa, antigo e jogado para debaixo do tapete pela midia tradicional, “Não houve de forma muito clara, não se pode dizer, que houve uma tentativa de golpe. Não houve quem quisesse assumir o poder. Ocuparam o Supremo Tribunal Federal, ocuparam o Palácio do Planalto e parte do Legislativo, mas de qualquer forma causaram um imenso tumulto, estamos discutindo, inclusive no exterior, aqui em Portugal e em outros lugares.” Mesmo assim ajudou a condenar com penas pesadas muita gente.

  4. ‘Para entendermos o que se desenrola, hoje, nas investigações da PF e julgamentos no STF, precisamos recuperar como, há 60 anos, se arquitetou um golpe.’ Obvio que não. Para variar algo importante fica de fora. Em 1964 a Guerra Fria e a Teoria do Domino corriam soltas. Hoje Cuba pede comida para a ONU e os blackouts ficam evidentes em fotos de satelite, falta energia. O império Ianque está em plena decadencia. Uma guerra morna esta em curso. De um lado Ianquelandia e Europa Ocidental (também em decadencia). Do outro Russia, China e Irã. Alas, final do ano passado a Suécia teve que acionar o exercito devido a violencia das gangues. Alemanha em recessao tecnica. Sancionaram a Russia. Cuja economia cresceu algo como 3% ano passado e deve crescer um pouco menos no atual.

  5. ‘[…] mas da extrema burrice. Falta estudo a essa gente e uma leitura atenta dos livros e da realidade […]’. Na, obvio, otica do autor. Que é referencia somente para a esquerda. Alas, estudo não tem a ver com capacidade cognitiva. Leitura atenta de livros, somente de um tipo deles, foi a genese das primeiras ‘bolhas’. ‘Realidade’ é algo subjetivo. Os fatos podem ser os mesmos, mas o grau de informação e a capacidade cognitiva diferem.

  6. 1964. Fazer juizo de valor de evento historico é perda de tempo. Não existe alternativa, esta no passado. Fazem 60 anos. Muitos que nasceram em 64 já foram para o além. Os atores dos eventos acredito que todos. Uns, hoje em dia, acharão que foi positivo. Outros negativo. E daí? Como diz o filosofo, debates que saem do nada e vão para lugar nenhum.

  7. ‘[…] a percepção da classe média no Brasil, uma classe que se acha, pois não sendo rica, defende os interesses da elite nos embates políticos.’ Hoje em dia os servidores publicos, classe media, com todos os privilegios, ‘defendem os pobres’ e ‘se acham’. Sem falar no sem numero de socialistas de iPhone. E causidicos(as). Lembra o chiste, ‘como se identifica um(a) vegetariano(a)?’. ‘Não precisa, ele(a) faz questão de informar que é’. Como se fosse uma qualidade e não simplesmente uma caracteristica. Alas, a ‘superioridade’ moral da esquerda é algo muito hilario! Kuakuakuakuakua!

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