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A Comidinha – por Marcelo Arigony

“Até que o Rei deu botinaço na caixa, derrubou o som; parou de soco, abriu...”

Tínhamos uma turma de amigos que costumava fazer um churrasco mensal. E sempre convidávamos o Rei, o Sérgio Rei.

O Rei vende carros, mas também faz um cover estupendo. Canta um monte de azul, forte no Roberto Carlos. O cara é parecido, e faz o personagem. Abre o peito, canta Emoções, e faz todo mundo se emocionar. Chora-se!

Mas enfim, o Rei tava na festa dando boca como de costume. Naquela noite ele chegou atrasado, e empurraram direto pro microfone de goela seca. Em volta dele, rodando cerveja gelada, espumante de Rivera, salsichão, pimentão parrillero, coraçãozinho, pão com alho… e o Rei de asa e bico aberto, qual um rouxinol, acelerando o Calhambeque bibi nas curvas de Santos.

O Rei nem bem terminava uma música já pediam outra. Não deixavam ele parar nem um segundo. E a beberronia solta: mais cerveja gelada, caipirinha, uísque com Red Bull… canta outra Rei. Agora Detalhes Rei, Esse Cara Sou Eu – aliás esse cara é tu, Rei – e o Rei desfilando impecável o repertório Rupertino, com coreografia e tudo.

Já tinha saído Amor Perfeito, Jesus Cristo e Eu Te Amo; pessoal petiscando espetinho de filé com bacon, queijo coalho, matambrito de porco… e o rei mandando ver. Agora chegava nos Detalhes – tão pequenos – e em deixar a tristeza pra lá…. iuuhuuuullll. Rei é o Rei…

E a comezaina forte: rim e cebola assada, picadão de picanha, cerveja de novo, coraçãozinho outra vez… o Rei, agora sereno, tava saudoso da Amélia, falava nos cabelos negros da Índia… mais uma Rei… Amigo, tu é um grande amigo. – Mulher de Quarenta e um tango Rei; tive uma castelhana. Ahhh que saudade daquela galopeira – gritou um gaiato.

– Agora em outra língua Rei, bradou um pândego… E o Rei me gruda Canzone Per Te: la festa appena cominciata, e Garota de Ipanema em italiano… – Aleluia, aleluia gritaram em histeria coletiva … depois Quero Lhe falar Meu Grande Amor….

Até que o Rei deu um botinaço na caixa acústica e derrubou o som; parou de soco, abriu os braços e ficou mudo olhando para a plateia. Todos atônitos. O que houve? E o Rei gritou:

– E AS COMIDINHAS?! Tô cantando há quase duas horas, vocês se regozijando aí, de pança cheia, e pra mim não chega nem um beijinho. Quem trabalha de graça é relógio, quero minha comidinha. E o rei botou a viola no saco e saiu a passos. Nunca mais veio às festas da turma.

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Nessa época de fim de ciclo eu sempre lembro dos amigos do Rei. Lembro deles e de todas as pessoas com quem se interage durante o ano. Aqueles que demandam a gente nos domingos à tarde, na hora da sesteada; os que ligam nas terças chuvosas de madrugada, quando nem o advogado atendeu; também tem aqueles que precisam de um contato lá em Vacaria ou em Curitiba; e os que tiveram o filho do primo do cunhado preso na capital, e precisam de uma orientação. E depois nunca lembram do Rei na hora da comidinha…

Então, agora no fim do ano, liga pro Rei. Liga pra ele e pra todos aqueles que te ajudaram.  Liga que eles se emocionam. Mas telefona; não manda mensagem pronta de whatsapp que o Rei não gosta.

(*) Marcelo Mendes Arigony é titular da 2ª Delegacia de Polícia Civil em Santa Maria, professor de Direito Penal na Ulbra/SM e Doutor em Administração pela UFSM. Ele escreve no site às quartas-feiras.
Nota do Editor. A imagem que ilustra esta crõnica é uma reprodução obtida na internet. Mais exatamente neste site:
AQUI.

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8 Comentários

  1. Que belo texto!
    Parabéns Marcelo!
    Muitas vezes só somos lembrados em momentos difíceis, esta é uma grande verdade.
    Na hora da comidinha ninguém lembra.

  2. Um cachorro só sabe latir. Se tivesse maior capacidade cognitiva talvez falasse. A luta de classes do ‘os traficantes dos morros são comandados pelos ricos da Veira Souto’. Luta de classes é esperado. Problema é o preconceito, pessoal do morro seriam ‘incapazes’. Pablo Escobar largou o ensino medio aos 17 anos. Chegou a voltar, mas acabou desistindo de novo. Entrou na faculdade com um diploma de segundo grau falsificado. Dizia que desejava virar advogado e politico. Largou também. Começou roubando lapides de cemiterios, ‘reciclando’ e revendendo. Também vendeu bilhetes falsos de loteria e cigarros contrabandeados. Foi para o roubo de carros e depois sequestro. Depois entrou no trafico e deu no que deu. Ficou na lista das pessoas mais ricas do mundo da Revista Forbes por sete anos seguidos. Fortuna dele foi avaliada em 25 bilhões de dolares. Um sobrevivente, Darwin não é coisa da Globo. Nada mal para quem não vivia em apartamento, mandava os pais colocarem o cinto ou reciclar o lixo. Nada mal para quem não viveu a infancia com a cara enfiada numa tela.

  3. Wikipedia. ‘Criminologia crítica é uma teoria criminológica de inspiração marxista concebida por Alessandro Baratta, com base epistemológica na teoria do etiquetamento do sistema penal, isto é, na seletividade dos órgãos de controle social formal (do Estado), como pobres, negros, egressos e outras minorias análogas.’ ‘Criminologia crítica vê o crime como um produto da opressão dos trabalhadores- em particular, aqueles em maior pobreza.’ Inspiração marxista? O que Marx inventou mesmo? Alas, o livro do Baratta, se lembro bem, tem capa verde e foi traduzido por um professor da UFPR.

  4. Quando se fala em servidores publicos não é devido especificamente aos que na aldeia existem. Não que não existam problemas aqui, mas a cidade é uma mostra branca. Não é aconselhavel projetar ‘politicas publicas’ com o que se constata na região oeste e nem na CASE daqui. Alás, Claudemir com P. defende os CC’s (principalmente porque estão perto, se estivessem longe a conversa seria outra), só que existem mais de 5 mil municipios no pais e absurdos não faltam. Nomeiam até gente cuja ‘confiança’ vem de dividir o leito com o mandatário. Helas, existem podcasts de policiais militares/civis, de agentes penitenciarios que pintam um quadro diferente. Ex-detentos dão entrevistas em podcasts. Amostra é pequena mas evidencia que as generalizações estão erradas.

  5. Liberar as drogas pode ser discutida, o guspe sai de graça. Longe de ser simples. Até Convenção na ONU teria que mudar, sem falar em outros tratados. Problema maior, como tudo no Brasil, nem é a liberação. É como seria feita. Grande parte da população iria dormir e acordaria com as manchetes nos jornais ‘Liberadas as drogas no Brasil, votação ocorreu na madrugada’. Assim mesmo, como Deus fez a mandioca. Se der m. não atinge os politicos (como tudo no pais) logo ‘não tem problema’.

  6. Alguém diz ‘voce é a favor que os presos se explodam até um filho ou parente se meter em confusão e ir para a cadeia’. Outro diz ‘voce não quer pena de morte até algum marginal matar ou estuprar alguem da sua familia’. Não há espaço para desenhar, mas é o mesmo argumento com ‘sinal trocado’ (sem entrar no merito). Não há simetria, obvio, estatisticamente há mais vitimas do que criminosos. Não prender também não é solução, se o Estado não resolve os comuns do povo irão resolver, simples assim. Midia tradicional não divulga linchamentos mas eles ocorrem. Nas praias do RJ volta e meia dá confusão, por exemplo.

  7. Há que se tomar cuidado nos comentarios. Para não enfurecer Xandão da Boca do Monte, o cérebro de grão-de-bico. Bueno, quem ainda ouve RC está para os lados dos 60. Carreira artistica é assim, termina em nichos e obscuridade.

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